Voltar a correr

Pintura de Maria Madalena. Foto: Thomas Hawk, Flickr - creative commons

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21 Abril 2022

 

"Pedimos nesta Páscoa que o Senhor nos coloque novamente em caminho, aliás, que nos faça voltar a correr. Se chegamos a esta Páscoa com todo o cansaço dos anos difíceis que nos viram encerrados dentro das casas, perdidos e impotentes diante do mal, da violência e da guerra, agora podemos voltar a correr. A vida não acabou, está sempre no começo", escreve Antonio Torresin, pároco da Igreja de San Vito al Giambellino, em Milão, em artigo publicado por Settimana News, 17-04-2022. A tradução de Luisa Rabolini.

 

Eis o artigo.

 

Antes do sol nascer, algo já está se movendo, de fato, aliás, há gente que corre. As mulheres correm para trazer os unguentos, corre Maria de Magdala, correm também Pedro e o discípulo amado a quem Maria chama; todo mundo está correndo, mas onde eles estão indo com tanta pressa?

 

Justamente eles, que antes estavam observando de longe – como as mulheres – ou haviam fugido – como os discípulos, agora correm. Qual é a pressa? O que os tirou do seu torpor?

 

Eles correm enquanto ainda está escuro, a luz ainda não nasceu no horizonte; parecem querer "despertar a aurora" como diz o salmo. Belo paradoxo: deveria ser o sol que nos desperta! Ainda assim, nada teria acontecido se eles não tivessem se mexido para ir ao encontro da luz. Só quem procura pode encontrar, e só quem corre ao seu encontro recebe o anúncio da ressurreição.

 

Maria Madalena e Jesus (churchofjesuschrist.org)

 

Mas o que leva essas mulheres (porque são elas as primeiras) a desafiar a noite? Não está tudo acabado? Não está certo quem pensa que agora não há mais nada a fazer, que afinal um cadáver não pode fugir e, portanto, não há pressa se for apenas uma questão de elaborar um luto e uma perda definitiva?

 

Nesta urgência que move as mulheres, que impele Maria a correr, talvez exista um presságio? Uma intuição típica de quem ama e não desiste da perda do amado? Uma intuição de amor sem conteúdo: não sabem o que esperar, o que encontrarão, mas procuram e esperam porque o seu coração não para de bater, porque o amor não se extinguiu completamente.

 

Elas correm para não perder o contato com aquele corpo - onde o colocaram? - com aquela história de amor, porque sem aquele corpo não podem viver, não poderiam continuar em frente.

 

O túmulo vazio

 

A surpresa inesperada é que encontram um túmulo vazio esperando por elas. Aquele corpo que procuravam não está mais lá, e em seu lugar um vazio que a princípio assusta as mulheres, deixa Maria desorientada. O que significa? No início apenas isto: aconteceu mesmo, levaram o seu Senhor, o seu amado.

 

E o primeiro ato de fé consiste em permanecer diante daquele vazio, entrar - como fazem Pedro e o discípulo amado, mesmo sem entender – tomar conhecimento, aceitar uma perda. Maria o faz com o coração tomado de amargura: fica diante do túmulo vazio, não aceita ir embora, não consegue se afastar daquele vazio.

 

É difícil ficar diante do túmulo vazio. Para Maria o olhar é velado pelas lágrimas: ela só vê a sua dor, mas terá que atravessar aquele lago de lágrimas como se atravessa o mar para entrar na terra prometida, como se atravessa a morte para entrar na vida. Terá de ver melhor porque no início não reconhece no jardineiro senão um estranho: mas o Senhor sempre se aproxima sem ser conhecido, como um estranho. E como o povo no deserto, diante daquele vazio, as mulheres são dominadas pelo medo.

 

Por isso, o anúncio da Páscoa é precedido por uma palavra que convida à coragem: “não tenhais medo”, diz o anjo às mulheres.

 

Atravessar o medo, aguentar o vazio, ver além das lágrimas, além da dor: para que aquele vazio possa falar, possa lhes dirigir uma inesperada e surpreendente palavra de esperança. Da sepultura um bom anúncio, um Evangelho. E eis que justamente daquele túmulo que chega às mulheres uma palavra, um Evangelho, um anúncio.

 

Essa palavra pascal tem a ver com um passado e um futuro: dá um novo sentido àquela história que parecia ter acabado e que, ao contrário, as aguarda diante delas, as aguarda em um futuro que se abre.

 

Assim é para as mulheres no sepulcro: a pedra é removida, um anjo - um mensageiro que lhes traz um anúncio, um Evangelho - dirige-lhes estas palavras: “sei que procurais Jesus, que foi crucificado. Ele não está aqui, ressuscitou dos mortos e vai a vossa frente para a Galileia”.

 

Procurais Jesus, aquele Mestre que vos amou, que encontraste nas estradas da Galileia e que morreu. Não vos parece possível que aquele homem tão único que vos curou, vos deu tanta vida, seja agora aquele crucifixo derrotado sobre o qual a violência parece ter prevalecido. Não está aqui. Ele não é prisioneiro da morte, porque seu fim não foi a negação de sua vida, mas o dom total daquele amor com o qual tudo começou.

 

E um amor tão completo não termina, não pode ser retido pela morte. Ele vos espera por na Galileia: deveis voltar para onde tudo começou, deveis retomar os primeiros passos de vossa história com ele, deveis entender de novo o que aconteceu e que não é falso. Podereis encontrá-lo na memória de suas palavras e obras, aquelas que, enquanto aconteciam, não conseguíeis entender completamente, mas que agora podeis reencontrar e reviver, porque o Senhor está vivo e vos ainda vivereis com ele para sempre.

 

Também para Maria de Magdala, o passado deve ser reconectado com o futuro. Ela se sente chamada pelo nome, como da primeira vez, como ninguém a havia chamado com aquela voz, com aquele amor. O início do encontro com o Ressuscitado está escrito na memória viva da sua voz, daquela primeira palavra que deu início a tudo.

 

Uma memória viva que desperta o amor, que permite atravessar o lago de lágrimas, sair da dor e ver de uma nova forma. Assim reconhece naquele estranho seu Mestre - Rabi - seu amado.

 

Voltar a correr

 

Assim as mulheres correm para a Galileia, com os discípulos, e Maria corre para seus irmãos para levar o anúncio de uma nova vida. Voltar a correr, com um novo coração, com uma nova esperança. Aqueles discípulos, destroçados pelo cansaço, abatidos no sono na noite da provação, fugiram com medo, agora voltam a correr.

 

Aquelas mulheres desorientadas que seguiam o crucifixo de longe, voltam a correr. Maria de Magdala, que parecia petrificada diante do túmulo, incapaz de se mover, paralisada pela perda de seu Senhor, volta a correr.

 

Pedimos nesta Páscoa que o Senhor nos coloque novamente em caminho, aliás, que nos faça voltar a correr. Se chegamos a esta Páscoa com todo o cansaço dos anos difíceis que nos viram encerrados dentro das casas, perdidos e impotentes diante do mal, da violência e da guerra, agora podemos voltar a correr. A vida não acabou, está sempre no começo.

 

A memória do Senhor, das suas palavras e obras, a voz amorosa com que nos chamou da primeira vez, não é falsa: espera-nos à frente, espera-nos num futuro que não conhecemos, mas que é certo e mais forte do que a morte. Podemos correr para o futuro na certeza de que nos espera o Ressuscitado, a vida nova, os irmãos e irmãs que o Senhor sempre reúne de todos os lugares onde estamos dispersos.

 

Voltar a correr, voltar a amar, voltar a ter esperança, porque o Senhor venceu a morte. O futuro não é mais assustador.

 

 

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