04 Outubro 2016
"O gênero não é um inimigo da família. É um objeto de estudo fascinante, que, para ser verdadeiramente entendido, requer conhecimentos biológicos, filosóficos, psicológicos, antropológicos, econômicos."
A opinião é da economista italiana Elisabetta Addis, professora da Universidade de Sassari e da Libera Università Internazionale degli Studi Sociali Guido Carli (LUISS) de Roma. O artigo foi publicado no sítio HuffingtonPost.it, 02-10-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Caro Bergoglio, Francisco caríssimo, você interveio novamente sobre esse tema em Tbilisi. E eu devo repetir a você coisas que você já deveria saber. O gênero não é uma teoria, é um fato: gênero é o nome que os estudiosos de Ciências Sociais dão ao fato de que homens e mulheres têm comportamentos diferentes, todos esperam deles esses comportamentos diferentes, mas essas expectativas mudam ao longo do tempo, nas diversas sociedades, nas diversas culturas.
Sobre uma característica biológica – cromossomos XX ou XY – criam-se expectativas culturais, que se tornam estereótipos. Essas expectativas culturais não são as mesmas ao longo da história e ao longo da geografia: eu posso sair de cabeça descoberta, uma saudita não pode. Descrever por que existem essas diferenças de gênero é produzir uma explicação científica do gênero, isto é, uma teoria. Ou, melhor, muitas teorias de gênero: há mais de uma explicação do gênero.
Você também tem uma teoria de gênero. A teoria católica de gênero diz – não pretendo ser exata; na exegese bíblica, existem diversas interpretações, mas me ensinaram mais ou menos assim – que a primeira mulher foi feita a partir da costela do primeiro homem, que, como ela sugeriu comer um fruto proibido, todo a dor do mundo é culpa dela, e não do primeiro homem que comeu dele ou de ambos. Que quando Deus se encarnou ele escolheu uma menina virgem, o que sugere que há algo de errado em ser mulher e não ser virgem. Na religião de vocês, um dado biológico – ter um pênis – é um requisito essencial para desempenhar a mais importante função cultural, ser sacerdotes. Só os homens estão habilitados a ser mediadores entre os seres humanos e o divino: todos, inclusive as mulheres, devem periodicamente ao encontro desses sacerdotes homens para contar o que fizeram para ter a confirmação de que isso está bem ou não.
Nem em todas as religiões é assim: em outras religiões, houve sibilas e sacerdotisas; outras denominações cristãs rejeitaram uma instituição de controle social de um grupo de homens sobre todos os outros, como é a confissão; em algumas denominações, foram aceitas mulheres ao papel sacerdotal.
A atual teoria católica de gênero reproduz características presentes em uma maioria das culturas – não em todas: o domínio do sexo masculino sobre o feminino, e o fato de dar mais valor a características e comportamentos masculinos em relação aos femininos.
Na realidade, sobre esse segundo ponto, a cultura católica é ambivalente. De fato, em certos aspectos, ela valoriza, nos homens e nos sacerdotes, características que no estereótipo atual, seria virtudes femininas. Favorece a escuta, a acolhida, a partilha, a paz, em vez da violência, da competição pela vitória, da guerra.
Essa abertura muito positiva em relação ao feminino pode ser a base de uma aliança e de uma sinergia importante entre a Igreja Católica e as várias formas de feminismo – os feminismos são movimentos políticos que se propõem a valorizar as mulheres e o feminino, tornando homens e mulheres não iguais, mas igualmente livres e com os mesmos direitos.
Mas essa aliança não pode acontecer se vocês continuarem a manter firme o ponto da dominação masculina. É verdade, no divórcio, os filhos sofrem. Mas, como você bem sabe, existe o feminicídio, isto é, o fato de que as mulheres, muito mais frequentemente do que os homens, são mortas pelos próprios maridos, e isso muitas vezes depois de anos de violência, de espancamentos e de insultos. Eu sei que você não pede que as mulheres não terminem uma relação com maridos desse tipo. Você não pode sugerir que filhos e filhas sejam criados dentro desse modelo, que perpetua e reproduz a violência. Existe uma altíssima correlação entre ser terrorista assassino – falo de bombas e massacres na França e nos EUA – e ter uma história de violência doméstica,
Por favor, não é sábio, nem mesmo na distante Tbilisi, ir dizer uma coisa que não é verdade, disseminar ignorância.
O gênero não é um inimigo da família. É um objeto de estudo fascinante, que, para ser verdadeiramente entendido, requer conhecimentos biológicos, filosóficos, psicológicos, antropológicos, econômicos. Pessoalmente, eu não deixo de me apaixonar.
Na Itália, ele ainda não tem uma cidadania oficial no ordenamento universitário, ao contrário de países mais evoluídos, e isso obriga aquelas como que o escolheram como objeto de estudo principal a uma sofrida marginalidade acadêmica, a se apresentarem sempre às escondidas.
Ajude-nos, ao contrário, a estudá-lo e a discutir a respeito com seriedade e serenidade, como também se faz nas suas Pontifícias Academias: estou convencida de que, com novos conhecimentos, a teoria de gênero católica também pode mudar para melhor, assim como pode mudar para melhor a de uma feminista estudiosa do gênero como eu.
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A teoria de gênero do papa. Artigo de Elisabetta Addis - Instituto Humanitas Unisinos - IHU