"A atitude de Pedro, pontífice da Igreja nascente, contudo, é diferente da dos demais apóstolos e discípulos diante do relato das mulheres. Narra o evangelho de Lucas que 'Pedro, no entanto, levantou-se e correu ao túmulo. Olhou para dentro e viu apenas os lençóis. Então voltou para casa, admirado com o que havia acontecido' (Lc 24, 12). O comportamento de Pedro nos leva a pensar que a atitude do apóstolo é distinta da dos demais porque ele, diferentemente dos outros, sabe quem é Jesus".
O comentário é de Patricia Fachin, jornalista, graduada e mestre em Filosofia pela Unisinos.
"Mas eles acharam que tudo isso era desvario, e não acreditaram" (Lc 24, 11). A reação da maioria dos apóstolos de Jesus após ouvirem o anúncio da ressurreição pela voz das mulheres, relembrada na Vigília Pascal, é tão atualizada nos dias de hoje quanto o fato que a Igreja celebra na Páscoa. As causas desse comportamento quase imediato e impulsivo são múltiplas, e somente cada um de nós é capaz de dizer as razões que nos aproximam ou nos afastam de Jesus.
Um ponto interessante para iniciar essa investigação pessoal é apresentado em "Para encontrar Deus em todas as coisas", livro do jesuíta William A. Barry, ex-superior da Província da Nova Inglaterra da Companhia de Jesus, nos EUA, publicado originalmente em 1991 e, em português, em 1997, pela Loyola.
Recordando a prática dos Exercícios Espirituais da Paixão do Senhor, conforme proposta por Santo Inácio, Barry menciona reações corriqueiras daqueles que se empenham na tarefa de contemplar os mistérios de Cristo:
"[…] há quem, a certa altura, fique zangado com Deus, zangado por Ele deixar o filho que chamou de bem-amado ter morte tão atroz, da mesma forma que Deus deixa um ente querido morrer horrivelmente. Outros ficam zangados com todos os horrores que Deus permite acontecer neste mundo, à medida que a contemplação da paixão de Cristo traz à mente essas imagens – imagens de tortura de inocentes, de campos de concentração e câmaras de gás, de crianças que passam fome, sofrem abusos e maus-tratos. Outros ainda concentram-se em todas as figuras da história da Paixão, exceto em Jesus. Ficam zangados com os apóstolos, desprezam pessoas como Judas, Herodes e Pilatos e consideram as multidões tão volúveis como qualquer multidão".
O relato evidencia porque, inúmeras vezes, nossas reações assemelham-se a dos apóstolos na manhã da ressurreição: concentram-se em tudo, "exceto em Jesus". Para o padre Barry, "inconscientemente", as pessoas "recusam-se a se concentrar em Jesus porque é demais suportar a dor dele ou, talvez, porque sua Paixão e morte força-os lembrar-se da própria mortalidade".
A atitude de Pedro, pontífice da Igreja nascente, contudo, é diferente da dos demais apóstolos e discípulos diante do relato das mulheres. Narra o evangelho de Lucas que "Pedro, no entanto, levantou-se e correu ao túmulo. Olhou para dentro e viu apenas os lençóis. Então voltou para casa, admirado com o que havia acontecido" (Lc 24, 12). O comportamento de Pedro nos leva a pensar que a atitude do apóstolo é distinta da dos demais porque ele, diferentemente dos outros, sabe quem é Jesus.
Capítulos antes, o evangelho nos narra o diálogo que Jesus tem com Pedro quando aproximava-se o momento de dirigir-se para o monte das Oliveiras:
"'Simão, Simão, eis que Satanás pediu insistentemente para vos peneirar como trigo; eu, porém, orei por ti, a fim de que tua fé não desfaleça. Quando, porém, te converteres, confirma teus irmãos'. Disse ele: 'Senhor, estou pronto a ir contigo à prisão e à morte'. Ele, porém, replicou: 'Pedro, eu te digo: o galo não cantará hoje sem que por três vezes tenhas negado conhecer-me'" (Lc 22, 31-34).
É interessante notar que nessa breve conversa, Pedro nem escuta o que Jesus diz, mas o mestre faz um anúncio em relação ao futuro do apóstolo, com o qual demonstra a capacidade de conhecer o que há no coração de cada um de nós: "Quando, porém, te converteres, confirma teus irmãos". Quer dizer que Pedro andava com Jesus, assim como os demais, mas não tinha se convertido integralmente. Não tinha mudado de mentalidade; ainda não reconhecia verdadeiramente a divindade de Jesus.
Mais adiante, o evangelho narra as três ocasiões em que Pedro é associado a Jesus e O nega. Enquanto Pedro tenta desvincular-se da relação com o nazareno, o evangelho descreve o drama do apóstolo diante do olhar de Jesus: "Imediatamente, enquanto ele ainda falava, o galo cantou, e o Senhor, voltando-se, fixou o olhar em Pedro. Pedro então lembrou-se da palavra que o Senhor lhe dissera: 'Antes que o galo cante hoje, tu me terás negado três vezes'. E saindo para fora, chorou amargamente"(Lc 22, 60-62). Nada nos é dito sobre o que aconteceu no coração de Pedro depois daquele pranto.
O não reconhecimento da divindade de Jesus também é observado no relato dos discípulos no caminho de Emaús. Eles referem-se a Jesus como "um profeta poderoso em obra e em palavra" (Lc 24, 19). É só na fração do pão, "quando seus olhos se abriram" (Lc 24, 31), que O reconheceram verdadeiramente. E posteriormente, quando reunidos com os demais apóstolos e discípulos, confirmaram que "o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!" (Lc 24, 34). Pedro estava pronto, então, para dar prosseguimento ao que Jesus havia lhe dito antes da Paixão: "Quando, porém, te converteres, confirma teus irmãos".
Que nesta Semana Santa possamos nos abrir à Igreja, acolher seu testemunho e nos deixarmos ser confirmados por Pedro, o escolhido por Cristo, para, com ele, os apóstolos e os discípulos, proclamar: "É verdade! O Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!" (Lc 24, 34).