16 Novembro 2018
A Igreja anglicana, diversamente daquela Católica e das Igrejas protestantes, em breve poderá excluir do "Credo" o Filioque. Isso transparece na Declaração Conjunta da Comissão internacional Anglicana e das Igrejas Ortodoxa (AOOIC) The Procession and Work of the Holy Spirit (A procedência e a obra do Espírito Santo), assinada em Dublin em 2017, e tornada pública durante os trabalhos, nos últimos dias, em Atchaneh, no Líbano, junto à sede patriarcal ortodoxa siríaca.
O comentário é de Antonio Dall'Osto, publicado por Settimana News, 13-11-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Como é noto, a questão do Filioque constitui um dos pontos polêmicos que foram a base do Grande Cisma de 1054, no qual o Patriarca de Constantinopla e o papa haviam lançado a excomunhão um ao outro. O anátema foi abolido apenas em 1965, por Paulo VI e pelo Patriarca Ecumênico Atenágoras.
Mas o Filioque, juntamente com o primado, continua a ser hoje um dos principais problemas que dificultam a unidade entre a Igreja de Roma e as Igrejas Ortodoxas Orientais.
Em 1976, vários anos antes dessa declaração conjunta, havia sido alcançado um consenso entre as igrejas bizantinas durante um encontro em Moscou sobre a maneira de entender o Filioque. Naquela ocasião, os membros da Comissão Anglicana haviam recomendado cancelar a cláusula do Credo. E, na Conferência de Lambeth, várias vezes as igrejas-membro haviam exortado a renunciar ao Filioque, porém deixando às igrejas individuais a relativa decisão.
A Comissão conjunta entre anglicanos e Igrejas orientais ortodoxas foi formada em 2001. Em 2013, retornou aos trabalhos e, em 2014, completou uma declaração concordada que foi submetida às autoridades responsáveis das Igrejas ortodoxas orientais e da Comunhão anglicana para a sua avaliação.
Seguindo a agenda acordada para o diálogo, os problemas relacionados ao Credo Niceno-Constantinopolitano foram examinados. Ao mesmo tempo, a AOOIC, na reunião de Woking, na Inglaterra, começou seu trabalho na compreensão teológica do Espírito Santo.
No encontro de 2014, no Centro São Marcos no Cairo (Egito), a comissão concluiu a Parte A da declaração preliminar sobre a "Procedência do Espírito Santo". O texto recebeu novas emendas e foi completado em outubro de 2015, na reunião na Biblioteca Gladstone em Hawarden, no País de Gales.
O trabalho na parte B, que trata da "Missão do Espírito Santo no tempo", foi iniciado e concluído na reunião da Comissão em outubro de 2016, no Catholicosato Arménio da Cilícia, em Antelias, no Líbano.
As duas partes (Parte A e Parte B) foram então unificadas no encontro em Dublin, na Irlanda, em outubro de 2017, constituindo, assim, uma unidade.
O documento foi apresentado ao público durante a reunião anual da Comissão no Líbano na primeira semana de novembro passado.
O objetivo comum desse trabalho é a compreensão do Espírito Santo como pessoa eterna da Santíssima Trindade que opera no mundo e do tempo, santificando a vida dos fiéis.
«1. Nós reconhecemos que o texto original do Símbolo Niceno-constantinopolitano de 381 não inclui a cláusula referida à procedência do Espírito Santo do Pai e do Filho (Filioque), mas somente do Pai. Nós reconhecemos que a inclusão dessa adição foi feita unilateralmente pela Igreja latina do Ocidente, sem a autoridade de um Concílio Ecumênico, e foi herdada pela tradição anglicana.
2. Embora compreendendo as circunstâncias históricas que levaram à adição do Filioque, as Igrejas anglicanas geralmente interpretam essa adição no sentido da missão temporal do Espírito Santo, enviado pelo Pai ao mundo através do Filho e pelo Filho.
3. Nós aceitamos que o Credo Niceno-constantinopolitano, com base nas Escrituras, entenda definir a eterna procedência do Espírito Santo. Portanto, as Igrejas Ortodoxas Orientais consideram a adição do Filioque como um erro, porque rompe a ordem dentro da Trindade e coloca em discussão o papel do Pai como fonte, causa e princípio do Filho e do Espírito. A Tradição anglicana considera a cláusula do Filioque como uma interpolação, inserida de forma irregular no texto do Credo e desprovida de qualquer autorização canônica.
Isso levou, em 1976, à Declaração Conjunta de Moscou do diálogo teológico anglicano-ortodoxo e às sucessivas declarações sobre a inadequação de sua inclusão no Credo. Nos termos do Acordo Conjunto de Moscou de 1976, os anglicanos concordam que o Filioque não deva ser incluído no Credo.
4. Distinguimos entre dois níveis: Theologia (θεολογία), que se refere à essência (οὐσία) de Deus e as relações intratrinitárias, e Economia (οἰκονομία), que se refere à atividade (ἐνέργεια) de Deus e a sua relação com o mundo. Em consequência, distinguimos a eterna procedência do Espírito Santo apenas do Pai, e da missão do Espírito Santo no dia de Pentecostes, do Pai mediante o Filho.
5. Concordamos em afirmar que quando os Santos Padres falam da relação do Espírito Santo com o Pai através do Filho, nunca declaram que o Espírito procede do Pai ou através do Filho: "O Espírito era e é do Filho como era e é do pai; mesmo que ele proceda do Pai, ainda assim não é estranho ao Filho; de fato, o Filho tem todas as coisas em comum com o Pai, como o Senhor nos ensinou". Quando os Santos Padres proclamaram que o Espírito é "do Pai e do Filho" ou que procede (πρόεισι) ou que flui (προκεῖται) de ambos, eles entendem a sua missão temporal.
Na Economia, o Espírito Santo é enviado pelo Pai e é manifestado pelo Filho. "Ele me glorificará, porque há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar" (Jo 16:14).
"Ele resplendece (κλάμπει) e é enviado e doados pelo Verbo" (Atanásio, Cartas a Serapião, 2.10).
O Espírito, portanto, a partir do qual flui a abundância das boas coisas da criação, depende (ἤρτηται) do Filho, com quem está indivisivelmente unido.
6. Na relação entre o Santíssima Trindade e a Criação, o Pai realiza (κτίζει) todas as coisas através do Verbo no Espírito. Cada operação (ἐνέργεια) que se estende de Deus para a Criação tem sua origem (ἀφορμάται) do Pai e procede (πρόεισι) através do Filho e é aperfeiçoada (τελειοῡται) pelo Espírito Santo".
A segunda parte consiste de 19 números, incluindo a Conclusão. Abre-se com a seguinte afirmação: "Nós afirmamos que o Espírito Santo, enviado pelo Senhor Jesus Cristo, fala e dá vida à Igreja e, quando professamos juntos o Credo, a torna una, santa, católica e apostólica".
"Afirmamos que o Espírito Santo torna a Igreja una, unida a Cristo, mediante o santo batismo em nome da Trindade. O batismo, que é o renascimento para a vida no Espírito, exige a confissão da única fé apostólica. Assim, a unidade da Igreja, que é a comunhão de todas as Igrejas locais que confessam a única fé em Cristo, é realizada pelo Espírito Santo que habita naqueles que creem: "Há um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança da vossa vocação; Um só Senhor, uma só fé, um só batismo; Um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, e por todos e em todos vós." (Ef 4: 4).
O Espírito que dá vida garante a unidade do corpo de Cristo, a Igreja. Sem o Espírito, o corpo é desprovido de vida. Pela ação do Espírito, os fiéis têm comunhão nos sacramentos da Igreja e do dom da vida eterna concedida pela Santíssima Trindade.
O Espírito Santo une os fiéis batizados com o Senhor de uma koinonia (κοινωνία) de concórdia e de amor. Ele torna possível a unidade do povo de Deus, em conformidade com a imagem da comunhão de amor presente na Trindade, descrito como pericorese (περιχώρησις). Portanto, São Paulo exorta a Igreja "a manter a unidade do Espírito no vínculo da paz".
Como Deus é uno no Pai, Filho e Espírito Santo, assim também a Igreja, em todas as suas diversas ricas tradições, preserva a unidade da fé.
A Santíssima Trindade é o modelo supremo da unidade cristã. Crer na consubstancial Trindade nos une no amor recíproco em um movimento para a unidade visível para a qual nosso Senhor orou".
"Nós afirmamos que o Espírito Santo santifica e aperfeiçoa a vida pessoal dos fiéis e os sacramentos da Igreja e atua em todo o cosmos. Na Igreja, o Corpo de Cristo, os fiéis crentes recebem a purificação, a santificação e justificação pelo Espírito, porque é parte da própria natureza da Igreja, de acordo com o chamado de Deus, para ser "santa e sem mácula" ... A santidade da Igreja, que é o dom do Espírito, manifesta-se nos frutos do Espírito. A Igreja é santa porque Deus é santo ... Ela é convidada a compartilhar a santidade de Deus e vida eterna do Seu Reino, mediante a obra do Espírito ... A santidade da Igreja não depende das virtudes de seus membros, nem é afetada pelas suas falhas .... "
'Nós afirmamos que o Espírito Santo nos guia a toda a verdade e nos torna livres e, assim, é a fonte e garantia da catolicidade da Igreja em todo o mundo, presente nas diferentes manifestações locais sob o Único Senhor, Jesus Cristo, no reino do espaço e do tempo. O Espírito Santo une a Igreja terrena com aquela celestial, como revelado nos atos anamnéticos e litúrgicos da Igreja, especialmente na celebração da Eucaristia, na qual estamos unidos com o culto celeste ...
Esses sinais universais e cósmicos da Igreja Católica assumem sempre manifestações particulares e locais como demonstram as histórias de nossas duas famílias de Igrejas: os sínodos regionais e locais constituem, portanto, parte de um todo maior. O Espírito Santo faz com que, através dessas manifestações da catolicidade, a Igreja seja maior do que a soma de suas partes, ou seja, universal, expressando a unidade da fé mediante a ação conciliar ecumênica... Desta forma, o Espírito Santo cria um nova humanidade em que "não há mais nem judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo" (Gal 3,28.
"Nós afirmamos que, como o Pai enviou o seu Filho ao mundo para a salvação mediante a encarnação, assim, na fase sucessiva à ressurreição e à ascensão do Senhor, enviou o Espírito para o mundo, a fim de santificar toda a ordem criada, até que retorne em glória novamente. A Pentecostes é o dom de Deus de uma nova vida para o mundo na forma da Igreja como corpo de Cristo. O Espírito Santo renova a cada dia o convite e o imperativo da oração do Senhor para fazer a vontade de Deus no céu e na terra, e assim liga o testemunho dos profetas e discípulos com a esperança escatológica ...
O termo apostólica descreve a origem e a fé da Igreja como está radicada e contínua na Tradição viva dos apóstolos que proclamaram Jesus Cristo crucificado e ressuscitado. Através da obra do Espírito Santo, a Igreja preserva fiel e continuamente a pregação e o ensinamento daqueles a quem Jesus enviou como apóstolos. É a razão pela qual é chamada apostólica ...
A sucessão apostólica é inseparável da atividade e da obra (ἐνέργεια) do Espírito Santo. Desde os primeiros tempos, o Espírito estabeleceu ministros e falou através dos profetas e dos discípulos. O Espírito guiou a missão da Igreja dando aos discípulos o poder do testemunho.
O Espírito continua a transmitir a cada geração as características permanentes da Igreja dos apóstolos nas Escrituras e nos sacramentos; no testemunho e na responsabilidade ministerial; na comunhão expressa na oração, no amor e no sofrimento; na anunciação do Evangelho; no serviço daqueles que precisam de graça e de bondade; na unidade das Igrejas no plano local e universal".
O documento conclui: "A Sagrada Escritura descreve o Espírito Santo como dinamismo através das imagens vívidas de água, do fogo e do vento. O Espírito Santo fala à Igreja e pede a ela que abandone sua vida tranquila para se envolver na grande arena que é o mundo. Atua como força dinâmica que, a partir da memória da própria redenção, realizada historicamente no passado, a guia para suas futuras responsabilidades num mundo em mudança.
Em uma era de migrações forçadas sem saber para qual futuro; em um mundo de mudanças rápidas; em um mundo dilacerado pela guerra e, ao mesmo tempo, de corajoso martírio; o Espírito Santo, o Consolador, transcende o tempo e o espaço e, no entanto, habita ambos. O Espírito Santo é enviado para permitir aos fracos serem fortes, aos humildes serrem corajosos e para confortar os pobres e feridos em um mundo decaído que é sustentado pela Providência e pela graça de Deus-Trindade, que faz novas todas as coisas na fé, na esperança e no amor".
A Declaração traz a data de Dublin, 26 de outubro de 2017 e é assinada pelo reverendo Gregory Cameron, co-presidente anglicano, e pelo metropolita Bishoy, co-presidente oriental ortodoxo, que morreu apenas alguns dias atrás, a cuja memória foi dedicada a publicação do documento.
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Os anglicanos podem cancelar o "Filioque"? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU