17 Dezembro 2018
Se uma lentilha d’água estiver num local que o pato usa para evacuar, ela consegue se transformar num denso tapete onde antes não havia nenhuma.
A reportagem é de Veronique Greenwood, publicada por The New York Times, 14-12-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
A lentilha d’água é uma plantinha simples de um verde brilhante que cobre lagos do mundo inteiro. Algumas lentilhas d’água são as menores angiospermas encontradas na natureza.
Os cientistas que trabalham no Brasil (Nota de IHU On-Line: os pesquisadores são A. J. Green, V. Weber, P. Hoffmann, Á. Lovas-Kiss, C. Stenert e L. Maltchik, do Laboratório de Ecologia e Conservação de Ecossistemas Aquáticos da Universidade Vale do Rio do Sinos - UNISINOS) acabaram de descobrir que uma delas, a Wolffia columbiana, tem um talento surpreendente. Nesta quarta-feira, na revista Biology Letters[1], os autores relataram que é provável que esta lentilha consiga transitar intacta de uma área úmida para outra de carona nas fezes dos pássaros.
A lentilha d’água se reproduz por brotação, dando origem a cópias. Portanto, se uma delas estiver num local que o pato usa para evacuar, a lentilha d’água consegue se transformar num denso tapete onde antes não havia nenhuma. Compreender como esta plantinha se transporta pode ajudar os cientistas a desenvolver estratégias para conter formas que se tornaram invasoras em alguns ambientes.
Para estudar como patos e gansos podem estar espalhando sementes ou partes de plantas na água, o estudante de pós-graduação Giliandro Silva da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, no sul do Brasil, coletou e congelou as fezes desses animais para análise. No entanto, ficou surpreso quando viu globos inteiros de lentilha d’água intactos após terem sido engolidos e terem passado pelo sistema digestivo das aves.
Usando outra amostra, com fezes de pato frescas e descongeladas, Giliandro e seus colegas puderam verificar se as plantas estavam vivas por meio de testes. Eles coletaram lentilhas d’água a partir das fezes de três aves e colocaram em placas de Petri. Depois, esperaram para ver se as plantinhas cresciam.
As plantas logo começaram a se replicar. Sete lentilhas foram descobertas em uma das placas, onde antes só havia uma. Isso levou os cientistas a concluírem que elas estavam ilesas apesar do contato com os ácidos corrosivos do estômago dos pássaros e conseguiram crescer perfeitamente. Isso significa que os pesquisadores e grupos de conservação que têm interesse em como esta lentilha se espalha em seu ambiente nativo e em lugares em que atua como invasora terão de levar em conta este meio de transporte inusitado.
Em sentido horário, a partir do canto superior esquerdo, uma área úmida onde as espécies de lentilha d’água foram coletadas; espécimes saudáveis e intactos após a excreção; uma lentilha morta sem cor e plântulas observadas após sete dias, confirmando que estavam se reproduzindo assexuadamente. Créditos: Giliandro G. Silva
O que antigamente se sabia era que somente sementes eram espalhadas pelas fezes das aves, porque seu revestimento exterior rígido protegia dos perigos da digestão. Mas nos últimos anos, Andy Green, professor da Estacion Biologica de Donana, na Espanha, e um dos autores do artigo, e seus colaboradores descobriram que os esporos de samambaias e até mesmo fragmentos de musgo retirados de fezes de aves continuam viáveis, sugerindo que o fenômeno pode ser mais geral do que se pensava. Nem todas as fezes contém lentilha d’água, e nem toda lentilha d’água engolida sobrevive. Mas algumas sobrevivem.
"Como se passa por dentro de um pássaro e continua vivo?", perguntou o Dr. Andy Green. "Ainda não sabemos."
Ele especula que objetos redondos diminutos podem ter uma vantagem, pois têm menos chance de ficarem presos na moela do pássaro, e a velocidade da digestão também é muito importante. Se a lentilha d’água ficar dentro do pássaro por vários dias, por exemplo, pode não continuar viável até sair.
Dr. Andy Green está interessado em descobrir se lentilhas d’água maiores e outras plantas podem ser transportadas dessa maneira. "A próxima questão para mim será tentar demonstrar que isso acontece aqui no Reino Unido e na Espanha, e também com outras plantas", observou.
"É apenas mais uma peça do quebra-cabeças” de como as plantas se transportam.
Nota:
[1] Artigo intitulado Whole angiosperms Wolffia columbiana disperse by gut passage through wildfowl in South America (Em tradução livre: Angiospermas inteiras da espécie Wolffia columbiana disseminam-se pela passagem intestinal de aves selvagens na América do Sul).
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Uma das menores plantas da natureza pode sobreviver dentro de um pato - Instituto Humanitas Unisinos - IHU