A gratidão é rara

Foto: Lydiah Darah | Flickr

07 Outubro 2022

 

Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste 28º Domingo do Tempo Comum, 9 de outubro de 2022 (Lucas 17,11-19). A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Eis o texto.

 

Pela terceira vez, Lucas atesta que Jesus está a caminho rumo a Jerusalém (cf. Lc 9,51; 13,22) e especifica que, em vez de continuar a estrada para o sul, ele toca a fronteira entre a Galileia e a Samaria para descer ao vale do Jordão.

 

Mas eis um encontro inesperado: dez leprosos, descartados da sociedade, marginalizados e condenados à segregação como impuros e malditos por Deus e pelos homens, vão ao encontro de Jesus enquanto ele está prestes a entrar em um vilarejo. São homens que, de acordo com a Lei, têm o pecado escrito na pele; pecado que, consumado, corrompe todo o corpo, toda a pessoa, tornando-a um membro rejeitado pela comunidade dos fiéis.

 

Para nós, é difícil compreender a condição do leproso naquele tempo, porque hoje temos uma concepção diferente da doença, e, acima de tudo, as doenças da pele talvez nos causem nojo, mas não nos assustam mais como sinal da presença do Maligno.

 

Na Escritura, havia uma lei específica para afirmar a imunidade da lepra na vida cotidiana (cf. Lv 13-14): o sacerdote, depois de examinar a chaga na pele do doente, declarava-o impuro. Consequentemente, o leproso devia usar vestes rasgadas, manter a cabeça descoberta, cobrir a barba com um véu. Quando se movia, devia gritar: “Impuro! Impuro!”, e permanecer sozinho, habitando fora do vilarejo (cf. Lv 13,45-46). O leproso, portanto, era um vivo-morto, como alguém cujo pai lhe cuspiu na cara (cf. Nm 12,14)...

 

No Evangelho segundo Lucas, já lemos um encontro entre Jesus e um leproso: suplicado por este último, Jesus havia estendido a mão e tocado seu corpo ferido, curando-o (cf. Lc 5,12-16). Aqui, em vez disso, os leprosos são um pequeno grupo e, ficando longe, sem se aproximar dele, gritam-lhe: “Jesus, mestre, tem compaixão de nós!”.

 

É um grito simples e breve, que enfatiza a miséria desses homens. É um grito repetido muitas vezes nos Salmos, como invocação ao Senhor Deus. O Senhor, que é misericordioso e compassivo (cf. Ex 34,6), em seu poder, pode realizar aquilo que os leprosos só podem apenas desejar, mas não realizar. Essa invocação é como uma lança, uma jaculatória muito geral, não específica nos conteúdos, mas um eficaz lamento de quem sofre e pede ajuda, consolação.

 

Jesus vê esses leprosos com um olhar que discerne a todos eles e a cada um pessoalmente e, movido por compaixão, lhes dá uma ordem que pode parecer enigmática e até absurda: “Ide apresentar-vos aos sacerdotes”, aqueles que eram encarregados pela Lei de diagnosticar a lepra e de atestar a cura dela.

 

À primeira vista, portanto, dez leprosos não foram atendidos, pelo contrário, pareceria que Jesus os enviou de volta aos sacerdotes para manifestar sua própria incompetência. No entanto, eles obedecem a Jesus e fazem o que ele lhes pediu. De fato, ele não os manda embora, mas, acolhendo sua confiança inicial que os havia levado à invocação, convida-os a uma confiança que pode contar com sua palavra.

 

E eis que, “enquanto caminhavam, aconteceu que ficaram curados”: a lepra deles desapareceu, e eles se tornaram puros. Certamente, ao contar esse evento, Lucas lembra a cura da lepra de Naamã, o sírio, por parte de Eliseu: o profeta, permanecendo longe, ordena-lhe através de um mensageiro que vá se banhar no Jordão, e, depois de uma recusa inicial, ele consente e, assim, é curado (cf. 2Reis 5,1-14; Lc 4,27).

 

Aqui é a fé desses homens, sua adesão a Jesus, que causa a cura. Eles podiam se sentir desapontados com a palavra de Jesus, que não os toca, não faz nenhum gesto, não pronuncia nenhuma palavra de cura, mas os convida apenas a dar seguimento à sua confiança, até ir ao encontro dos sacerdotes que tinham a autoridade para declará-los curados.

 

A fé permanece verdadeiramente como um mistério, e nem sempre sabemos discerni-la no seu alcance, na sua qualidade, não sabemos julgá-la nem medi-la: nos outros, mas também em nós que, segundo o Apóstolo, como discípulos cristãos, deveríamos ter a coragem de nos examinar, fazendo-nos a pergunta: “Temos fé, sim ou não?” (cf. 2Cor 13,5).

 

Sim, a fé, essa adesão ao Senhor Jesus Cristo, que como dom é deposta em nós, mas que nós devemos conservar, exercitar, renovar, sustentar, confirmar, continua verdadeiramente um mistério. Porém – como Jesus declara no fim deste trecho – é a fé que nos salva, e sua afirmação: “A tua fé te salvou”, presente várias vezes nos Evangelhos (Lc 7,50; 17,19; 18,42 ; Mc 5,34 e par.; 10,52), deveria nos lembrar disso.

 

Como outras narrativas de milagres, este relato também poderia terminar aqui, mas continua. Entre aqueles dez leprosos curados da doença física, um era samaritano, ao contrário dos outros nove que eram judeus e, portanto membros do povo de Deus, santos por vocação (cf. Lv 11,44-45; 19,2 etc.). Os samaritanos eram considerados cismáticos e heréticos, seu culto era considerado ilegítimo, eram desprezados como grupo. Mas justamente um deles, listado entre “os de fora”, entre “os distantes”, logo que se vê curado, volta atrás e compreende que, tendo sido purificado pela sua fé em Jesus, deve testemunhar isso, deve lhe mostrar gratidão.

 

Ele reconhece o peso, a glória da presença de Deus em Jesus, grita-a em plena voz e se joga diante de Jesus com o rosto no chão, como diante do Senhor. Desse modo, mostra que a fé que o curou é também a que o salva. Esse leproso, samaritano, não continua mais o caminho para ir ao encontro dos sacerdotes, mas volta para Jesus, glorificando a Deus, porque compreendeu que não é no templo, mas sim em Jesus que está a presença de Deus e que dele pode receber não apenas a cura, mas também a salvação. De fato, Jesus lhe diz: “A tua fé te salvou”, não só curou!

 

Jesus mesmo constata depois com uma série de perguntas: “Não foram dez os curados? E os outros nove, onde estão? Não houve quem voltasse para dar glória a Deus, a não ser este estrangeiro?”. Ele está desapontado não porque os outros não voltaram para lhe agradecer, mas porque o caminho de fé deles parou na cura, sem acolher a salvação, isto é, a graça do Senhor: eles foram curados, mas não salvos.

 

Que essa diferença não pareça ociosa: curar no corpo certamente é uma vitória da vida sobre a doença e sobre a morte, e Deus se alegra com isso, mas isso não significa entrar na salvação, que é cura, restituição à integridade de toda a pessoa, na sua unidade de corpo, mente e espírito.

 

Nós, cristãos, devemos estar muito atentos e vigilantes diante de curas e milagres: eles ocorrem, na verdade até mesmo em contextos não cristãos, mas não são as curas e os milagres que dão a salvação, que transformam os doentes em filhos do Reino e, portanto, em discípulos de Jesus. A cura física não significa e não coincide com a cura total, integral, a da vida mais íntima, a vida espiritual que cada um de nós, com mais ou menos consciência, vive.

 

Certamente, o agradecimento, expressão de gratidão, que se mostra apenas em um dos leprosos curados, revela-nos a nossa comum ingratidão. De fato, é grato quem apaga o próprio narcisismo, quem sabe reconhecer que o bem vem dos outros, quem tem memória de ter sido objeto do olhar amoroso de um outro.

 

Também desta vez (cf. Lc 4,23-27; 7,1-10), quem tem acesso ao espaço dos filhos do Reino é um estrangeiro, um samaritano, alguém de fora do povo de Deus, do recinto ortodoxo. Neste relato, Jesus demole muitas certezas de nós, cristãos encastelados em igrejas ou comunidades. Fora, lá fora, também lá fora há um agir de Cristo Senhor que às vezes encontra mais recepção do que entre nós, que nos sentimos dentro. Deus não se deixa conhecer apenas nas instituições eclesiásticas ou cultuais, mas se faz conhecer também e sobretudo em Jesus: graças a ele, somente através dele é que se dá glória a Deus.

 

Especialmente hoje, muitos cristãos são seduzidos pela dimensão terapêutica que a fé pode conter e são atraídos por ela, mas não têm acesso a uma comunhão com o Senhor na ação de graças e na confissão do louvor, contentando-se com o resultado que pode ser sintetizado assim: “Estar bem consigo mesmo”. Nesse caso, a terapia e a cura também parecem obra própria e não dão lugar ao primado da graça, do amor eficaz de Deus que nos alcança para nos salvar inteiramente. Mas quem não chega a agradecer ao Senhor também não reconhece os dons recebidos, e seu caminho de cura não é de salvação integral. Sua vida não é salva!

 

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