02 Outubro 2020
Publicamos aqui o comentário de Enzo Bianchi, monge italiano fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste 27º Domingo do Tempo Comum, 4 de outubro de 2020 (Mateus 21,33-43). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Estamos ainda no Templo de Jerusalém, onde Jesus dirige aos sumos sacerdotes e aos anciãos do povo uma segunda parábola, depois daquela sobre os dois filhos, ouvida no domingo passado.
Um proprietário “plantou uma vinha, pôs uma cerca em volta, fez nela um lagar para esmagar as uvas e construiu uma torre de guarda” (cf. Is 5,2). São palavras extraídas do “cântico da vinha” do profeta Isaías, bem conhecido pelos ouvintes de Jesus: essa página expressa de modo admirável a história do amor de Deus pela sua vinha, isto é, o povo de Israel (cf. Is 5,7; Sl 80), mas também a Igreja e toda a humanidade.
É o Senhor quem cria, conserva e preenche de dons a sua vinha, instaura com ela aquela relação que é fonte de fecundidade: porém, é preciso que as pessoas acolham esse amor, porque Deus precisa de parceiros que acreditem no seu amor e lhe respondam com um amor capaz de dar frutos abundantes.
Depois de iniciar a obra, o proprietário confia a vinha a agricultores e parte em viagem. No momento da colheita, ele enviar alguns servos para retirarem as uvas, mas eis que ocorre o impensável: “Os vinhateiros, porém, agarraram os empregados, espancaram a um, mataram a outro, e ao terceiro apedrejaram; e o mesmo ocorre uma segunda vez, quando o proprietário manda servos mais numerosos do que os anteriores.
Quanto mais ele cuida da sua vinha, mais cresce a hostilidade daqueles que deveriam simplesmente colaborar com ele na colheita dos frutos. Mas o proprietário não desanima, mas continua perseverando em uma lógica de louca gratuidade, até enviar o seu próprio filho, dizendo: “Ao meu filho eles vão respeitar!”.
Ao verem este último, o ódio dos vinhateiros atinge o seu ápice. Eles primeiro conspiram contra ele, certos de que, assim que o herdeiro for eliminado, a herança passará para eles. Depois, passam para a ação: “Agarraram o filho, jogaram-no para fora da vinha e o mataram”.
Essa afirmação é fundamental para decodificar a parábola e, consequentemente, iluminar a autoconsciência de Jesus: ele é o Filho que será crucificado fora dos muros de Jerusalém (cf. Mt 27,31-33); é ele quem “padeceu fora da porta da cidade” (Hb 13,12). E, então, fica claro que os servos enviados anteriormente são os profetas, doados com carinho por Deus e, mesmo assim, sempre hostilizados pelo povo, particularmente pelos seus guias religiosos: basta pensar nas perseguições sofridas por Jeremias por obra dos sacerdotes do templo...
Jesus tem diante de si precisamente alguns líderes religiosos, mas significativamente não emite nenhum julgamento; limita-se a fazer uma pergunta, deixando-se que eles mesmos tomem consciência da sua situação: “Quando o dono da vinha voltar, o que fará com esses vinhateiros?”. Eles respondem sem hesitar: “Com certeza mandará matar de modo violento esses perversos e arrendará a vinha a outros vinhateiros, que lhe entregarão os frutos no tempo certo”. Eles pensam provavelmente que o duro veredito não os atinge diretamente, mas diz respeito a outros...
É por isso que Jesus novamente os remete à autoridade das Escrituras: “Vós nunca lestes nas Escrituras: ‘A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular; isto foi feito pelo Senhor e é maravilhoso aos nossos olhos’?” (Sl 118,22-23).
Certamente, eles haviam lido o Salmo, assim como conheciam a passagem de Isaías, mas não haviam compreendido a Palavra contida nas Escrituras em profundidade: eles não podiam aceitar a lógica paradoxal de Deus, as suas maravilhas operadas por ele através daquilo que é desprezado pelas pessoas (cf. 1Cor 1,18), a sua salvação do mundo através do escândalo de um Messias impotente e crucificado (cf. 1Cor 1,17-25)!
Nesse ponto, finalmente, os interlocutores de Jesus entendem que ele está falando deles e tentam capturá-lo (cf. Mt 21,45-46): desta vez, não conseguem, mas para Jesus o fim se aproxima...
Antes de concluir esse difícil diálogo, Jesus afirma: “O Reino de Deus vos será tirado e será entregue a um povo que produzirá frutos”. Essas palavras não dizem respeito apenas aos seus interlocutores históricos, mas são dirigidas também a nós, sempre tentados a pensar que o julgamento não nos afeta, nem pessoalmente, nem como Igreja. Elas solicitam a nossa responsabilidade de deixar Deus reine sobre nós.
Como? Fazendo de Jesus a Rocha sobre a qual devemos fundamentar a nossa vida (cf. 1Pd 2,4-5), não “uma pedra de tropeço, de escândalo” (cf. 1Pd 2,8). Isto é, confiando na sua promessa: “Bem-aventurado quem não se escandaliza por causa de mim” (Mt 11,6).
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