19 Dezembro 2018
Realizada pelo ISER, em parceria com a Fundação Heinrich Boll e com o Instituto Clima e Sociedade, uma pesquisa investigou as candidaturas religiosas no Rio de Janeiro e em São Paulo nas últimas eleições. Nessa entrevista, a pesquisadora Christina Vital da Cunha comenta descobertas trazidas pelo estudo, que será lançado nos primeiros meses de 2019, entre elas o surpreendente recuo das candidaturas confessionais evangélicas nas últimas eleições enquanto se fortaleciam as candidaturas daqueles que Christina define como “ADE” – Aliados dos Evangélicos – como o governador eleito do Rio de Janeiro Wilson Witzel (PSC) e o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL). A pesquisadora também fala sobre o poder da nova bancada evangélica no governo Bolsonaro e sobre o projeto dos evangélicos de influenciar o Judiciário: “Não está no futuro, é algo que está acontecendo agora”.
A entrevista é de Andrea DiP, publicada por Agência Pública, 05-12-2018.
Eis a entrevista.
Quais são as principais mudanças que você observa nessa legislatura de 2018 com relação às candidaturas evangélicas e a eleição presidencial?
Houve nesse pleito uma estratégia bem significativa tanto no executivo quanto no legislativo com relação à apresentação de candidaturas que tinham uma base religiosa importante mas que não se apresentavam como candidatos confessionais – lembrando que candidatura confessional é aquela que se define, se apresenta e busca aumentar seu capital político pela apresentação do seu lugar na hierarquia de alguma instituição religiosa. Desde 1989 os evangélicos vinham aumentando sua confessionalidade na política e nessas eleições de 2018 a gente viu um reequilíbrio dessa estratégia. A gente teve um crescimento das candidaturas confessionais em 8,2% em relação a deputados federais, mas foi um crescimento infinitamente menor do que a gente teve de 2010 para 2014, quando aconteceu um aumento de 40% dessa confessionalidade, lembrando que em 2014 veio a primeira candidatura confessional à presidência da República com o Pastor Everaldo. Agora é uma estratégia diferente.
No Rio de Janeiro e em São Paulo, por exemplo, as candidaturas confessionais foram 46% entre as candidaturas religiosas – 122 entre 260 candidaturas – ou seja, a maioria dos candidatos com vinculação religiosa não apresentavam isso no seu registro no TSE. Outro elemento tem a ver com os partidos desses candidatos religiosos. A gente teve o PRB e o PSC – o PRB vinculado à Igreja Universal e o PSC muito vinculado à Assembleia de Deus – propondo candidaturas, mas houve também um grande número de candidaturas religiosas no PSOL e no PSL. E no PSL eles reforçam essa estratégia de não confessionalidade.
Por que você acha que acontece esse recuo na confessionalidade das candidaturas sendo que os evangélicos têm cada vez mais força?
Teve uma estratégia muito importante nessas eleições de trabalhar a identidade laboral, principalmente ligada ao âmbito da justiça e da segurança pública. Isso certamente vem da observação de que havia na sociedade uma demanda por segurança e também por conta do lugar especial que o Judiciário ocupou na mídia e na sociedade, principalmente com a operação Lava Jato. Essa escolha pela apresentação laboral reduziu a apresentação confessional. Algo do próprio jogo político. Por outro lado, houve um aumento de 300% nas candidaturas confessionais afro-brasileiras para o Congresso Nacional. Mas elas ainda são minoritárias em números, com apenas 24 candidaturas para deputados federais nesse pleito de 2018.
Mas mesmo que o Bolsonaro por exemplo não tenha feito uma campanha confessional, o Silas Malafaia e o Edir Macedo apoiaram publicamente a candidatura dele, né?
Sim. Tanto com Bolsonaro quanto Witzel para governador do Estado do Rio de Janeiro, também um candidato que se apresenta como católico mas que tinha uma forte influência de lideranças evangélicas na campanha dele. Isso que aconteceu no plano federal com Bolsonaro é interessante de observar porque o Silas Malafaia apoiou a candidatura do Bolsonaro muito antes do Edir Macedo. O Malafaia tem uma relação religiosa significativa com a esposa do Bolsonaro. Ele se anunciou muito antes na campanha. O Edir Macedo fez um apoio mais estratégico para a Universal do que para o Bolsonaro, na verdade. A gente acostumou a pensar nas lideranças conduzindo as “ovelhas”, que seriam os [fiéis] evangélicos, mas, nesse pleito, em muitos casos foi o contrário: no momento em que viram a adesão muito grande das suas bases à candidatura do Bolsonaro, as lideranças fizeram esse apoio. Edir Macedo agiu desse modo assim como o RR Soares, da Igreja Internacional da Graça de Deus, que é uma liderança importante nesse segmento neopentecostal e que se manteve ao longo de todos os pleitos, desde 1989, absolutamente discreto, e nessa eleição se posiciona a favor do Bolsonaro.
E o bispo Robson Rodovalho da Sara Nossa Terra também, né?
O bispo Rodovalho vem desde 2014 e nas eleições municipais de 2016 também fazendo uma campanha importante em torno da ideia de ter evangélicos assumindo o Executivo. Em 2014, aquela carta que ele publicou e que a gente reproduziu no livro em 2017 sobre a mudança de lugar dos evangélicos na sociedade, de ovelhas à “players”, – e a gente tem visto isso acontecer de forma bastante consistente, principalmente aqui no Rio de Janeiro com a eleição do Marcelo Crivella (PRB) a prefeito, no Estado com Witzel, e no âmbito federal com Bolsonaro.
Isso é um fato inédito? Esse apoio de muitas figuras importantes do meio evangélico a um mesmo candidato?
Nas eleições de 2002 aconteceu uma reunião muito importante de várias lideranças evangélicas, inclusive a Universal do Reino de Deus participou, para apoiar a candidatura do Lula – e esse apoio se manteve ao longo das duas gestões de Lula na presidência. Mas o que marcou uma diferença muito grande dessas eleições de 2018 para os outros pleitos foi uma adesão da base evangélica em torno de uma só candidatura. Isso é muito significativo. Isso foi realmente um fato histórico em relação às eleições desde 1989.
E houve também uma retirada de apoio ao PT por parte dessa base ou não?
Houve uma divisão nesse sentido, as representações progressistas evangélicas apoiaram a candidatura do Haddad, sobretudo no segundo turno. No primeiro turno houve um silenciamento de parte dessa esquerda evangélica, mas, no segundo turno, houve uma mobilização importante em torno do Haddad. O fato de o PSOL ter tido muitas candidaturas religiosas também aponta para esses avanços dos evangélicos progressistas na política. Em 2017, a gente já percebia que os progressistas tinham uma importante representação na igreja, e que ela vinha crescendo, principalmente através de uma juventude evangélica muito presente nas redes sociais. E, nessas eleições, a gente vê uma expressão importante disso com as candidaturas e a vitória de alguns candidatos mais progressistas. Aqui no Rio de Janeiro, a Mônica Francisco (pastora evangélica eleita deputada estadual pelo PSOL) é uma importante referência nesse sentido. O antipetismo está em alguns setores na sociedade, mas os diferentes segmentos religiosos apresentam um posicionamento diverso em relação a isso, não há unanimidade – nem no catolicismo nem com os evangélicos.
O ISER está preparando os resultados de uma pesquisa a respeito dessa legislatura e os dados finais devem sair no começo de 2019. O que mais é possível trazer em primeira mão?
A gente investigou candidaturas religiosas contando as confessionais e as não confessionais, ou seja, as que tinham registro religioso no TSE e aquelas que tinham enorme identificação institucional evangélica, mas que não disputaram a partir desse lugar, pelo menos não nominalmente. Foram 260 candidaturas no Rio de Janeiro e São Paulo. Desse total, 23% dos candidatos foram eleitos. Teve um êxito eleitoral significativo. Os evangélicos vão representar na Alesp 13% do total de deputados estaduais e, no Rio de Janeiro, vão representar 24%. É bem significativo esse segmento representar um quarto da Alerj.
Em termos federais, quase 30% dos deputados federais eleitos pelo Rio de Janeiro são evangélicos. O que quer dizer que a bancada do RJ no Congresso Nacional tem uma representação inicial de quase 30% de evangélicos. Das 260 candidaturas em São Paulo e no Rio de Janeiro, 122 são confessionais. E o RJ tem a maior parte dessas candidaturas – o que faz sentido já que o Rio tem maior número de pessoas que se declaram evangélicas do que São Paulo.
Outra coisa interessante é que a maior parte dessas candidaturas no Rio de Janeiro, 78%, são homens. Mas embora as mulheres fossem minoritárias em número de proposição de candidaturas, foram elas que tiveram o maior êxito eleitoral. Tanto no Rio quanto em São Paulo. Porque eram celebridades do mundo gospel. Cantoras gospel, digital influencers, celebridades que são conhecidas pelo público geral mas que se identificam como evangélicas. Isso é bem interessante.
Outro dado, pensando os dois estados, é que a Assembleia de Deus teve 27% da propositura de candidaturas enquanto a Universal do Reino de Deus teve 6%. Mas o PRB, partido ligado à Universal, teve mais sucesso relativo. Em São Paulo, por exemplo, de 7 candidatos, os 7 foram eleitos. No Rio de Janeiro já foi o contrário disso. Dos 8 candidatos propostos pelo PRB que eram candidaturas religiosas, somente um foi eleito. Lembrando que o filho do prefeito não foi eleito.
Talvez um efeito Crivella?
Sim, a gente sabe que esse universo religioso é bastante competitivo entre as denominações. Em termos dessas candidaturas religiosas o filho do Marcelo Crivella não teve êxito e nem a filha do Eduardo Cunha, Danielle Cunha (MDB), que apostou numa candidatura muito vinculada à defesa da figura do pai – como fez a Cristiane Brasil filha de Roberto Jefferson. Lembrando que, logo depois do Mensalão, ela conseguiu se eleger com sucesso e o Roberto Jefferson ficou identificado como a figura pública que revelou todo o mal que acontecia – e ele fez parte da campanha e conseguiu transferir seu capital político. O que não aconteceu em relação ao Eduardo Cunha. Embora Danielle tenha feito um grande investimento financeiro na campanha, não teve êxito.
Nas entrevistas que a gente fez para a pesquisa – porque ela tem uma parte quantitativa mas também uma parte qualitativa – com esses candidatos, observou-se que o Eduardo Cunha era uma referência unânime e espontânea de um mau testemunho evangélico. Isso é bem importante. Porque se ele tinha alguma expectativa de ser abraçado como o Roberto Jefferson foi, e mobilizou essa estratégia em torno da campanha da filha para tentar fazer uma limpeza moral, não teve sucesso; a base evangélica é muito crítica ao comportamento que ele teve.
E por fim, para o Senado, no Rio de Janeiro, é importante notar a estratégia do Sóstenes Cavalcante (DEM), que é deputado federal pelo Rio de Janeiro, anunciada em 2017. Ele disse que iria existir um grande investimento evangélico em torno do Senado Federal e a gente viu que essa estratégia também teve êxito. No Rio de Janeiro a gente teve 15 candidaturas ao Senado, das quais 6 eram candidaturas evangélicas, algumas confessionais e outras não mas todas com uma base evangélica muito significativa. E os dois senadores eleitos são evangélicos.
Quem é o “ADE”? E como ele se coloca dentro do jogo político?
Eu criei essa noção do “ADE” (Aliados dos Evangélicos) para conseguir pensar as estratégias mobilizadas pelos evangélicos nessas eleições, tanto para o Executivo quanto para o Legislativo. É aquele candidato que, no jogo de ocultação e revelação de suas bases religiosas, busca atingir um público mais extenso. Isso em termos de uma candidatura majoritária é muito significativo porque o candidato de nicho é importante e tem sucesso na disputa proporcional, mas no Executivo isso é bastante limitador. Basta a gente ver que as candidaturas mais identificadas com o universo evangélico, inclusive em 2014 com o Pastor Everaldo (PSC) chegando em 5º lugar, e agora em 2018 com a Marina Silva (REDE), que é evangélica e trabalhou nas suas bases e com lideranças evangélicas uma gramática, tiveram um fracasso significativo, assim como o próprio Cabo Daciolo (Patriota), que se apresentava como uma candidatura confessional evangélica. Então se apresentar como ADE se mostrou bastante importante. As duas candidaturas que tiveram sucesso retumbante, o Bolsonaro e o Witzel no Rio de Janeiro, usaram dessa estratégia. Porque o Bolsonaro se batizou nas águas do Rio Jordão com o pastor Everaldo em 2016 e se filiou ao PSC e quando saiu do PSC e foi pro PSL, começou a se apresentar como católico – embora tenha uma mulher evangélica e tenha trabalhado toda essa base.
Ele conseguiu fazer isso, fazer um usufruto do apoio dos católicos, e os parlamentares da Frente Parlamentar Católica declararam um apoio explícito a ele, fizeram uma oração, foram até a casa dele, assim como as diferentes lideranças evangélicas.
A mesma coisa o Witzel, que se apresenta como católico, mas tem uma mobilização em sua campanha de uma base evangélica. Isso em termos proporcionais foi importante. Trabalhando sua identidade laboral mas mobilizando a base religiosa. Essa é uma estratégia importante que atende inclusive a um debate que demanda pela laicidade do Estado.
Mas aquela oração do Magno Malta na posse de Bolsonaro acabou com qualquer dúvida sobre a laicidade do Estado, não?
Pois é, e isso foi crescendo no Brasil de forma impressionante desde o impeachment da presidente Dilma. A primeira reunião feita pelo Temer depois da posse foi com líderes religiosos, inclusive com a presença do Silas Malafaia. Essa oração sagra uma coisa que, na verdade, não é singular do Bolsonaro embora tenha sido muito explícita. Mas essa estratégia do ADE é importante também porque há uma rejeição ao discurso evangélico nas camadas mais escolarizadas e economicamente mais importantes. Quanto mais aumenta a renda per capita e a escolaridade, mais antipatia há em relação ao discurso e identidade evangélica. Então o ADE atinge esse segmento. Porque a mobilização da identidade laboral, tanto do Bolsonaro como militar, quanto Witzel como juiz, foi alguma coisa que teve uma passagem importante com uma camada média e alta nesses segmentos urbanos que fazia com que a proximidade religiosa fosse neutralizada pela identidade laboral.
Apesar de não ter tido um aumento significativo em números, você acredita que o poder da bancada evangélica cresce nessa legislatura?
Sim. Não dá para a gente pensar a influência de nenhum grupo social só pelo percentual que eles ocupam. Temos que pensar a influência a partir de alinhamentos e do capital que esse percentual tem, de capital político, de capital social. O fato de eles terem tido um crescimento pequeno no Congresso Nacional – foram eleitos 72 parlamentares evangélicos em 2018 contra 70 em 2014 – não ajuda a pensar sobre a influência que eles vão ter ou já estão tendo na política em âmbito nacional. Ao longo dos pleitos, desde 1989, eles tiveram um insucesso parlamentar retumbante em termos de conseguir aprovação de seus projetos de lei. Sobretudo nessa agenda moral, a questão da criança, do aborto, a proposta de que a mulher estuprada tem que ter o filho e vai receber uma bolsa do governo até a criança ter 18 anos de idade, todas as propostas foram negadas, inclusive o próprio Estatuto da Família.
Existia um sucesso em pautar a agenda pública em torno dos seus interesses, os projetos de lei faziam barulho mas não eram efetivos. Isso agora pode mudar. Mas eles tiveram sucesso em atravancar agendas sim. Atravancaram o PLC 122, que era a criminalização da homofobia, e tiveram um sucesso significativo, que ganhou muita mídia e teve um sucesso nas bases religiosas, que foi terem conseguido suspender o material didático do MEC em 2011, o que ficou conhecido como “kit gay”. Nesse quesito o Bolsonaro teve uma atuação muito importante. Já vinha se anunciando essa estratégia que em 2018 a gente está vendo. Essa estratégia do ADE aconteceu então lá em 2011 e agora teve um grande sucesso. Naquele momento os evangélicos na frente parlamentar achavam estratégico que aquele que fosse conduzir o bloqueio público do “kit” fosse um parlamentar aliado deles, mas que não fosse evangélico. E foi ele que vociferou e fez campanha contra o material. Embora os parlamentares que foram pressionar a Dilma Rousseff na época foram os evangélicos encabeçados pelo Anthony Garotinho. A gente já está vendo agora essa influência acontecer não só na indicação de nomes porque o fato de não ter muitos evangélicos em cargos do alto escalão também não quer dizer que eles não vão ter influência no governo, isso se dá em uma outra dinâmica.
Você deu uma entrevista há algum tempo dizendo que os evangélicos miravam o Executivo e o Judiciário. Eles já tem o Executivo. Acha que o próximo passo é o Judiciário?
Em 2014, essa era toda a expectativa com o pastor Everaldo e era um investimento importante deles que a gente apontou no nosso livro em 2017. Agora a gente acompanhou novamente também o sucesso que tiveram nessa empreitada. No Judiciário não é algo que está para acontecer. É algo que já está acontecendo: são as associações de religiosos entre magistrados e promotores que se anunciam em combate à corrupção e estão identificando, ideologicamente, a corrupção de um determinado lado do espectro político. E eu acho que a nomeação do próprio juiz Sérgio Moro é uma indicação importante nesse sentido. Há muitas especulações de uma possível entrada de Sergio Moro no STF mas na declaração do Pastor Everaldo em entrevista a nós ele diz da importância do Judiciário, de “mudar a cabeça”, assim ele diz, para movimentar o STF. Essa estratégia já está acontecendo. Basta ver também a nomeação do advogado da União da AGU, um procurador evangélico. Não está no futuro, ela está acontecendo.
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Mudança de estratégia nas candidaturas evangélicas ajudou a eleger Bolsonaro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU