18 Mai 2018
Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho da solenidade de Pentecostes, 20 de maio, de acordo com a liturgia da Igreja italiana (Jo 15, 26-27; 16, 12-15). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O lecionário da Igreja universal prevê para a solenidade de Pentecostes o evangelho joanino que narra a aparição de Jesus ressuscitado aos discípulos na noite do primeiro dia da semana, quando ele soprou sobre eles e disse: “Recebei o Espírito Santo” (cf. Jo 20, 19-23) [no Brasil, o trecho escolhido é o de Jo 7, 37-39].
O lecionário da Igreja italiana, em vez disso, dependendo do ano, prevê outros dois trechos tirados do quarto evangelho, que, na verdade, são construções um pouco artificiais, pois consistem em versículos pertencentes a contextos diferentes.
Neste Ano B, o texto é composto por dois versículos em que Jesus promete aos discípulos o Espírito Santo (cf. Jo 15, 26-27) e por outros quatro versículos nos quais ele especifica a ação do mesmo Espírito nos dias da Igreja (cf. Jo 16, 12-15). Embora não seja uma operação fácil comentar versículos não consecutivos, tentemos fazê-lo, mesmo assim, com espírito de obediência.
Jesus ainda está à mesa com seus discípulos após o lava-pés (cf. Jo 13, 1-20) e pronuncia palavras de adeus, porque “chegou a hora de passar deste mundo para o Pai” (Jo 13,1). São palavras que a Igreja joanina conservou, meditou, interpretou e, finalmente, pôs por escrito, com uma linguagem e um estilo diferentes dos das palavras que saíram da boca de Jesus. Poderíamos dizer que o discípulo amado e sua Igreja fizeram “ressurgir” as palavras de Jesus, e, aqui no Evangelho, nós as reencontramos na sua verdade, mas pronunciadas pelo Ressuscitado glorioso, o Kýrios, e dirigidas aos discípulos reunidos nas Igrejas de todos os tempos.
Sabemos pelos evangelhos sinóticos que Jesus falara do Espírito Santo, que desceu sobre ele no batismo (cf. Mc 1, 10 e par.), e o tinha prometido como dom aos discípulos, em particular para a hora da perseguição (cf. Mc 13, 11 e par.), quando o Espírito será a sua autêntica defesa, “falando neles” e “ensinando-lhes o que é preciso dizer”. E eis a mesma promessa no evangelho segundo João (cf. Jo 14, 26-27): quando vier o Parákletos – aquele que é chamado ao lado como advogado defensor, socorrista e consolador, o Espírito de verdade que Jesus, tendo subido ao Pai, enviará –, então o Espírito dará testemunho de Jesus, e assim farão os próprios discípulos, eles que compartilharam a vida com ele desde o início de sua missão, desde o batismo recebido por João.
Mas os futuros discípulos de Jesus também não poderão sê-lo e dar testemunho dele se não acolheram o Evangelho desde o seu início, isto é, aquela boa notícia de um Jesus homem nascido de mulher, que viveu como “carne frágil”, crucificado e ressuscitado da morte: um Jesus que foi sárx, carne, humanidade, e que agora está vivo em Deus na glória, como seu Filho para sempre.
O sopro de Deus, a ruach que indica figurativamente a vida de Deus que procede do íntimo do seu ser; o hálito de Deus que é a força criadora com a qual ele criou o cosmos (cf. Gn 1, 2); aquele sopro que caiu sobre uma mulher para permitir que a Palavra se tornasse “carne” (cf. Jo 1, 14), Jesus como Senhor vivo o soprará sobre os discípulos depois de sua ressurreição.
A própria vida de Deus que é a vida de Jesus ressuscitado também será vida nos discípulos e lhes habilitará a ser suas testemunhas. Assim, acontecerá uma sinergia entre o testemunho do Espírito e o do discípulo em relação a Cristo: mesmo quando os homens se sentirem os cristãos como estranhos, mesmo nas perseguições e nas hostilidades sofridas por parte do mundo, no poder do Espírito, os cristãos continuarão dando testemunho de Jesus.
Essa é a função decisiva do Espírito Santo, que, assim como foi “companheiro inseparável de Jesus” (Basílio de Cesareia), depois que Jesus o enviou da sua glória junto do Pai, é o “companheiro inseparável” de cada cristão. A palavra do discípulo de Jesus será voz do Espírito Santo (cf. Jo 3, 8), será palavra profética dirigida ao mundo como testemunho cheio de força, mesmo na fraqueza e na fragilidade da condição dos discípulos.
Em relação a esse sopro divino, Jesus diz ainda algumas palavras (cf. Jo 16, 12-15). Ele está ciente de que narrou, explicou (exeghésato: Jo 1, 18) Deus aos discípulos durante alguns anos com o seu comportamento e as suas palavras, especialmente amando os seus até o fim (cf. Jo 13, 1), mas ele também sabe que poderia ter dito muitas coisas a mais. Jesus sabe que há uma progressiva iniciação no conhecimento de Deus, um crescimento desse mesmo conhecimento, que não pode ser dado de uma vez por todas.
O discípulo aprende a conhecer o Senhor todos os dias de sua vida, “de início em início, por inícios que nunca têm fim” (Gregório de Nissa). A vida do discípulo deve ser vivida para uma compreensão cada vez maior, e tudo o que uma pessoa vive (encontros, realidade etc.), através da energia do Espírito Santo, abre um caminho, aprofunda o conhecimento, revela um sentido.
Cada um de nós experimenta isso: quanto mais avançamos na vida pessoal e na resposta ao chamado do Senhor na história, mais o conhecemos! O Evangelho é sempre o mesmo: “Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e para sempre” (Hb 13, 8), não muda, mas nós o conhecemos melhor justamente vivendo a nossa história e a história do mundo.
Por outro lado, precisamente o evangelho segundo João testemunha que os discípulos só compreendem alguns gestos de Jesus mais tarde, depois da sua morte e da sua ressurreição: tinham permanecido incapazes de interpretá-los no seu acontecer (cf. Jo 2, 22; 12, 16), mas, na luz da fé no Ressuscitado, abriu-se para eles a possibilidade da compreensão.
Por isso, Jesus confessa não ter dito tudo: ele disse o essencial sobre Deus, aquilo que é suficiente para a salvação, mas o conhecimento é infinito. Agora Jesus está no Reino com o Pai, mas o Espírito Santo que ele envia aos discípulos lhes recorda as suas palavras (cf. Jo 14, 26), as aprofunda, torna compreensível aquilo que eles não compreenderam sobre ele anteriormente. E novos eventos e realidades da história são iluminados e compreendidos precisamente graças à presença do Espírito Santo, que dá a conhecer não uma nova revelação, não necessária depois de Jesus, mas esclarece e aprofunda o mistério de Deus e de seu Filho enviado ao mundo, morto e ressuscitado. Porém, preste-se atenção:
- o Espírito Santo não sucede a Cristo,
- a era do Filho não sucede a do Espírito,
- porque o Espírito que procede do Pai é também o Espírito do Filho (é isso que significa a afirmação: “Tudo o que o Pai possui é meu”), enviado por ele e seu companheiro inseparável.
Onde está Cristo, está o Espírito, e onde está o Espírito, está Cristo! E a palavra de Deus é sempre a mesma: em Moisés, nos profetas e nos salmos (cf. Lc 24, 44) há uma mesma palavra de Deus, que saiu de sua boca junto com seu sopro e que se tornou “carne” em Jesus.
Lendo o Pentecostes à luz dessas palavras de Jesus do quarto evangelho, hoje confessamos que o hálito, o sopro de vida de Deus é o sopro de Cristo, é o Espírito Santo e é o nosso sopro de cristãos: um sopro que desce sobre nós e em nós constantemente e que, sobretudo na eucaristia, nos renova, dando-nos a remissão de todos os nossos pecados, habilitando-nos à evangelização, que é sempre testemunho dado de Jesus Cristo (cf. Lc 24, 48; At 1, 8), e fortalecendo-nos nas perseguições e nas provações.
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Espírito Santo, companheiro inseparável de Jesus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU