O dom de Jesus é o Espírito Santo

03 Junho 2022

 

Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste Domingo de Pentecostes, 5 de junho de 2022 (João 20,19-23). A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Eis o texto.

 

Nós celebramos a festa de Pentecostes, o mistério da efusão do Espírito Santo, dom de Cristo ressuscitado à sua Igreja. É o dom pascal por excelência, é a plenitude do evento pascal, e por isso Lucas situa esse acontecimento no 50º dia depois da Páscoa, na festa das Semanas, a festa que recordava a plenitude da libertação do Egito do povo de Israel.

 

Israel havia sido libertado da escravidão, mas essa obra de libertação só se completou na hora da aliança, com o dom da Lei, na hora das bodas entre o Senhor Deus e o seu povo no Sinai.

 

Mas, também pela mesma razão, o Evangelho de João coloca o evento do Pentecostes como cumprimento do dia pascal, o dia que, para o quarto Evangelho, é o primeiro dia da nova criação, quando Jesus aparece no meio dos seus e sopra sobre eles o seu sopro, o Espírito Santo.

 

Portanto, neste dia, nós retornamos com consciência ao mistério da Páscoa, porque a descida do Espírito Santo sobre a Igreja é inseparável da ressurreição da morte de Jesus. Justamente na efusão do Espírito Santo por parte de Jesus aos seus discípulos está, de fato, o sentido e o termo de toda a missão que o Filho havia recebido do Pai.

 

A esse propósito, Lucas também recorda uma palavra de Jesus. Jesus, querendo recapitular a sua vinda a partir de Deus no meio de nós, toda a sua missão, exclamou: “Eu vim para lançar fogo sobre a terra: e como gostaria que já estivesse aceso!” (Lc 12,49). Eis o dia do acendimento desse fogo, da descida do Espírito Santo que faz dos discípulos uma coisa nova, os constitui como o próprio corpo de Cristo, faz dos discípulos o templo de Deus: não são mais discípulos no seguimento de um mestre, não são mais ouvintes de um profeta, são membros daquele corpo glorioso ressuscitado da morte que já está em Deus e está vivo para sempre.

 

É precisamente o Espírito Santo que está sempre em ação: graças ao Espírito Santo, o Filho pudera encarnar no ventre da virgem Maria, e agora é justamente o Espírito Santo que, no Pentecostes, molda mais uma vez o corpo de Cristo, descendo sobre os discípulos e tornando-os membros do corpo do Senhor.

 

Em Jesus, havia uma verdadeira ânsia para doar o Espírito Santo, havia uma verdadeira impaciência para poder atrair todos para si no Espírito Santo, para fazer deles o seu corpo, havia uma vontade precisa de cumprir toda a obra que lhe foi dada pelo Pai para consumar aquele encontro nupcial com a humanidade, tornando-a sua noiva e sua esposa.

 

Muitas vezes, penso nesse desejo de Jesus, um desejo que dominava a sua missão, e o comparo com a nossa pouca atenção ao Espírito Santo, a nossa rara invocação, a nossa astenia, a nossa fraqueza. Como é possível viver a nossa relação com o Senhor Jesus sem desejar ardentemente estar nele, ser membro do seu corpo?

 

Este é verdadeiramente o nosso pecado: queremos estar atrás do Senhor, queremos ser seus discípulos, mas não temos uma paixão a ponto de querer ser a carne do seu corpo, o corpo do Senhor na história. Por isso, nós não sabemos dizer com eficácia: Jesus, o Senhor; não sabemos dizer a ninguém: “Ho Kýrios estin”, “É o Senhor!” (Jo 21,7). Todas as vezes que ele está ao nosso lado, que está em nós e nos fala, sendo pobres do Espírito Santo, não conseguimos nem reconhecê-lo nem indicá-lo aos outros.

 

Nós escutamos a Carta aos Romanos que atesta que o Espírito habita em nós; o testemunho da descida do Espírito nos Atos dos Apóstolos; a missão do Espírito Santo segundo as palavras de Jesus no quarto Evangelho. São textos muito ricos, que já comentamos de vez em quando, para poder conhecer cada vez mais o mistério do Pentecostes.

 

Por isso, neste meu comentário, quero apenas me deter no relato lucano do Pentecostes, e nem sequer comentá-lo de modo preciso e analítico, mas simplesmente quero evidenciar duas expressões, duas palavras que estão no trecho da descida do Espírito nos Atos dos Apóstolos (2,1-11).

 

Em primeiro lugar, a anotação, que não quer ser apenas um esclarecimento da situação, uma colocação do evento do Pentecostes, mas, na realidade, uma anotação que qualifica a descida do Espírito: “Quando chegou o dia de Pentecostes, os discípulos estavam todos reunidos no mesmo lugar (epì tò autó)”.

   

É importante enfatizar o mesmo lugar para dizer a unidade, para dizer a presença da comunidade dos discípulos, mas o que é ainda mais importante é que essa expressão “no mesmo lugar, epì tò autó”, na realidade indica o fruto de uma ação por parte do Espírito de Deus que chama, reúne, atrai a partir daquela condição de dispersão e de medo em que se encontravam os discípulos nos dias posteriores à morte do Senhor.

 

Aqui, há um aspecto decisivo da comunidade cristã, reunida pelo Senhor. O fato de estar reunida é a realidade essencial para a comunidade cristã: os irmãos, as irmãs não estão no mesmo lugar em virtude de uma convergência uns em relação aos outros, não estão no mesmo lugar em virtude de sentimentos, de afinidades, de afetos, mas porque são reunidos pelo Senhor.

 

Se faltasse essa atração do Senhor, então seria melhor que a força centrífuga separasse dos outros aqueles que gostariam de permanecer unidos apenas por razões pessoais e humanas, não por obediência à força do Senhor. Aquela comunidade sobre a qual o Espírito Santo desce, era o resultado da reunião dos filhos de Deus dispersos, e Jesus havia dado a sua vida até a morte na cruz precisamente em vista dessa reunião: criar a comunidade dos filhos de Deus, atraí-los todos para si.

 

É por isso que aqueles que são “epì tò autó”, reunidos no mesmo lugar, o são pela eucaristia que torna visível o mistério de um corpo compaginado pelo Espírito Santo, o corpo de Cristo composto pelos fiéis nele e vivificado pelo Espírito. Portanto, comunhão do Espírito Santo.

 

A outra expressão à qual volto a minha atenção é a multiplicidade daquelas pequenas chamas de fogo que repousavam sobre cada um dos discípulos. Há um único sopro, um único Espírito, um único vento que desce sobre uma única assembleia, uma comunidade constituída por aqueles que estavam juntos no mesmo lugar; mas, quando os discípulos recebem o Espírito, cada um deles recebe uma língua de fogo, uma pequena chama, e cada pequena chama é diferente das outras.

 

Unidade de um corpo, mas ao mesmo tempo diversidade, originalidade e liberdade. Tensão de comunhão, mas máxima personalização do mistério de Cristo na vida de cada fiel. Todos batizados em um único Espírito para formar um único corpo, todos embebidos por um único Espírito, diz o apóstolo Paulo (cf. 1Cor 12,13), mas cada um com uma relação original com o Senhor por meio do Espírito Santo que personifica, distingue, nunca contristando a unidade.

 

Assim, cada um dos discípulos é convidado, contra toda tentativa de homologação, a ser, na liberdade, capaz de amar, a ser capaz de acolher na liberdade o amor do outro. É precisamente essa condição de liberdade que permite também a sinceridade, permite o conhecimento da atração do Senhor e não de outras atrações, que permite a comunidade daqueles que estão reunidos no mesmo lugar sob o poder do Espírito Santo.

 

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