08 Setembro 2018
«Justiça» e «Salvação»: palavras que caracterizam a mensagem dos profetas e salmistas sobre a grande obra de salvação que Deus realizou junto a seu povo. Binômio que cabe muito bem à missão de Jesus junto aos pobres e com respeito às numerosas curas que realizou. Os milagres de Jesus são sinais do amor de Deus para com a humanidade. Deus não quer o mal nem o sofrimento; ao contrário, Ele liberta o homem das suas enfermidades.
A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando o evangelho do 23º Domingo do Tempo comum, do Ciclo B (09 de setembro de 2018). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Referências bíblicas:
1ª leitura: «Então se abrirão os olhos dos cegos e se descerrarão os ouvidos dos surdos» (Isaías 35,4-7).
Salmo: Sl.145(146) - R/ Bendize, ó minha alma, ao Senhor. Bendirei ao Senhor por toda a vida!
2ª leitura: «Não escolheu Deus os pobres deste mundo para serem ricos na fé e herdeiros do Reino?» (Tiago 2,1-5).
Evangelho: «Ele tem feito bem todas as coisas: aos surdos faz ouvir e aos mudos falar» (Marcos 7,31-37).
Temos dificuldade em entender porque os textos evangélicos insistem tanto nas referências geográficas. Isto com certeza devia ser muito mais significativo para os primeiros cristãos do que para nós. A Decápole, em sua origem, era uma confederação de dez cidades, de cultura grega, situadas a sudeste do Lago de Tiberíades. Os judeus eram ali pouco numerosos. O que então Jesus foi fazer lá, se havia sido enviado «às ovelhas perdidas da casa de Israel», como disse à Cananeia que lhe pedira para curar a sua filha (Mt 15,24)? A passagem paralela a esta, em Marcos, encontra-se justamente antes deste texto que lemos hoje. Os evangelistas querem pois insistir nesta expedição de Jesus ao país pagão. As palavras e os atos de Jesus eram destinados a revelar aos judeus que os anúncios de seus profetas estavam sendo cumpridos, e que Deus tinha vindo visitar seu povo. De modo que, sendo "Filho de Davi", a obra de Jesus devia dizer respeito a Israel somente. Foi por isso, sem dúvida, que Jesus se afastou com o surdo-mudo «para fora da multidão», e que Marcos insiste no pedido para não divulgarem aquela cura. Por aí ficamos sabendo de algo importante: diante do sofrimento humano, sejam quais forem a cultura, o pertencimento, a religião da pessoa que sofre, Cristo não pode deixar de intervir. Ele avança os limites da sua missão. Não há mais regras, nem Lei e nem fronteiras. Deus é amor, somente amor. E o amor não se justifica nem tem de se justificar. Esta cura de um estrangeiro pode nos ajudar a descobrir a gratuidade das nossas existências.
Em geral, basta uma palavra de Jesus para que a cura se realize; cura que nem sempre é atribuída à sua ação, mas à fé do beneficiário. Não esqueçamos todos os «a tua fé te salvou» que encontramos nos textos. Vimos até uma cura ser obtida à distância, como foi o caso do servo do centurião, em Mateus 8,15 (e Lucas 7,6): Jesus sequer viu aquele homem. Hoje, levaram-lhe um surdo-mudo para que lhe impusesse as mãos; gesto frequente, cheio de significado. Primeiro, deu-se o contato; contato que é uma espécie de benção. O texto sugere que algo se passa de um para o outro. Tão eloquente quanto o gesto de pegar a mão da menina que havia morrido, para fazê-la levantar (Mateus 9,25), ou seja, uma ressurreição. Mas, ainda mais surpreendentes são as curas da mulher que tocara a orla do manto de Jesus sem que ele visse (Mateus 9,20), e a deste surdo-mudo da nossa leitura. Logo se pensa em magia. Já a imposição das mãos pode ser tomada erroneamente como um rito por si mesmo eficaz. Ora, este gesto é de fato uma linguagem; fala da conivência entre quem o produz e quem o recebe. Significa o dom que quem cura faz de sua própria força, de si mesmo. Temos aí uma das formas da linguagem do amor. Os gestos de Jesus para com o surdo-mudo podem ser tomados neste sentido. Ele se fez passar a si mesmo para o corpo daquele enfermo. Dali em diante este que era surdo ouvirá pelos ouvidos de Jesus e falará por sua boca.
Os milagres de Jesus são sinais: seu significado ultrapassa a sua materialidade. As doenças e enfermidades que eles curam são "teológicas". Quem será que tem ouvidos, mas não ouve; que tem boca, mas não fala; tem olhos, mas não vê? O ídolo, em primeiro lugar. Mas o que é o ídolo? É, em última instância, uma imagem idealizada de si mesmo. Mas se o ídolo ganha o rosto de quem o construiu e que lhe presta culto, acaba este por assemelhar-se à imagem daquele: também terá uma boca e não falará, ouvidos e não ouvirá (ver Salmos 115 e 135). E em que isto pode nos dizer respeito, se, em grande parte, não adoramos estátuas? Podemos muito bem sacrificar tudo à imagem mental que fazemos de nós mesmos; ao culto da nossa importância social, da nossa conta no banco, da nossa fama e notoriedade, da autoridade que podemos exercer sobre os subalternos... De tal forma que dinheiro, consumo e influência podem se tornar equivalentes aos ídolos, assim como as ideologias, ídolos sangrentos. Daí nos tornamos surdos aos gritos dos que sofrem, que passam fome, e de tantos homens, mulheres, crianças que são praticamente reduzidos à escravidão! E permanecemos mudos, ao invés de agirmos eficazmente em sua defesa. Será que não temos "outra coisa a fazer"? Jesus foi para a Decápole, praticamente no estrangeiro, a fim de curar um pagão de seu fechamento, o que o impedia de relacionar-se, de ouvir e conversar. E o que lhe disse ao curá-lo? "Abre-te!" Temos aí todo um programa!
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