09 Junho 2016
"De nada valeram, até agora, as mais variadas manifestações das igrejas, de pastorais sociais, de movimentos populares, de juristas, artistas e intelectuais que alertavam sobre a iminência da quebra da ordem democrática", afirma a nota da Articulação das Pastorais do Campo, 07-06-2016.
Eis a nota.
A Articulação das Pastorais do Campo, composta pelo Conselho Indigenista Missionário – CIMI, Comissão Pastoral da Terra – CPT, Conselho Pastoral dos Pescadores – CPP, Serviço Pastoral dos Migrantes - SPM, divide com os grupos e comunidades com as quais convivem suas angústias e apreensões, diante da violência institucional e do desmonte dos direitos conquistados em longo processo de lutas.
Após o Senado Federal ter afastado temporariamente, numa manobra claramente golpista, a presidenta Dilma Rousseff e empossado provisoriamente Michel Temer, estão sendo impostas, irresponsavelmente, medidas com caráter de mandato definitivo. Medidas que afetam diretamente os mais fracos e vulneráveis de nosso país, sobretudo os povos e comunidades do campo, das florestas e das águas.
Formou um novo ministério só de homens, e todos brancos. Nenhuma mulher, nenhum negro, ninguém alinhado às classes sociais desprotegidas. Nada menos que sete deles citados e denunciados na Operação Lava-Jato e em outros processos de corrupção. Dois, por conta de gravações divulgadas e que os incriminam, já tiveram que ser afastados.
Promoveu a extinção de ministérios, a fusão de outros, sobretudo os voltados para o campo social, como o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e a Secretaria dos Direitos Humanos, da Igualdade Racial e da Mulher, num processo em que está implícito o desmanche de direitos. Sucedem-se medidas anunciadas e revogadas num curto espaço de tempo. Caso exemplar é o da competência pela delimitação das terras quilombolas, que foi transferida do Incra para o Ministério da Educação, deste para o Ministério da Cultura e por fim acabou ficando, junto com o próprio Incra e outros órgãos voltados para o povo do campo, para a Casa Civil.
Seus ministros acenam que as medidas de reconhecimento de terras indígenas e territórios quilombolas tomadas pelo governo Dilma, nos meses anteriores a seu afastamento, poderão ser revogadas.
Há articulações para revogação do Decreto nº 8.750/2016, que instituiu o Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais, num claro desrespeito à identidade e direitos desses povos.
Na verdade, as questões que envolvem indígenas, camponeses, sem terra e comunidades tradicionais são uma batata quente nas mãos do governo interino com as quais não sabe tratar. A sensação que transparece é que procura um jeito de se ver livre delas.
O golpe contra o direito dos mais vulneráveis atinge em cheio também as comunidades urbanas. A primeira grande vítima do governo provisório foi o Direito à Moradia. O cancelamento dos contratos se voltou principalmente contra a modalidade ‘Entidades do Programa’, na qual os futuros moradores gerenciam o projeto e a obra, construindo casas maiores e melhores, com os mesmos custos das construções feitas por empreiteiras. Medida revogada nos últimos dias.
E se anunciam reformas na previdência, com aumento da idade mínima para aposentadoria, desvinculação do salário mínimo, atingindo mais de 30 milhões de pessoas. Também já está clara a revisão do programa Bolsa Família. O ministro da Saúde acenou para o fim da universalidade do SUS.
Quem está atrapalhando o novo governo é o povo. Este não cabe no orçamento, como se pode ver pelo plano econômico anunciado que propõe colocar um limite para despesas em saúde, educação e outras em setores essenciais à vida do povo.
Tudo isso deixa claro o que esteve por trás de todo o processo que levou ao afastamento provisório da presidenta Dilma Rousseff. Foi um escárnio à história e à inteligência do povo brasileiro. E um claro e transparente atentado contra a democracia. Na realidade o processo de Impedimento de Dilma não visava acabar com a corrupção ou punir os corruptos, mas justamente o oposto: proteger corruptos dando-lhes poder para garantirem seus privilégios e para bloquear investigações em curso. E limitar os ganhos sociais dos mais pobres.
De nada valeram, até agora, as mais variadas manifestações das igrejas, de pastorais sociais, de movimentos populares, de juristas, artistas e intelectuais que alertavam sobre a iminência da quebra da ordem democrática. De nada valeram também os argumentos de defesa da presidenta. O que se inferia de todo o procedimento adotado ficou claramente explícito na gravação, tornada pública no dia 23 de maio, do diálogo do senador Romero Jucá com o ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado. Dilma tinha que ser afastada para se colocar um limite às investigações da Lava-Jato.
A cada dia de atuação desse novo governo interino se confirma a subserviência do presidente Temer aos interesses financeiros dos conglomerados empresariais, de capital nacional e internacional, representados, sobretudo, pela bancada ruralista e por setores ligados a interesses minerários.
As Pastorais do Campo denunciam a violência em curso e somam suas vozes à de muitas igrejas cristãs e não cristãs, à dos movimentos sociais, à dos jovens que ocupam escolas na defesa dos direitos a condições melhores de educação, a milhares de famílias silenciosas que vêem suas parcas conquistas escorrerem de suas mãos, para que um estrondoso grito de justiça ecoe em todos os cantos deste imenso Brasil. É necessária e urgente uma profunda reforma política que garanta mecanismos de participação popular nos destinos da nação. É patente que o Executivo e o Legislativo não respondem à sociedade, não olham os interesses do povo. Obedecem unicamente aos ditames dos doadores de suas campanhas.
Brasília, 07 de junho de 2016.
Comissão Pastoral da Terra – CPT
Conselho Indigenista Missionário - CIMI
Conselho Pastoral dos Pescadores – CPP
Serviço Pastoral dos Migrantes – SPM
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O povo não cabe no orçamento do governo provisório - Instituto Humanitas Unisinos - IHU