Subsídio elaborado pelo grupo de biblistas da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana - ESTEF:
Dr. Bruno Glaab
Me. Carlos Rodrigo Dutra
Dr. Humberto Maiztegui
Me. Rita de Cácia Ló
Edição: Prof. Dr. Vanildo Luiz Zugno
Primeira Leitura: At 5,12-16
Segunda Leitura: Ap 1,9-11a.12-13.17-19
Salmo: 117,2-4.16ab-18.22-24
Evangelho: Jo 20,19-31
O texto do Quarto Evangelho, está situado no chamado “Livro da Hora” do Evangelho de João (cap. 13-20), que apresenta a primeira “conclusão” ou “objetivo” de toda a obra em 20,30-31. O Quarto Evangelho seria resultado de um longo processo de compilação que poderia ter iniciado em 50 d.C. (antes dos Sinóticos, Mt, Mc e Lc) e até das Cartas Paulinas. Esta comunidade teria nascido com João Batista e desenvolvido uma cristologia peculiar que lhe afastava tanto do docetismo que defendia que a humanidade de Jesus Cristo era apenas aparente, sendo completamente divino. Mas o quarto evangelho também se diferenciados chamados “revisionistas” para quem todo o sentido da revelação estava em Jesus “vindo na carne”.
Ambas opções – docetismo e revisionismo - eram inaceitáveis para o judaísmo sacerdotal. A primeira porque havia um único Deus e Pai, conforme o Shemáh Israel (Dt 6,4); e a segunda porque um mero ser humano não poderia perdoar os pecados (Mc 2,7). O objetivo de buscar a convergência que promove a vida para o mundo, está bem presente no texto deste domingo, com a comunidade que se encontra com o Cristo Ressuscitado (recebendo a missão de perdoar os pecados pelo poder do Espírito Santo, v.19-23); reconstruindo sua unidade a partir da dúvida (v.24-29) e expressando o sentido dos sinais (semeion) resgatados no livro, para que todas pessoas possam crer e ter vida (v.30-31).
Cothenet usa a chave “dentro-fora” para ler os capítulos 18 e 19 (p.26). Mas essa mesma chave também ajuda a encontrar um fio condutor no capítulo 20. No texto deste domingo os discípulos estão dentro, fechados e trancados, por “medo dos judeus” (autoridades religiosas de Jerusalém). Jesus vem de fora para dentro e se encontra com a comunidade, empoderando-a e enviando-a (v.19-23). Tomé, que está fora, duvida, e quer as mãos e dedos dentro das feridas de Jesus para comprovar sua corporeidade material (v.24-25). Finalmente Jesus aparece dentro da comunidade (fechada dentro de si), ainda com medo, e autoriza Tomé a colocar as mãos dentro de suas feridas, mas ele acredita sem precisar tocar dentro de Jesus, gerando a bem-aventurança para todas as pessoas que creem.
Jesus, após o primeiro movimento para fora, de saída do túmulo, sempre vem de fora para dentro, quebrando a barreira do medo. O medo, que tranca a comunidade dentro, se refere aos poderes políticos repressores. Mas, também, em Tomé há o medo individualista que faz com que a pessoa se feche dentro de si mesma.
O medo se supera com a Paz. Mas qual Paz? A expressão hevenu shalom (“a paz seja com vocês”, v.19b,21a) era uma saudação coloquial tanto em hebraico quanto em aramaico. Mas este Evangelho, dedicado também ao mundo grego (“eirene ümin”) se referia à paz interior ameaçada pelo medo individualista. O medo deve ser superado pelos encontros, pela abertura, por uma igreja que sai de seu isolamento: “assim como o Pai em enviou, eu lhes envio”, v.21).
A superação comunitária da dúvida mostra Tomé não como uma pessoa “teimosa” ou “rebelde”, mas alguém cuja atitude mostra quão difícil é, para que não participa da comunidade, crer na presença viva do Ressuscitado. Quando Tomé vem para dentro, ao encontro com o Ressuscitado, tudo muda. Tomé pode apenas crer, e ao crer abre as portas para todas as outras pessoas que estão fora, vir para dentro e crer (v.29).
O sentido que o Ressuscitado dá a proclamação remete aos sinais (semeion) que foram sete (contidos no chamado “Livro dos Sinais” nos primeiros 12 capítulos). Essas manifestações de Jesus (sinais) feitas fora, são resgatadas nesta conclusão para que a comunidade que crê dentro as proclame fora (v.30-31). Portanto, o sentido deste “livro” (Evangelho) é capacitar a comunidade para ser sinal e fazer com que creiam (dentro) e fora possam ter vida em seu nome.
Neste Domingos de Páscoa, a primeira leitura é do Livro de Atos, e logo no primeiro versículo da leitura diz: “Pelas mãos dos apóstolos muitos sinais e prodígios foram feitos entre o povo” (At 5,12). O sentido da missão apostólica é ser sinal entre o povo. Já, no Livro de Apocalipse, escrito no meio da perseguição que antecedeu o Quarto Evangelho, se afirma: “Não tenhas medo” (Ap 1,17b). A missão, o envio do Ressuscitado, é superar o medo, ser igreja de e em saída e ser sinal, levando vida a todas as pessoas.