20 Março 2020
Ao passar, Jesus viu um cego de nascença. Os discípulos perguntaram: «Mestre, quem foi que pecou, para que ele nascesse cego? Foi ele ou seus pais?». Jesus respondeu: «Não foi ele que pecou, nem seus pais, mas ele é cego para que nele se manifestem as obras de Deus. Nós temos que realizar as obras daquele que me enviou, enquanto é dia. Está chegando a noite, e ninguém poderá trabalhar. Enquanto estou no mundo, eu sou a luz do mundo». Dizendo isso, Jesus cuspiu no chão, fez barro com a saliva e com o barro ungiu os olhos do cego. E disse: «Vá se lavar na piscina de Siloé» (Esta palavra quer dizer «O Enviado»). O cego foi, lavou-se, e voltou enxergando.
Os vizinhos e os que costumavam ver o cego, pois ele era mendigo, perguntavam: «Não é ele que ficava sentado, pedindo esmola?». Uns diziam:
«É ele mesmo». Outros, porém, diziam: «Não é ele não, mas parece com ele». Ele, no entanto, dizia: «Sou eu mesmo». Então lhe perguntaram: «Como é que seus olhos se abriram?»; Ele respondeu: «O homem que se chama Jesus fez barro, ungiu meus olhos e me disse: ‘Vá se lavar em Siloé’. Eu fui, me lavei, e comecei a enxergar». Perguntaram-lhe: «Onde está esse homem?». Ele disse: «Não sei».
Então levaram aos fariseus aquele que tinha sido cego. Era sábado o dia em que Jesus fez o barro e abriu os olhos do cego. Então os fariseus lhe perguntaram como é que tinha recuperado a vista. Ele disse: «Alguém colocou barro nos meus olhos, eu me lavei, e estou enxergando». Então os fariseus disseram: «Esse homem não pode vir de Deus; ele não guarda o sábado». Outros diziam: «Mas como pode um pecador realizar esses sinais?». E havia divisão entre eles. Perguntaram outra vez ao que tinha sido cego: «O que você diz do homem que abriu seus olhos?». Ele respondeu: «É um profeta».
As autoridades dos judeus não acreditaram que ele tinha sido cego e que tinha recuperado a vista. Até que chamaram os pais dele e perguntaram: «Este é o filho que vocês dizem ter nascido cego? Como é que ele agora está enxergando?». Os pais disseram: «Sabemos que é o nosso filho e que nasceu cego. Como é que ele agora está enxergando, isso não sabemos. Também não sabemos quem foi que abriu os olhos dele. Perguntem a ele. É maior de idade e pode dar explicação». Os pais do cego disseram isso porque tinham medo das autoridades dos judeus, que haviam combinado expulsar da sinagoga quem confessasse que Jesus era o Messias. Foi por isso que os pais disseram: «É maior de idade; perguntem a ele».
Então as autoridades dos judeus chamaram de novo o homem que tinha sido cego e lhe disseram: «Confesse a verdade. Nós sabemos que esse homem é um pecador». Ele respondeu: «Se ele é pecador, isso eu não sei; só sei que eu era cego e agora estou enxergando». Eles insistiram: «Que é que ele fez? Como foi que abriu seus olhos?». Ele respondeu: «Eu já lhes disse, e vocês não me escutaram. Por que vocês querem ouvir de novo? Será que também vocês querem se tornar discípulos dele?». Então insultaram o cego curado e disseram: «Você é que é discípulo dele. Nós, porém, somos discípulos de Moisés. Sabemos que Deus falou a Moisés, mas quanto a esse homem, nem sabemos de onde ele é». Ele respondeu: «Isso é de admirar! Vocês não sabem de onde ele é. No entanto, ele abriu meus olhos. Sabemos que Deus não ouve os pecadores, mas ouve aquele que o respeita e faz a sua vontade. Nunca se ouviu falar que alguém tenha aberto os olhos de um cego de nascença. Se esse homem não vem de Deus, não poderia fazer nada». Eles disseram: «Você nasceu inteirinho no pecado e quer nos ensinar?». E o expulsaram.
Jesus, ouvindo dizer que tinham expulsado aquele que fora cego, foi à procura dele e perguntou-lhe: «Você acredita no Filho do Homem?». Ele respondeu: «Quem é ele, Senhor, para que eu acredite nele?». Jesus disse: «Você o está vendo; é aquele que está falando com você». O cego que tinha sido curado disse: «Eu acredito, Senhor». E se ajoelhou diante de Jesus. Então Jesus disse: «Eu vim a este mundo para um julgamento, a fim de que os que não veem vejam, e os que veem se tornem cegos». Alguns fariseus que estavam perto dele ouviram isso e disseram: «Será que também somos cegos?». Jesus respondeu: «Se vocês fossem cegos, não teriam nenhum pecado. Mas como vocês dizem: ‘Nós vemos’, o pecado de vocês permanece».
Leitura do Evangelho de João 9,1-41. (Correspondente ao 4º Domingo de Quaresma, ciclo A do Ano Litúrgico).
O comentário é de Ana Maria Casarotti, Missionária de Cristo Ressuscitado.
Neste domingo continuamos caminhando com Jesus rumo a Jerusalém, à festa da Páscoa. A narrativa que lemos é o relato do cego de nascença que recobra a visão, um milagre seguido de uma controvérsia entre o cego que “agora está enxergando” e as autoridades dos judeus que não podem aceitar “que seus olhos se abriram”. A resposta do homem às perguntas das autoridades judaicas repousa exclusivamente sobre o que aconteceu nele: “só sei que eu era cego e agora estou enxergando”.
Este texto do evangelho é a continuação da cena na qual Jesus é quase apedrejado pelos judeus porque ele afirma que existe antes que Abraão (Jo 8, 58-59). A hostilidade entre Jesus e os judeus é clara no evangelho de João. Isto responde ao contexto que vivia a comunidade joânica quando o evangelho foi escrito.
A expulsão das sinagogas dos judeus convertidos ao cristianismo ocorreu antes de o evangelho ser escrito. Mas os cristãos joaninos ainda eram perseguidos e até condenados à morte pelos “judeus”. Este era o ambiente no qual crescia a fé na comunidade joânica.
A narrativa do capítulo 9 integra a série de sete “sinais” de Jesus descritos no evangelho de João. Lembremos que os sinais não só mostram as ações admiráveis de Jesus, seus milagres, mas visualizam simbolicamente o que Jesus significa: o alimento que dá vida, a luz do mundo, a ressurreição e a vida.
“Ao passar, Jesus viu um cego de nascença“. O texto começa com o olhar de Jesus, que se dirige a uma pessoa cega. Os discípulos percebem o olhar de Jesus e lhe perguntam: «Mestre, quem foi que pecou, para que ele nascesse cego? Foi ele ou seus pais?». Eles só veem no cego sua cegueira como consequência do pecado porque não há sofrimento sem culpabilidade. Também os fariseus expressaram esta conceição dominante de que a pobreza e a doença são um castigo pelo pecado: «Você nasceu inteirinho no pecado e quer nos ensinar?».
Nos perguntamos: O que é que Jesus vê nesse homem? Como é o olhar de Jesus a esse homem? Em Jesus há um olhar diferente, ele vê além do pecado e enxerga nesse cego o desejo de Deus, que, presente nele, quer dar-lhe uma nova vida. Por isso Jesus responde aos discípulos: «Não foi ele que pecou, nem seus pais, mas ele é cego para que nele se manifestem as obras de Deus». Inculpar aos que sofrem da doença é afundá-los nela. Isso também impede encontrar que os meios apropriados sejam tomados nessas situações.
Perguntemos o que vê Jesus quando passa ao nosso redor? Deixamos que ele pare diante de cada um de nós e nos olhe tranquilamente? Diante do cego: “Jesus cuspiu no chão, fez barro com a saliva e com o barro ungiu os olhos do cego”.
O cego acreditou, deixou que Jesus colocasse barro em seus olhos e foi obediente a suas palavras: “’Vá se lavar na piscina de Siloé’ (Esta palavra quer dizer «O Enviado»). O cego foi, lavou-se, e voltou enxergando”.
Agora bem esta nova vida que o ex-cego inicia se desenvolve no meio das tensões que descrevíamos no início. Por meio do mendigo cego, a comunidade que escreve o evangelho espelha as dificuldades que sofre para viver fiel a Jesus e a seus ensinamentos.
É por isso que depois da cura o evangelho nos oferece o longo processo que o mendigo faz, tendo que enfrentar a não compreensão do povo em geral, a rejeição das autoridades religiosas e até o abandono de seus pais, permanecendo sempre fiel a “aquele” que: “colocou barro nos meus olhos, eu me lavei, e estou enxergando”.
As sucessivas respostas que ele oferece no diálogo inquisidor ao qual é submetido mostram que ele ainda não conhece plenamente a aquele que o curou, só sabe de sua existência e do que obrou nele. Como esquecer que antes estava na escuridão e agora vivia na Luz! A alegria dessa mudança ninguém lhe podia tirar. O ex-cego sofre a expulsão da sinagoga como tantos judeus cristãos da comunidade joânica sofreram.
O evangelho mostra como Jesus conhecia e acompanhava o cego, assim como a cada um/as de seus amigos/as, e por isso quando fica sabendo que ele é expulso da sinagoga, não o abandona; ao contrário, vai de novo ao seu encontro.
E é nesse novo diálogo de Jesus com o ex-cego que ele termina reconhecendo em Jesus o filho de Deus, ao qual adora: “E se ajoelhou diante de Jesus”.
A fé do mendigo cego deste evangelho desafia a nossa. Somos capazes de reconhecer a presença de Jesus nos acontecimentos de nossa vida? Em cada situação que passamos da escuridão à luz, da dificuldade à paz, da tristeza à alegria, vemos a Jesus?
Pensemos especialmente neste momento difícil que todos os países e sociedades do mundo estamos atravessando.
Olha-me tu, Jesus de Nazaré
que eu sinta pousar-se sobre mim
teu olhar livre,
sem escravidão de sinagoga,
sem exigência que me ignorem,
sem a distância que congela,
sem a cobiça que me compre.
Que teu olhar se pouse
em meus sentidos,
e se filtre até os desvãos
inacessíveis onde te espera
meu eu desconhecido
semeado por ti desde meu início
e germine meu futuro
rompendo em silêncio
com o verde de suas folhas
a terra machucada que me sepulta
e que me nutre.
Deixa-me entrar dentro de ti,
para olhar-me desde ti,
e sentir que se dissolvem
tantos olhares
próprios e alheios
que me deformam e me rompem.
Benjamim Gonzalez Buelta
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