09 Junho 2016
No dia 12/5, junto com a decisão do Senado de afastar temporariamente a presidente Dilma Rousseff, o Brasil amanheceu com cinco novas Unidades de Conservação (UCs) no sul do estado do Amazonas. Com os decretos de criação do Parque Nacional (Parna) de Acari, das Florestas Nacionais (Flonas) de Urupadi e Aripuanã, da Reserva Biológica (Rebio) de Manicoré e da Área de Proteção Ambiental (APA) dos Campos de Manicoré, publicados no Diário Oficial da União, houve um acréscimo de 2,6 milhões de hectares em áreas para conservação na Amazônia Legal. A região tem agora 65,7 milhões de hectares protegidos por UCs federais, cerca de 13% de sua extensão total.
A reportagem é de Sílvia Futada e Marina Spindel, publicada por Instituto Socioambiental - ISA, 07-06-2016.
As cinco UCs localizam-se em uma região de grande importância ecológica, com espécies de árvores ameaçadas – como a castanheira-do-pará, cerejeira e mogno – e com um grande potencial para práticas sustentáveis. As novas UCs também complementam o grande escudo de áreas protegidas – localizado no norte do Mato Grosso, sul do Amazonas e do Pará – contra as frentes de expansão dos setores madeireiro, pecuarista e sojicultor.
Mas até que ponto essas medidas podem ser consideradas uma contribuição de um governo para a agenda socioambiental do país?
Em 21 anos, Dilma Rousseff foi a presidente que menos criou UCs federais. Mas, desde o seu primeiro mandato, ela não foi duramente criticada pelo movimento socioambiental só por isso: com uma arraigada e obsoleta visão desenvolvimentista, as políticas e ações de seu governo seguiram na linha da implantação de infraestrutura de grande impacto socioambiental, dependência de combustíveis fósseis e expansão da matriz energética, atropelando direitos territoriais de populações tradicionais e locais. Seu governo foi marcado pelo desmantelamento da legislação florestal brasileira no Congresso, resultado de anos de fortalecimento das alianças com a bancada ruralista.
Em continuidade ao balanço da política de ordenamento territorial do governo Dilma, esta semana o ISA analisa os dados sobre a criação de UCs no período. Para isso, especialistas e ambientalistas foram convidados a opinar sobre o que de fato o governo Dilma fez (e não fez) pelas UCs. (Veja a reportagem sobre Terras Indígenas, primeira da série, publicada na semana passada).
Criação de UCs
Em seis anos de governo Dilma, foram criadas 15 UCs federais: seis na Mata Atlântica, sendo cinco de proteção integral e uma de uso sustentável; e nove na Amazônia Legal, sendo três de proteção integral e seis de uso sustentável. As UCs criadas na Amazônia, no período, somam 3,5 milhões de hectares ou 95% da extensão total das áreas formalizadas por Dilma. Ela também oficializou uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) em Minas Gerais. (Confira todas nos placares).
Biomas como a Caatinga, historicamente desfavorecidos e menos representados no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), não tiveram qualquer porção de seu território destinada à conservação no dois mandatos de Dilma. Segundo dados do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), em julho de 2015 o órgão tinha 188 processos de criação de UCs em curso, 8 na etapa conclusiva, já prontos; 13 na etapa propositiva, de instrução final do processo; e 75 processos na etapa analítica. Alguns, como o da Reserva Extrativista Baixo Rio Branco (RR), são uma reivindicação antiga das comunidades interessadas, que injustamente seguem desatendidas.
O auge da destinação de áreas para conservação na história do país aconteceu durante os dois mandatos do presidente Lula, quando foram criadas 77 UCs federais, abrangendo cerca de 26,7 milhões de hectares. Em comparação com os governos anteriores, não resta dúvida de que a contribuição da gestão de Dilma foi pífia – seja em número de UCs criadas, seja em sua extensão.
Para Maria Cecília Wey de Brito, que foi secretária de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), de 2007 a 2010, e secretária geral do WWF-Brasil, houve poucos avanços para as áreas protegidas e a proteção dos direitos das comunidades extrativistas e tradicionais nos dois mandatos de Dilma Rousseff.
“Era uma tendência que já vinha da gestão do governo Lula, mas ainda tínhamos um número bom, inclusive com áreas em outros biomas e não apenas na Amazônia. Mas depois vimos que praticamente nada aconteceu, a não ser agora no fim do mandato, quando algumas propostas conseguiram ser aprovadas”, critica.
“Comprometimento” com a agenda
Outras UCs, além das de maio, também foram criadas em meio a cenários políticos tumultuados na administração de Dilma. Às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais de 2014, ela criou sete UCs, o que foi atribuído à tentativa do governo de atrair votos dos simpatizantes de Marina Silva, derrotada no 1º turno (saiba mais). Ou seja, não fossem esses momentos políticos decisivos, talvez não tivéssemos sequer esses 3,5 milhões de hectares em novas UCs.
Alguns casos foram polêmicos. Reivindicada pelas comunidades locais há 12 anos, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Nascentes Geraizeiras, em uma das últimas regiões do norte de Minas Gerais com cobertura florestal ainda preservada, só foi criada após uma greve de fome e sede protagonizada pelos geraizeiros em Brasília, em 2014, e de uma recomendação do Ministério Público Federal e do Ministério Público Estadual de Minas Gerais para formalizar a área (relembre).
Outro caso foi o do Parna da Serra do Gandarela (MG), criado com limites distintos dos indicados pelos técnicos e pelas demandas dos movimentos sociais. Maria Teresa Viana de Freitas Corujo, do Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela, conta que as reivindicações para a criação da área, iniciadas em 2007, contrariavam a pretensão de instalação de um megaprojeto de mineração na região do Quadrilátero Ferrífero e não foram atendidas pelo governo de Dilma.
“A partir de uma proposta negociada entre a ministra do Meio Ambiente [Izabella Teixeira] e o setor minerário, o Parna da Serra do Gandarela foi criado, em outubro de 2014, mas completamente mutilado de forma a atender esse setor, desrespeitando inclusive a proposta final do ICMBio”, lembra Maria Teresa.
Ela informa que ficaram de fora trechos de Mata Atlântica primária e da vegetação de Cangas, uma formação de alta diversidade biológica e com várias espécies que só existem ali; três locais de grande relevância, entre elas um túnel subterrâneo cavado por animais extintos; cachoeiras de água especial; lagoas de altitude raras; e grande parte da bacia do Ribeirão da Prata. Trata-se de uma das últimas grandes áreas remanescentes de uma ecossistema muito particular relacionado ao afloramento de ferro da Região Central de Minas Gerais.
Parte da área da Serra do Gandarela e da bacia do Ribeirão da Prata que ficaram de fora do Parque Nacional
“Além disso, ainda ocuparam áreas que as comunidades pediram que fosse uma RDS para manter atividades de geração de renda, que não mais poderão exercer, caso a zona de amortecimento e o plano de manejo sigam as mesmas premissas de atender meramente aos interesses minerários”, alerta.
Para Adriana Ramos, coordenadora do Programa de Direito e Política Socioambiental do ISA, o governo Dilma pecou ao ignorar demandas de populações tradicionais.
“Além da subordinação da criação das UCs aos interesses de outros ministérios e setores econômicos, o que mais chamou atenção nas políticas de conservação do governo Dilma foi a postura contrária aos interesses e demandas das populações tradicionais que vivem em UCs, fossem elas de desenvolvimento sustentável ou de proteção integral”. Como exemplo, Adriana lembra da tentativa do governo de invalidar o termo de compromisso para regular a permanência dos quilombolas moradores do Parna de Aparados da Serra (RS). “Um grande retrocesso para um país que conquistou uma Política Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais”, conclui.
“Se a presidente não tem interesse, é óbvio que o Ministério de Meio Ambiente não vai ganhar parada nenhuma”
“Quando eu estava no MMA, o número de ministérios e setores que tinham que ser consultados antes de qualquer proposta de criação ou ampliação de UC seguir adiante era enorme. No entanto, o que se via – e creio que isso se manteve por muitos mais anos – é que para propor a UC exigia-se uma montanha de estudos técnicos detalhados, de qualidade, demonstrando a importância do lugar, das pessoas que estavam ali e, na contraposição dos demais ministérios ou setores, não havia igualdade: notadamente do Ministério de Minas e Energia e do Ministério dos Transportes… É um estudo que não foi feito, uma proposta que não se apresenta, contrapondo com informações relevantes. Ou seja, você tem uma urgência na proteção de comunidades ou da biodiversidade e você jogava no lixo essa emergência em função desses planos, que sequer se sabia se poderiam vir a ser viabilizados. Isso foi recorrente e creio que continuou a ser recorrente no governo Dilma – fora o desinteresse absoluto dela por essas questões. É claro que existe a necessidade de uma posição muito firme do presidente da República na negociação com os vários níveis de governo. Então, se a presidente Dilma não tem interesse ou vocação ou compreensão para a importância desses assuntos, é óbvio que um ministério como o de Meio Ambiente, que também não tem relevância do ponto de vista político no governo, não vai ganhar parada nenhuma – a não ser as que são quase óbvias e cuja pressão se dá muito mais por fora do ministério do que por dentro.”
Maria Cecília Wey de Brito
Reduções e ampliações
Dilma não carregará só o estigma de ser a presidente que menos contribuiu para a criação de UCs nos últimos anos. Em 2011, seu primeiro ato em relação às UCs foi a edição de uma Medida Provisória (MP), depois convertida em lei, que desafetou uma área de mais de 83 mil hectares de sete UCs para implementação de hidrelétricas. Entre as mais afetadas, estavam UCs do Rio Tapajós (leia aqui). Embora essa possa não parecer uma extensão tão significativa, quando comparada com a dos acréscimos de áreas – em seus mandatos, Dilma ampliou nove UCs, adicionando mais 419 mil hectares a essas áreas – o ato de alterar os limites de UCs via MP é questionável e foi condenado por ummanifesto, assinado por mais de 30 organizações da sociedade civil.
Em novembro de 2011, a Procuradoria-Geral da República (PGR) ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, questionando as medidas no Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo a PGR, não se justificaria a edição de uma MP para implementar empreendimentos hidrelétricos que sequer tinham seus licenciamentos ambientais emitidos. “Além de não existir a alegada urgência, o procedimento adotado pelo Poder Executivo contraria a legislação específica do licenciamento ambiental”, pontuou a PGR.
Os interesses de exploração energética também já haviam norteado as ações do governo Lula, nesse caso para a instalação da usina de Jirau (RO) (relembre).
Além disso, dados e relatos de gestores e moradores sinalizam que as dificuldades na implementação das UCs continuaram no governo de Dilma (leia relato abaixo).
“Toda rosa tem um espinho”
“A Reserva foi puxada primeiro, em 1996, por uma associação de pesca das mulheres de Cachoeira, mas, como elas não tiveram apoio, elas pararam. Quando foi em 2005, eu peguei a [presidência da] colônia de pescadores. Aí, eu tirei as cópias da documentação. Pois toda rosa, como rosa, tem um espinho, né? E comunicamos as universidades e elas entraram também na ajuda. Graças a Deus começaram os estudos e isso roubou uns tantos anos também. Foi puxada a audiência pública: foram 300 e poucas pessoas, eu articulei todas as comunidades e graças as Deus elas vieram, né? E foi para a presidente Dilma e graças a Deus ela deu o apoio e sancionou a tal da Reserva. Tudo com apoio das comunidades, porque sem elas nós não íamos avançar. Até hoje, como nós não temos ainda o gestor, não tem o conselho deliberativo, então até hoje eu sou cobrado né: ‘Pô, Walter, como é que é o negócio, parou mesmo?’. Tudo que dependia de mim, tá feito. Tá tudo legalizado a nossa reserva… Agora, infelizmente, nós não temos gestor e nem conselho deliberativo, que é para tocar para frente. Se dependesse de mim, já tava pronto. Às vezes, quando tem alguma demanda, eu venho aqui em Belém, mas a gente tem dificuldade, não é como se tivesse o gestor. Inclusive, a gente tá com uma demanda lá, tá com um desmatamento, eu tô em cima disso. Eu faço o documento, trago, mas não é como ter o gestor. Isso depende muito do gestor e do conselho deliberativo, que era para fazerem a lei da nossa Reserva. Eu comecei até a fazer um levantamento de quantos tiradores de caranguejo tem. Agora, eu estou pegando um formulário para ir para a Ilha: ver as famílias. Eu tô fazendo isso por conta própria, recurso próprio.”
Walter Fonseca, morador da Reserva Extrativista Marinha de Mocapajuba, em São Caetano Orivelas (PA), criada em outubro de 2014
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O que o governo Dilma fez (e não fez) pelas Unidades de Conservação? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU