02 Dezembro 2015
A contribuição brasileira para conter o aquecimento global (INDC, na sigla em inglês) em discussão na Conferência do Clima de Paris (COP21) inova ao apresentar pela primeira fez uma proposta de descarbonização da economia. A proposta também traz como avanço a meta de redução absoluta no volume de emissão na atmosfera de gases de efeito estufa.
A entrevista foi publicada por EcoDebate, 01-12-2015.
A avaliação é de Paulo Moutinho, pesquisador sênior do Instituto de Pesquisa Ambiental (Ipam). “A proposta é bem-vinda por dois motivos fundamentais: fala pela primeira vez em descarbonização da economia e é uma proposta de redução feita em cima de valores absolutos. Não relativizamos em comparação a nada”, comenta.
Apesar dos avanços, o pesquisador defende que é preciso acelerar o fim do desmatamento, com a implementação integral do Código Florestal e a destinação de uso da imensa área de florestas públicas no país para conter a grilagem.
“O Brasil já demonstrou, até pela redução (na emissão de gases poluentes) já feita, que é possível ter desmatamento zero na Amazônia sem prejuízo para a floresta, para a produção agrícola ou para a economia da região”, diz Moutinho. “O Brasil tem todos os elementos para fazer a extinção definitiva do desmatamento”.
Eis a entrevista.
Como a proposta brasileira para a melhora do clima pode ser avaliada?
A proposta é bem-vinda por dois motivos fundamentais: fala pela primeira vez em descarbonização da economia e é uma proposta de redução feita em cima de valores absolutos. Não relativizamos em comparação a nada. Não é uma redução em função do PIB (Produto Interno Bruto) ou do PIB per capita. A proposta é de uma redução em número percentual em relação a um ponto no passado.
Qual o efeito disso para as florestas e os recursos naturais?
O Brasil tem tido sucesso na redução do desmatamento. Reduzimos o desmatamento de 2005 até agora entre 70% e 80%. Mas ficamos estagnados numa percentagem que, em termos gerais, é relativamente alta de 5 mil quilômetros quadrados por ano. E o Brasil vem oscilando em torno dessa taxa, que seria equivalente a 5 mil campos de futebol. Esse é o grande desafio no campo das florestas para a INDC brasileira [proposta do Brasil para a redução do clima]. O governo está prometendo zerar o desmatamento ilegal e recuperar 12 milhões de hectares de florestas até 2030. E entendemos que a INDC brasileira, embora esteja no rumo correto para as florestas, ela erra no tempo.
Por quê?
Dadas as condições que existem hoje na Amazônia –já presentes no clima em função do desmatamento, mesmo a taxas baixas, e o agravamento das mudanças climáticas global, que traz grandes secas como a que vivemos agora – precisamos acabar com o desmatamento muito antes de 2030. O fato de a gente já estar sentido mudanças drásticas na Amazônia indica que a gente precisa fazer um esforço para o fim do desmatamento, seja ele legal ou ilegal, muito antes de 2030. O Brasil tem todos os elementos para fazer a extinção definitiva do desmatamento.
Por que zerar o desmatamento é importante?
Por três motivos básicos: primeiro, a mudança do clima e o aumento da temperatura e redução de chuvas na região já está acontecendo. Segundo, é que essas mudanças afetam questões importantes como o agronegócio. Na região da bacia do Xingu, de 2000 a 2010 a temperatura subiu quase um grau devido ao desmatamento naquela localidade. Isso não é mudança climática. Isso ocorreu em função de remoção de florestas. Para se ter uma ideia, a diferença de temperatura entre o parque do Xingu, que é todo florestado, em relação a fora do parque do Xingu, pode ficar entre 4 e 8 graus Celsius, mais quente fora do que dentro.
O que isso provoca?
Todo esse aumento de temperatura faz com que haja redução de chuvas o que pode afetar toda a produção e grãos e de carne da região. Ou seja, reduzir o desmatamento o quanto antes e exterminá-lo de vez nada mais é que um dos principais investimentos econômicos para a produção agrícola brasileira. Se esperarmos mais 15 anos para terminarmos apenas o desmatamento ilegal, certamente os prejuízos na agricultura serão bem maiores do que estamos vendo agora.
O que pode acontecer?
Esperando mais para extinguir o desmatamento a gente está furando o regador do agronegócio e desligando o ar condicionado da região. O Brasil já demonstrou, até pela redução (na emissão de gases poluentes) já feita que é possível ter desmatamento zero na Amazônia sem prejuízo para a floresta, para a produção agrícola ou para a economia da região.
E como isso pode ser feito?
Há várias estratégias que poderíamos usar. A primeira passa pela implementação total do Código Florestal e alguns itens são importantes como a compensação de reserva ambiental. Se você é um proprietário de terra e tem excedente de floresta, mais floresta do que a lei exige em termos de reserva legal, você pode vender ou arrendar essa parte de floresta a mais para os proprietários que precisam cumprir o código e não tem reserva legal suficiente. O cadastro ambiental rural pode ser uma ferramenta de uso da terra e de controle do desmatamento.
Poderia haver compensação para quem faz conservação?
Sim. Criar um mercado ou uma economia mais ambiental, trazendo mecanismos financeiros, seja do governo ou ligados à convenção do clima, que possam compensar os Estados e produtores que fazem esforços de conservação de florestas ou de redução do desmatamento. O dinheiro é importante nesse aspecto. Estados e produtores que fazem conservação de florestas devem ter condição diferenciada de acesso a crédito. Deve-se premiar quem conserva florestas.
E em termos tributários, o que pode ser feito?
O governo dá uma série de isenções a uma série de atividades. São quase R$ 100 bilhões por ano e entre 70% ou 80% dessas isenções são para atividades que poluem, ou emites gases de efeito estufa, ou desmatam ou poluem recursos hídricos. Se pudesse dar isenção para as atividades, empresas ou proprietários (de terras) que fazem conservação teríamos uma inversão dessa lógica.
Isso é, então, o que se fala de esverdear a economia?
Exatamente. Isenção (de tributos) para iniciativas sustentáveis.
O que mais poderia ser feito para preservar as florestas brasileiras?
Uma última medida que provocaria redução drástica no desmatamento da Amazônia é os governos estaduais e federal destinarem para algum uso a imensa área de floresta pública na Amazônia, que são as terras devolutas. São quase 80 milhões de hectares, quase a área que já foi desmatada na região.
Quais são os tipos de uso das florestas?
Essa área poderia ser alocada, em sua maior parte, para floresta de produção, áreas protegidas, homologação de terras indígenas, áreas extrativistas. Com isso a gente derrubaria a quase a zero o desmatamento. Seria uma medida muito eficaz e rápida.
Por que usos como esses protegeriam as florestas?
Porque uma boa parte do desmatamento vem da grilagem. Esses tipos de conservação protegeriam e evitariam que se fizesse o desmatamento ilegal por conta da grilagem de terras públicas. Fazendo essas destinação você mantém em larga escala o serviço fundamental prestado pelas floresta, que é manter o clima regional úmido e chuvoso. Isso implica produção agrícola não só na Amazônia, mas fora dela. E manteria nosso sistema nacional de irrigação da agricultura funcionando.
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Brasil tem condições de zerar desmatamento da Amazônia, diz pesquisador do Ipam - Instituto Humanitas Unisinos - IHU