20 Março 2020
Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste 4º Domingo da Quaresma, 22 de março de 2020 (João 9,1-41). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No caminho que a Igreja nos convida a fazer rumo à Páscoa, depois do tema da água – água de vida que Jesus Cristo dá a quem nele crê –, eis o tema da luz ou, melhor, da iluminação, ação realizada por Jesus para que nós vejamos e sejamos arrancados das trevas.
O trecho do Evangelho é um longo relato, construído de maneira maravilhosa, um dos mais preciosos do Quarto Evangelho, verdadeira obra-prima da arte dramática. Em Jerusalém, onde está sendo celebrada a festa das tendas (Sucot), festa da luz na qual a esplanada do templo era inteiramente iluminada, Jesus declara: “Eu sou a luz do mundo!” (8,12) e imediatamente depois faz um sinal, revela como essa luz ilumina.
Jesus e seus discípulos passam ao lado de um cego: o Evangelho lê o olhar que todos os presentes dirigem para aquele homem gravemente ferido nas suas faculdades desde o nascimento. Entre os envolvidos, encontramos acima de tudo os discípulos, que fazem a Jesus uma pergunta semelhante àquela que nós também faríamos espontaneamente. Diante do mal, nós sentimos a necessidade de uma explicação, queremos encontrar o culpado, talvez apelando a uma antiga visão teológica que vê uma ligação direta entre pecado e doença: “Quem pecou para que nascesse cego: ele ou os seus pais?”. Talvez não está escrito: “Eu, o Senhor, sou um Deus ciumento: quando me odeiam, castigo a culpa dos pais nos filhos, netos e bisnetos” (Ex 20,5)?
Mas Jesus rejeita categoricamente essa explicação e responde à pergunta anunciando aquilo que está prestes a fazer: ele quer manifestar a ação de Deus, o amor de Deus! Jesus rejeita as explicações habituais, mesmo que piedosas e devotas, sequer propõe outras justificativas para o mal, mas se compromete a combater, a destruir o mal, a se solidarizar com quem sofre.
Esse é o único comportamento de Deus, esse é o comportamento que o ser humano deve adotar. Diante do mesmo cego, duas óticas diferentes: um olhar culpabilizante dos discípulos, um olhar de compaixão e de solidariedade por parte de Jesus.
E eis Jesus em ação: fez lama com a sua saliva, espalhou-a nos olhos do cego com um gesto terapêutico que lembra o gesto de Deus quando criou Adão (cf. Gn 2,7) e depois pediu que o cego se dirigisse à piscina de Siloé – ou seja, à piscina do “Enviado” – para se lavar.
Jesus, que precisamente no Quarto Evangelho é chamado várias vezes de Enviado de Deus, manda o cego se lavar na água do Enviado: assim faz o cego, e se cura.
Nesse ponto, continua a “visão” diferente das testemunhas do fato. Jesus saiu de cena, mas começa o processo contra ele, um processo à revelia, poderíamos dizer, realizado através do cego curado. Acima de tudo, os vizinhos se perguntam se o curado que vê realmente é a mesma pessoa que estava cega ou apenas alguém que se assemelhava a ele. Depois, chegam os fariseus que se informam sobre a modalidade da cura realizada por Jesus e a contestam: por que ele agiu em dia de sábado com uma ação médica, proibida naquele dia?
Enquanto isso, vêm os pais do cego de nascença, gente pobre, que dizem e não dizem, temerosos como são da autoridade religiosa adversária a Jesus.
E assim os fariseus, com o seu saber teológico e a sua autoridade religiosa, autossuficientes e autorreferenciais como todos os homens religiosos de todos os tempos, não pensam em encontrar Jesus para interrogá-lo, mas emitem um julgamento sobre ele: “Nós sabemos que esse homem é um pecador” (v. 24).
Consuma-se, assim, o processo à revelia em que aqueles que se fazem juízes da obra de Deus concluem com desprezo que tanto Jesus quanto o cego de nascença e que agora vê são pecadores. Na verdade, porém, o cego agora não apenas vê, mas também já contempla e discerne na fé quem é o Enviado de Deus, quem o salvou.
A conclusão do episódio do Evangelho nos mostra que aqueles que acreditavam que julgavam, na realidade, foram julgados por Jesus, que aqueles que viam e acreditavam que viam parecem cegos, que aqueles que indicavam os outros como pecadores são presas de um pecado profundo: a cegueira pecaminosa, a revolta dos corações endurecidos.
Perguntemo-nos também nós: quem é cego e quem vê? Na verdade, permanece cego quem endurece o próprio coração diante de Cristo, enquanto quem vê é quem discerne a própria cegueira e se abre para a ação curadora e iluminadora do Senhor Jesus.
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Quem é cego e quem vê? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU