18 Agosto 2016
Quando se referem às competidoras de elite nos Jogos Olímpicos, os discursos jornalísticos se inclinam mais a destacar ou avaliar sua beleza, sexualizar a visão sobre seus corpos e não valorizar seus méritos.
A reportagem é de Sonia Santoro, publicada por Página/12, 16-08-2016. A tradução é do Cepat.
A cobertura destes Jogos Olímpicos destaca que quando falam de esportistas mulheres e de suas conquistas, os meios de comunicação não fazem o mesmo que quando falam de esportistas varões. "A cobertura dos meios de comunicação esportivos é majoritariamente machista, homofóbico e esconde conquistas, resultados, marcas, abusos, violências, destrato, falta de apoio que as mulheres vivem no esporte. Graças a estes Jogos isso foi evidenciado. Seria bom que dure e se siga com o mesmo olhar sobre as coberturas”, destaca a especialista em Esporte e Gênero, Marta Antúnez.
Manchetes dos meios de comunicação de todo o país e da região concordam em aplicar esses critérios. Desde Cuyo, uma logo adiantou suas preferências: “As guerreiras argentinas: mais sexys que nunca”. Uma portenha se inclinou pelos “Dez rostos bonitos que serão vistos na Rio 2016”. “A sexy esgrimista mexicana que tem um corpo escultural”, apontou outra do mesmo grupo. E, ao mesmo tempo, da América Central se expressaram a favor da “Linda do futebol que caiu na Rio 2016”, outra retrucava, de Rio de la Plata, pelas “Bonecas suecas”. O diálogo é um pouco monotemático: corpos belos (de mulheres), dependências femininas, amores que conquistam medalhas.
Antúnez observa que, desta vez, há “muita mais cobertura que outros Jogos e com a mesma misoginia”. “Ocorre que se conseguiu uma maior cobertura. Em muitas olimpíadas nem se sabia dos Jogos, a cobertura ocupava um espaço reduzido nos meios de comunicação. Ao crescer a cobertura, cresce a visibilidade e se notam mais os comentários espantosos que cotidianamente os meios de comunicação fazem das mulheres esportistas”.
“Agora, parece que todos nós estamos apreendendo que a cobertura dos meios de comunicação é machista. No entanto, pouco ou nada se fala da capa de algum suplemento esportivo, nem da quantidade de espaço que o esporte feminino normalmente ocupa nos meios de comunicação, dos títulos das notas e dos comentários dos usuários de internet sob as mesmas, sem falar das redes sociais. A cobertura dos meios de comunicação esportivos é majoritariamente machista, homofóbica e esconde conquistas, resultados, marcas, abusos, violências, destrato, falta de apoio vivido pelas mulheres no esporte. Graças a estes Jogos isso foi evidenciado. Seria bom que dure e se siga com o mesmo olhar sobre as coberturas”, acrescenta a especialista.
Barbara Duhau, da organização unpastiche.org, disse que os Jogos Olímpicos funcionam como uma lupa: “há uma quantidade suficiente ou um foco colocado nas mulheres que em outros momentos não ocorre e que permite analisar este escrutínio constante que se faz dos corpos, da invisibilização de seus méritos esportivos. É um tratamento usual que se dá às mulheres, mas neste tempo específico há uma grande necessidade de falar sobre isto. Então, muitas vezes, por nunca se tratar destes temas, porque o esporte e as mulheres quase não são abordados nos meios de comunicação, acredito que por um lado não sabem como tratá-lo e acabam ficando no ranking das mais sexys”.
Duhau acompanha este discurso midiático machista em torno das atletas, desde que sua sócia Taluana Wenceslau, que vive no Brasil, viu o que vinha com semelhante evento esportivo internacional. Por isso, decidiram encarar um Observatório de Gênero dos Jogos Olímpicos - Rio 2016, junto à organização Grow, para focar o “problema de representação, invisibilização e tratamento sexista que as mulheres recebem, neste caso específico, no esporte”.
Antes dos jogos, revisaram mais de 300 notícias publicadas nos meios de comunicação on-line. Das notas focadas nos atletas, apuraram que 61% se referiam só a homens, 22% exclusivamente às mulheres, e 17% a ambos. Isto significa uma diferença importante, já que hoje a participação de mulheres quase se equiparou a dos homens. “Desde Sydney, quando foram equiparadas as provas com as dos homens, e com a ação do Comitê Olímpico Internacional para que os esportes que sejam agregados ao programa olímpico tenham obrigatoriamente as duas categorias, a quantidade de mulheres subiu 45% nestes jogos”, explica Antúnez.
Das notícias que só falaram de mulheres, quase 27% enfatizaram a beleza das atletas. O estereótipo das mulheres não só se centra em ressaltar seu atrativo físico, como também em sempre conceder suas conquistas a fatores externos, em geral masculinos: um treinador, um amor. Exemplo disto é o monólogo de um jornal portenho sobre a nadadora que ganhou uma medalha de ouro: “A história de amor da nadadora húngara Katinka Hosszu e seu treinador, que os levou ao ouro na Rio 2016” e “A estranha relação de Katinka Hosszu com seu treinador, que a levou ao ouro e ao recorde mundial”. Mas não é único e nem novo. Quando, em 2009, a primeira mulher argentina escalou o Monte Everest, um jornal intitulou: “A argentina que conseguiu chegar ao cume do Everest, fez isto por amor”.
É que a história do sexismo e o esporte não começa, nem terminará com os Jogos do Rio, nem tampouco nos meios de comunicação de fala espanhola. Uma pesquisa de Cambridge University Press, publicada no dia 6 de agosto, analisou mais de 160 milhões de palavras de jornais, blogs e postagens em redes sociais - entre outras fontes - relativas aos esportes olímpicos e verificou que as palavras mais usadas em diversas combinações em relação às mulheres são “idade”, “grávida”, “solteira”. Ao contrário, as palavras mais utilizadas em relação aos homens foram: “rápido”, “forte”, “grande”, “real”, “fantástico”.
Quando se fala de seu rendimento, parece que os homens têm de antemão o triunfo de seu lado. Predominam palavras como “gênio”, “ganhar”, “dominar” e “batalha”, ao passo que quando se fala das mulheres aparecem “competir”, “lutar” ou “participar”. Também há uma infantilização da mulher. Muitas esportistas são chamadas de “pequena”, se fala muito das “pequenas”, frente aos pouquíssimos homens que receberão o apelido de “pequeno”. Também são utilizados termos mais tradicionais. A pesquisa diz que há duas vezes mais probabilidades que uma esportista seja chamada de “senhora”, que um atleta de “cavalheiro”. A linguagem que utilizamos pode condicionar nossas atitudes de gênero para o esporte? O estudo parece indicar que sim.
“Compreendo que o esporte é uma questão cultural, no qual os homens continuam mandando e nós, mulheres, somos esportistas de segunda e, claro, colocando-o no foco, seria estupendo que os meios de comunicação, com sua sensibilidade de gênero, possam difundir o que ocorre no esporte. Alucinar-se com os Jogos Olímpicos a cada 4 anos e perder o alvo depois é avançar como o caranguejo, para o lado”, disse Antúnez.
Depois, acrescenta: “E quando digo fazer a cobertura do que acontece no esporte não é atuar como o jornalismo machista, com os resultados das partidas e as conquistas de um campeonato, mas colocar o olhar justamente naquilo que os meios de comunicação não veem: no que acontece com nós, mulheres, no esporte, como chegam, como as federações, associações e estado fazem as políticas. Mostrar as diferenças de apoios econômicos, mecanismos de discriminação. É extenso o tema porque o esporte é muito amplo”.
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As críticas à cobertura machista da participação das atletas olímpicas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU