12 Novembro 2018
José Luis Padilla Corral é licenciado em Medicina e Cirurgia, especialista em Psiquiatria de adultos e crianças e também em Geriatria. Ele também é formado em Medicina Tradicional Chinesa pelo Instituto Nacional de Acupuntura de Taipei, em Taiwan. Na Espanha, fundou a Sociedade Espanhola de Acupunturistas.
Ele é o fundador e coordenador das Escolas Neijing, presentes em mais de 15 países mundo afora, nas quais se pesquisa a saúde e o desenvolvimento pessoal através das antigas tradições, incluindo os fundamentos da medicina moderna. Atualmente, dirige o Centro de Estudos e Desenvolvimento da Medicina Tradicional TIAN, em Pozoamargo, Cuenca (Espanha).
Suas perspectivas sobre a prática da medicina, da saúde e da doença evoluíram à medida que sua carreira profissional se estendeu a enfoques mais próximos da sabedoria oriental, o que lhe dá hoje uma perspectiva privilegiada para observar o efeito que o estilo de vida ocidental produz na saúde integral do ser humano contemporâneo.
A entrevista é de David Romero, publicada por RT, 10-11-2018. A tradução é de André Langer.
Você acredita que o estilo de vida que as pessoas acabam desenvolvendo no contexto da estrutura do sistema econômico capitalista é ruim para a saúde?
Sim, é totalmente patogênico. Neste sistema, criou-se um novo homem: o “homo oeconomicus”, um homem que é guiado por padrões econômicos. E, claro, isso não responde a um padrão natural. Isso perturba o fisiologismo normal da pessoa. Estar dependente das rendas, das despesas, dos empréstimos, dos impostos, do que minha esposa ganha, do que eu ganho... gera um estado de ansiedade permanente.
Na verdade, a taxa de natalidade caiu tanto que a população está encolhendo... começa a haver mais mortes do que nascimentos na Espanha. A que se deve isso? Bem, ao fato de que nós consideramos a vida como uma economia. Tudo foi “economizado” e, nesse contexto econômico, que muitas vezes é precário em termos de condições, rendas, etc., as pessoas pensam muito seriamente em ter um filho ou não, porque, desse ponto de vista, ele se torna um fardo, com as despesas que acarreta, a alimentação, creche...
É como se este modo de vida, de alguma forma, nos esterilizasse...
De fato, a quantidade de espermatozóides no homem se reduziu pela metade em comparação com apenas 40 anos atrás. Como em uma ejaculação ocorre uma quantidade muito grande, por enquanto ainda é fértil, mas a tendência já se reflete nas taxas de natalidade de muitos países. E não se trata apenas da redução da fertilidade orgânica, mas também do estilo de vida.
Atualmente, o ser humano vive como um animal em cativeiro: entre a hipoteca, o carro, as férias e todas as necessidades que foram criadas, quase não é possível manter os filhos, e isso é grave. E, além disso... quem vai cuidar dos filhos se ambos os pais precisam trabalhar? É preciso recorrer aos avós, ou pagar uma creche... Claro que tudo isso nos transforma cada vez mais em uma sociedade estéril.
E não apenas no nível reprodutivo. Este sistema também nos esteriliza em outras áreas da vida, o que contribui muito para o surgimento das doenças: ele nos tira a criatividade, a capacidade de criar e perceber a beleza, de apreciar a arte... porque, claro, estamos muito preocupados em ganhar dinheiro. O capitalismo materialista é absolutamente cruel neste sentido. Todo mundo aspira a melhorar seu padrão de vida, entendendo que o nível de vida está relacionado à capacidade econômica.
E isso é uma armadilha, porque é falso: meu padrão de vida não depende do que ganho; depende de como eu percebo a realidade. Ou de como me relaciono com as pessoas. Minha qualidade de vida depende de como eu contemplo o mundo. Se o contemplo com generosidade, com sociabilidade, com compromisso, com ajuda, emerge um mundo maravilhoso. Por outro lado, se o contemplo para dominá-lo, para conquistá-lo, para ganhá-lo e para ser um vencedor... o mundo se transforma em uma guerra.
Justamente você costuma defender que o ser humano não é feito para a dor. Diz que somos um ser afetivo, “almado”, animado, amoroso... mas que podemos cair no “defeito” do poder, e isso produz dor...
Sim, porque eu acredito que uma das causas de sofrimento, dor e doença ocorre quando o ser humano, evolutivamente, se dá conta de que “ele pode” com o tigre e se dedica à caça; de que “ele pode” dominar as plantas e se dedica ao cultivo... e então se torna sedentário, e a partir daí delimita e rotula a terra: “é minha terra”. Então começa a posse e a posse gera a violência... e desde então estamos em guerra.
Se o poder e a posse produzem violência, sofrimento e doença é fácil deduzir que um sistema político baseado em relações de poder e um sistema econômico baseado na propriedade privada e na posse geram muito sofrimento e doenças, certo?
É inevitável. Por isso, eu sempre insisto em que vivemos em estado de guerra. Existe aquilo que chamamos de guerra, com armas e bombas, a guerra na Síria, etc. Mas a vida cotidiana é um estado de guerra. Basta dirigir por uma rodovia ou em qualquer cidade para perceber isso.
Veja, até a medicina é vista como uma guerra. Declara-se guerra às infecções e ataca-se com antibióticos. E há uma multinacional correspondente que faz os antibióticos, claro. Declara-se guerra ao câncer e ataca-se com quimioterapia... Ou seja, todo o modelo é baseado em uma lógica de guerra. E isso afeta a nossa percepção do mundo e a condiciona.
Você pensa que na mentalidade ocidental contemporânea há uma boa noção do que é saúde e do que é doença?
Não, não penso assim. Eu acredito que se parte do pressuposto de que todos nós estamos potencialmente doentes. Do meu ponto de vista, por outro lado, todos os seres humanos são saudáveis. Mesmo quando estão doentes, considero que estão “em um estado adaptativo de saúde”. Consequentemente, sob este ponto de vista, não há a doença.
A doença é um processo que criou seu próprio poder, através de frustrações, proibições e manipulações ao longo da história. Os escravos são um bom exemplo. Morriam antes de seus senhores porque eram espancados, estavam sujeitos a jornadas abusivas de trabalho, má alimentação e péssimas condições de vida. Ao contrário, seus senhores viviam mais tempo porque sua vida era melhor, se alimentavam melhor...
Todas essas relações de poder se adaptaram aos tempos e estão infiltradas em nossa vida cotidiana e normalizada. E as doenças derivadas também. Por exemplo, o estresse emocional crônico. Já foi comprovado que o estresse emocional crônico produz inflamação crônica; o corpo todo reage de maneira inflamatória. E a partir desse tipo de inflamação produzem-se tumores malignos. Hoje sabemos que o estresse crônico afeta quase metade da população mundial. É por isso que eu digo que vivemos em um verdadeiro estado de guerra.
Na medicina ocidental contemporânea ainda persiste um enfoque no qual os distúrbios mentais são claramente separados dos físicos... e a esfera emocional da pessoa tem muito pouco protagonismo. Como você avalia esse enfoque?
Este enfoque é fruto do mesmo poder que gera uma materialização do conceito de vida. Então tudo começa a ser visto a partir de uma perspectiva materialista. Assim, se um paciente tem ansiedade, entende-se que há um neurotransmissor em sua cabeça que não funciona bem, porque ele pode ter falta de magnésio, potássio ou qualquer outra coisa... e fazem-se testes analíticos, etc. Mas não se atende a fatores pessoais; talvez seja porque o paciente discute frequentemente com sua parceira e fica angustiado com isso. E sim, claro, os neurotransmissores podem estar alterados: claro que estão, mas pela consciência “imaterial” de um problema. E quando isso é tratado no material, realmente não resolve o problema.
Na minha consulta, eu chamo a história clínica de uma pessoa de “história de vida”. Eu não pergunto à pessoa que vem ao meu consultório “o que está lhe acontecendo”. Peço-lhe que me conte um pouco sobre sua vida, suas preocupações, de onde vem, onde nasceu...
Existem muitas doenças que já deveriam ter desaparecido. Mas, em vez disso, elas se tornaram crônicas. E isso aconteceu porque os laboratórios de pesquisa não quiseram desenvolver o remédio para curar esta doença. Em vez disso, preferem tomar algo que a mantenha dependente. É mais lucrativo obter algo que combata o sintoma em vez da causa e que mantenha o paciente preso ao produto.
Mas é claro que, geralmente, para tratar as causas reais é preciso muita conversa com o paciente, muita proximidade, melhorar suas condições de vida em geral: exercícios, alimentação... é preciso humanizar a medicina, em definitiva, mediante estratégias naturais. Só então se deixa de precisar da pílula, do ansiolítico, ou o que for.
E a responsabilidade dos pacientes? Os cidadãos não deveriam talvez ser menos dependentes disso que se chama “autoridades da saúde”? E nesse sentido... não é alarmante o pouco conhecimento que as pessoas de hoje têm sobre o funcionamento do nosso próprio corpo, da função que cada órgão tem e de como remediar nossos distúrbios? Esse grau de ignorância sobre o nosso próprio organismo não é disfuncional em si mesmo?
Sim, e é muito alarmante. Porque nem na escola, nem no ensino médio, nem na universidade se educa a pessoa para que gere mecanismos de cura por si mesmo. Nós temos um enorme potencial de cura. Nós sozinhos! Sem a necessidade de intervenção de nenhum médico, de nenhum especialista.
Se eu pego uma criança, desde pequeno, e lhe ensino um pouco de anatomia, um pouco de fisiologia, um pouco de nutrição; se no ensino médio os jovens recebessem boas aulas de saúde, para o cuidado da saúde, etc.; e se lhes fosse ensinado a importância de uma boa dieta, o valor e a importância de cada tipo de alimento... poderiam acabar descobrindo, por exemplo, que na cultura ocidental, atualmente, não dispomos de nenhum meio para comprar normalmente alimentos saudável. Todos os alimentos estão contaminados.
A que está se referindo?
Legumes, cereais, frutas, verduras... Qualquer alimento que vier do reino vegetal está completamente contaminado por pesticidas, fungicidas, inseticidas e fertilizantes nitrogenados. Isso é incorporado pela planta. E nós o comemos. A carne também está sujeita a processos contaminantes. Os peixes criados em cativeiro... para ter uma ideia, o salmão criado em cativeiro é o alimento mais contaminado do planeta.
E em relação aos alimentos industrializados, porque quanto mais processados estiverem os alimentos, mais contaminados estarão: os conservantes e os corantes obrigam o nosso corpo a travar uma verdadeira batalha para eliminá-los. E quando não consegue fazê-lo, tudo isso afeta os nossos neurotransmissores. E está comprovado cientificamente que muitas afecções de caráter psicológico e até mesmo doenças graves como a esclerose múltipla se devem a distúrbios da flora digestiva. Fala-se inclusive de um cérebro intestinal, porque há ali bilhões de bactérias que, dependendo de como nos alimentamos, mantêm ou não um equilíbrio. E se se desequilibram, interferem em nosso normal funcionamento orgânico e também psicológico, claro.
Voltando à sua pergunta: se a pessoa estivesse bem formada no conhecimento de sua própria saúde, decidiria sobre sua alimentação, e não a tomaria acriticamente e não a compraria, e isso afetaria a indústria da alimentação.
Algo semelhante acontece com o álcool e o tabaco. Não há consciência suficiente, nem se faz uma educação adequada. Porque, claro, a venda do álcool, que é uma droga muito forte, e do tabaco, que também mata, não é penalizada porque gera renda e uma economia muito grande. Se o Estado sabe que o tabaco mata – e é óbvio que eles sabem disso porque colocam nos maços –, por que sua venda continua permitida? A campanha do medo acontece porque eles sabem que a resposta que obtêm, especialmente por parte da juventude, é um desafio ao medo. Por isso, também não informam bem, não explicam nada sobre as 320 substâncias causadoras de dependência que um cigarro contém. Limitam-se a falar sobre a nicotina e o alcatrão, quando isso é praticamente a coisa menos nociva que um cigarro contém.
Você disse que o terapeuta, o curador, é uma figura que deveria desaparecer.
Eu sempre procuro dar aos meus pacientes as chaves para o cuidado de sua própria saúde: “tome este ou aquele alimento”, “comece a fazer este exercício em específico”, “medite cinco minutos por dia”, “faça uma massagem neste ponto aqui e aqui”. Quero que haja a menor dependência possível; quanto menos dependência, melhor.
Penso que o aparecimento da figura do médico é um fracasso da espécie. É também uma profissão muito difícil. Estamos sempre trabalhando com a dor e a morte, com pouquíssimos recursos. É uma profissão que poderá desaparecer quando o ser humano prestar atenção aos seus instintos afetivos, emocionais e amorosos, e, obviamente, souber criar uma relação com o entorno de não-agressão, de não-violência e de não-imposição.
Se tivesse que indicar a carência mais importante do nosso estilo de vida, qual apontaria?
A falta de amor. Acontece que é uma palavra que foi muito maltratada. Também poderíamos dizer “afeto”. Na medida em que isso está faltando, falta tudo. Tem razão a música que diz “All you need is love” (Tudo o que você precisa é amor), é verdade. Parece uma coisa boba, mas essa é a verdade.
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“Atualmente, o ser humano vive como um animal em cativeiro”. Entrevista com José Luis Padilla - Instituto Humanitas Unisinos - IHU