08 Setembro 2018
Jesus saiu de novo da região de Tiro, passou por Sidônia e continuou até o mar da Galileia, atravessando a região da Decápole. Levaram então a Jesus um homem surdo e que falava com dificuldade, e pediram que Jesus pusesse a mão sobre ele. Jesus se afastou com o homem para longe da multidão; em seguida pôs os dedos no ouvido do homem, cuspiu e com a sua saliva tocou a língua dele. Depois olhou para o céu, suspirou e disse: «Efatá!», que quer dizer: «Abra-se!»
Imediatamente os ouvidos do homem se abriram, sua língua se soltou e ele começou a falar sem dificuldade. Jesus recomendou com insistência que não contassem nada a ninguém. No entanto, quanto mais ele recomendava, mais eles pregavam. Estavam muito impressionados e diziam: «Jesus faz bem todas as coisas. Faz os surdos ouvir e os mudos falar.»
Leitura do Evangelho de Marcos 7,31-37 (Correspondente ao 23º domingo do tempo comum, do ciclo B do Ano Litúrgico).
O comentário é de Ana Maria Casarotti, Missionária de Cristo Ressuscitado.
Continuamos com a leitura do Evangelho de Marcos. Segundo a tradição e a estrutura do texto é bom lembrar que o Evangelho de Marcos foi o primeiro evangelho escrito. Era dirigido especialmente aos cristãos que moravam em Roma e que sofriam a perseguição levada adiante por Nero. Nesse momento era preciso esclarecer para a segunda geração dos cristãos quem era Jesus e o que significa ser seu discípulo e sua discípula.
Por isso o Evangelho procura confrontar os ouvintes e leitores com o surpreendente mistério da identidade de Jesus. Quem é Jesus e o que significa formar uma comunidade de discípulos e discípulas de Jesus? Que quer dizer seguir Jesus Ressuscitado presente no meio de nós?
Neste trecho do Evangelho de Marcos que a Liturgia oferece para ler e meditar, Jesus está “em caminho”. Ele sai de Tiro, passa pela Sidônia com destino ao mar da Galileia. Nesse caminho ele atravessa a Decápole. Caminha por terras pagãs com outras religiões e diferentes costumes. Sua Boa Notícia é para todos e todas as pessoas que a procuram e desejam acolhê-la.
Sua Boa Nova não é propriedade de nenhum grupo humano. É uma mensagem de liberdade que oferece Vida e vida em abundância (João 10,10). Não há excluídos nem marginalizados, nem pessoas que vivam à margem do caminho porque não podem entrar na cidade pelo perigo do contágio. Levam para Jesus uma pessoa que tinha duas limitações: era surda e falava com dificuldade. Quase nem podia falar e menos ainda escutar.
Ouvir e falar são dois aspectos essenciais da comunicação entre as pessoas e com Deus. Em várias oportunidades no Antigo Testamento aparece a expressão: “escuta Israel” (Dt 6,4). Continuamente Deus procura do ser humano a capacidade de escutar uma Palavra que o vivifique. Assim ressaltam os anúncios proféticos como Isaías “Ouçam-me com atenção, e comerão bem e saborearão pratos suculentos, deem-me ouvidos, venham para mim, me escutem que vocês viverão” (Is 55,2b-3).
Os profetas denunciam a surdez voluntária quando o povo não quis escutar e fecha seus ouvidos e seu coração (Jer 6,10). Para que isto seja possível é preciso estar em atitude de abertura às palavras do Senhor, a sua Palavra de Vida.
A fala está intimamente relacionada com a escuta. Que os surdos possam ouvir e os mudos falar é um sinal do Reino Messiânico. "Então, os olhos dos cegos vão se abrir, e se abrirão também os ouvidos dos surdos; os aleijados saltarão como cervo, e a língua do mudo cantará, porque jorrarão águas no deserto e rios na terra seca" (Is 35,5-6).
O profeta representa aqui a vida nova que Deus vai oferecer a todo o povo e ele ressalta especialmente essa vida para aquelas pessoas que não tinham nenhuma esperança nesta terra pela sua condição física. O amor de Deus é gratuito sem limitações, sem excluir ninguém.
No texto aparece o homem que é surdo e que fala com dificuldade. Ele é levado até Jesus com o desejo que Jesus o cure colocando as mãos sobre ele. A narrativa oferece uma descrição muito clara da atitude de Jesus em referência ao homem. Ele o afasta da multidão. A cura não é um espetáculo! É uma manifestação de Deus na vida da pessoa e para isso é preciso estar num espaço que permita escutar outras vozes. Neste caso, é a voz de Jesus que vai falar para o homem.
A narrativa continua: “em seguida pôs os dedos no ouvido do homem, cuspiu e com a sua saliva tocou a língua dele”.
Nos capítulos anteriores o Evangelho descreve várias curas de Jesus a pessoas que padeciam distintas doenças e enfermidades. Pessoas como a sogra de Simão, que estava de cama, com febre, os doentes que eram possuídos pelo demônio, o leproso, o homem com a mão seca, o paralítico, a mulher que padecia hemorragias. Todas essas pessoas sofriam as doenças há muito tempo. Esta dor gerava limitações importantes na sua possibilidade de vida social, religiosa e eram continuamente marginalizados e desprezados. Lembremos que nessa época muitas doenças eram atribuídas a um castigo divino pelo pecado. Isso justificava ainda mais o isolamento e a segregação dessas pessoas. Por isso este grupo de pessoas procura Jesus quando sabe que está passando pelas suas terras. Jesus já era conhecido nesse lugar como alguém que liberta das doenças e do sofrimento que elas traziam.
No texto lido hoje há uma descrição da cena muito minuciosa. Consideremos com atenção os verbos que descrevem as ações que Jesus realiza.
O homem é levado até Jesus. Ele se afasta com o homem da multidão. Põe os dedos no ouvido do homem. Cospe e com sua saliva toca a língua dele. Olha para o céu. Suspira e diz: «Efatá!», que quer dizer: «Abra-se!».
Apesar de, em nossa cultura, colocar sua saliva pode ser pouco higiênico ou não muito saudável, nessa época a saliva tinha poder curativo. Com esta vasta descrição das ações de Jesus é possível entender que o evangelista procura apresentar as dificuldades que tinham as primeiras comunidades cristãs para entender e acolher a mensagem do Evangelho.
O Mistério de Jesus e sua identidade como Filho de Deus não é fácil de aceitar. Não é um simples conhecimento, não são palavras vazias, senão um estilo de vida, um mistério que vai se desvelando progressivamente para cada discípulo e discípula. Mais adiante o evangelho apresenta Jesus, que dialoga com os discípulos e diz-lhes: “Vocês têm olhos e não veem, têm ouvidos e não ouvem?”.
Para ver Jesus é preciso ter um olhar mais profundo e ter um ouvido que sabe escutar a Voz do Pastor que o chama. Seguindo as ações de Jesus somos convidados e convidadas a afastar-nos da multidão, ir a um lugar apartado onde seja possível purificar nosso olhar e sensibilizar nossos ouvidos para ver com um olhar diferente e escutar com ouvidos sensíveis a realidade que nos rodeia.
Somos capazes de escutar seu chamado que se apresenta de diferentes formas e em distintos momentos de nossa vida?
Como disse o Papa Francisco “todos os homens, todas as mulheres têm uma inquietação no coração, boa ou ruim, mas há uma inquietação”. Devemos ouvir “essa inquietação”. “Ter essa capacidade de “escuta: o que as pessoas sentem, o que sente o coração dessa gente, o que pensam…?” Disponível: “A Igreja deve ouvir as inquietações das pessoas”, diz Francisco
Peçamos ao Senhor termos a capacidade de escutar as inquietações das pessoas que não podem falar porque a opressão ou o medo as deixa mudas, sem possibilidade de diálogo. Que saibamos ver as realidades que estão ao nosso redor.
Senhor, Pai de grande bondade
alegra nossos corações
com o perfume de teu amor.
Faze brilhar os nosso olhos
com a luz que nos guia.
Encanta nossos ouvidos
com a melodia de tua Palavra,
e mantém-nos protegidos
pela fortaleza de tua Providência. Amém.
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“Seus ouvidos se abriram e sua língua se soltou” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU