06 Novembro 2018
Na questão sobre as declarações do padre jesuíta Ansgar Wucherpfennig sobre a homossexualidade, os papéis parecem claramente definidos: de um lado o bravo livre pensador, do outro a cúria romana que quer silenciá-lo. Mas a verdade é muito mais banal. Uma busca nos bastidores.
O comentário é de Benjamin Leven e Lucas Wiegelmann, publicado por Herder-Korrespondenz, Nº. 72, novembro de 2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Se o fato é para ser atribuído à obra do Espírito Santo ou a influência do demônio, as opiniões são atualmente opostas, no entanto naquela infeliz entrevista a um jornal local, que na opinião de alguns homens da Igreja não está mais em circulação, no meio tempo realmente foi vista por todos, até mesmo pela cúria romana. Quando aquela entrevista foi feita, em outubro de 2016, nem o entrevistado, ou seja, o padre jesuíta Ansgar Wuchernpfennig, nem o jornalista do "Frankfurter Neue Presse" poderiam imaginar o que desencadearia. O título não prometia nada escandaloso: "Professor Wucherpfennig, o que é necessário para ser um bom jesuíta?". Mas o que podia ser lido algumas linhas abaixo sobre a relação da Igreja com a homossexualidade, deixou alguém tão enfurecido que agora, dois anos depois, a Igreja Católica tem um novo grande problema a resolver, e justamente no momento menos oportuno, em meio da agitação do debate sobre os abusos, recentemente re-detonado em nível mundial.
À primeira vista, o assunto diz respeito ao caso de um único professor universitário que se desequilibrou um pouco teologicamente. Mas, indo mais fundo, é muito mais. Trata-se de responder à questão de saber se a Igreja Católica precisa de uma nova maneira de se posicionar frente à homossexualidade. E se, no século XXI, liberdade científica e autoridade eclesiástica ainda devam estar harmonizadas. E finalmente, trata-se ainda do eterno enigma Francisco: o que realmente o papa tem em mente para a sua igreja? Para onde quer conduzi-la? As respostas a essas perguntas dependem principalmente dos cenários de soluções possíveis que estão sendo discutidos atualmente nos bastidores. E também de como exatamente ocorreram os eventos dentro da cúria. Se forem reconstruídos, apresenta-se um quadro surpreendente, que ameaça perturbar alguns padrões pré-determinados de amigos-inimigos na igreja.
Padre Ansgar Wucherpfennig, nascido em 1965, estudioso do Novo Testamento, deveria ter sido confirmado para o terceiro mandato como reitor da Philosophisch-Theologischen Hochschule Sankt Georgen.
Mas por enquanto não é possível, porque o Vaticano ainda não concedeu a necessária autorização. A razão para o atraso da cúria é a entrevista de Wucherpfennig ao Frankfurter Neue Presse em 2016, a propósito da qual chegaram reclamações ao Vaticano. Wucherpfennig tinha dito sobre a rejeição da homossexualidade pela igreja: "Minha impressão é que o problema mais profundo é que na Bíblia há pontos em parte ambíguos".
Como exemplo, Wucherpfennig citava a Carta aos Romanos. Naquele texto, no capítulo 1, fala-se de "torpeza" que Deus teria imposto a certos malfeitores. "... até as suas mulheres mudaram o uso natural, no contrário à natureza. E semelhantemente, também os homens,deixando o uso natural da mulher, se inflamaram em sua sensualidade uns para com os outros, homem com homem, cometendo torpeza e recebendo em si mesmos a recompensa que convinha ao seu erro. "(Romanos 1: 26-27 ).
Wucherpfennig não acredita que essas passagens por si só condenam a homossexualidade: "Nos tempos antigos as relações homossexuais eram relações de forte dependência e submissão servil", argumentava na entrevista. "O amor deveria ser uma relação igualitária e livre, não uma relação entre superior e inferior. Paulo queria dizer isso, eu acho".
Era meados de 2018 quando Wucherpfennig recebeu uma carta do geral dos jesuíta em Roma, enviada através do provincial dos jesuítas alemães em Munique. Na carta dizia-se que havia reclamações contra sua entrevista. Havia dois dicastérios vaticanos à espera de um esclarecimento: a Congregação para a Doutrina da Fé e a Congregação para a Educação Católica. Já em fevereiro, a Conferência da Sankt Georgener Hochschule, composta por professores, colaboradores e estudantes, havia escolhido o padre para um terceiro mandato na reitoria. Segundo o estatuto da escola, a eleição necessitava da confirmação da Congregação para a educação católica, sob a forma de uma "autorização". Que, no entanto, não chegou. Agora Wucherpfennig sabe o porquê.
As autoridades do Vaticano esperam uma declaração pública de Wucherpfennig, na qual ele reconheça "a doutrina sobre a avaliação moral dos atos homossexuais". Ele também deve declarar que está “de acordo com a doutrina eclesial do presbiterado reservado aos homens do sexo masculino”. De fato, em outro ponto da famigerada entrevista ele tinha questionado se seria certo "que o sacramento da confissão, ou seja, da reconciliação com Deus, só poderia ser administrado por homens". Tal declaração deve ser feita de forma equivalente e, portanto, de acordo com a interpretação dos jesuítas alemães, simplesmente por meio de outra entrevista na qual àquelas questões agora deve responder de maneira oposta.
No início, Wucherpfennig não rejeitou tais pedidos, pelo contrário, declarou-se pronto a reagir. Ele escreveu uma carta ao seu provincial e ofereceu, em caso de interpelação, reconhecer a posição romana sobre as questões controversas. Mas ele considerava que não poderia se dirigir novamente para o Frankfurter Neue Presse e pedir uma nova entrevista (...).
Para essa carta, que foi enviada ao Vaticano, Wucherpfennig até agora não recebeu resposta. A autorização não chegou. Enquanto isso, o tempo passa na Sankt Georg Hochschule. Em 1º de outubro, Wucherpfennig deveria ter iniciado seu mandato como reitor. Roma não deu sinais de querer respeitar as datas. Após o prazo, a direção teve que ser assumida pelo vice-reitor, e a história tornou-se de conhecimento público. E Wucherpfennig e seus coirmãos abandonaram toda reserva com os jornalistas e concederam entrevistas, até mesmo ao "Heute Journal". Desde então, os papéis nas mídias estão claramente divididos: de um lado a grande e má cúria, que quer tirar a palavra ao bravo livre pensador, do outro, o grande grupo de defensores solidários, jesuíta, teólogos, jornalistas, que não admitem que isso aconteça. Dessa forma, também aconteceu inicialmente que muitos meios de comunicação tiveram a impressão errada de que Roma havia demorado com a autorização. Esclarecimentos subsequentes de que esse não era o caso e que o processo ainda estava em andamento, se perderam no meio da indignação geral.
Sabe-se muito bem o que a Congregação para a doutrina da fé e para a educação católica têm a dizer sobre o procedimento e sua representação midiática. Mas eles rejeitam qualquer tomada de posição, apelando para o fato de que o processo está em andamento. De acordo com informações do "Herder Korrespondenz" na cúria havia, de fato, duvidas sobre as declarações de Wucherpfennig sobre a homossexualidade e a "confissão administradas por mulheres". Além disso, havia relatos de que Wucherpfennig também havia abençoado casais homossexuais - e, dizia-se, que isso nunca seria aprovado nem mesmo pelo Papa Francisco. E também é verdade que Roma está aguardando por uma declaração pública de Wucherpfennig sobre essas questões.
No entanto, olhando melhor, desaparece a impressão de que, nesse caso, uma central eclesial de visões limitadas mais uma vez queira punir alguém de maneira exemplar. Em vez disso, torna-se evidente uma nefasta mistura de confusão de competências e receosas indicações de normas que levaram a uma exposição indesejada. Uma pessoa que conhece como funcionam os dicastérios explica: "A coisa escapou completamente ao controle".
Na base da atual disputa interminável existe um documento da Congregação para a Educação Católica, raramente lido, com o título pomposo: "Regras para a concessão da autorização na nomeação dos professores de teologia católica em universidades estatais no âmbito Conferência Episcopal Alemã". As normas foram emitidas em março de 2010. Elas não derivam de uma fantasia de onipotência da Santa Sé, mas foram elaboradas a pedido dos bispos alemães. O então presidente da Conferência Episcopal, Arcebispo Robert Zollitsch, as recebeu agradecido.
O documento afirma, entre outras coisas, que a Santa Sé, no caso de interpelações em referência a um candidato, deve proceder pedindo "esclarecimentos". Assim, algum colaborador de tais autoridades prefere tirar informações, inclusive três vezes, antes de passar alguma pessoa e, talvez, ser chamado depois para responder. As normas também estipulam que o Vaticano deve tornar transparentes objeções levantadas contra o candidato e seus superiores e deve admitir diversas possibilidades de tomada de posição, enquanto todo o processo permanece estritamente confidencial e não público. Se uma declaração pública fosse necessária imediatamente, a situação permaneceria pendente. Segundo as competentes autoridades do Vaticano, considera-se que apenas foram seguidos os procedimentos prescritos.
A loucura normal de uma autoridade eclesial fez o restante. Parece que todos os prazos foram respeitados, considerando que muitas pessoas estão envolvidas em um discurso que nem sempre é claro. Assim, a cúria em um procedimento de autorização, não deve comunicar-se diretamente com o candidato, mas com seu superior. No caso de Wucherpfennig os burocratas vaticanos dirigiram-se para ao geral dos jesuítas em Roma, que deu a tarefa para a pessoa (não de língua alemã), responsável pela Europa Central e Oriental, para levar a questão ao conhecimento provincial alemão em Munique, que finalmente informou Wucherpfennig. Não surpreende que em tal cadeia de informações, o processo às vezes fique travado. Ainda mais quando a fase "quente" da correspondência caiu no verão, quando muitos valentes correspondentes decidem sair de férias, em vez de encaminhar as práticas relacionadas à autorização.
Agora, depois da gritaria pública, nos competentes escritórios romanos ninguém mais pensa nas férias e a diligência explodiu. Todas as pessoas envolvidas procuram febrilmente nos bastidores para encontrar uma solução para o conflito. Pelo que pode ser entendido no Vaticano, a Santa Sé não pretende se impor a todo custo, mas procura reduzir a tensão em relação à Hochschule Sankt Georgen. "Roma já perdeu a corrida para desfrutar da simpatia do público", diz uma pessoa lá de dentro. Até mesmo os conservadores temem que, se agora se tentasse impor com dureza no caso Wucherpfennig, isso poderia acabar sendo uma vitória de Pirro. A indignação geral foi tão forte que, no final, poderia ser questionado como um todo a jurisdição do Vaticano para semelhantes processo de nomeação.
Um cenário possível, então, seria que a cúria desse ao superior geral dos jesuítas carta branca: se ele quiser assumir a responsabilidade pela ortodoxia do padre Wucherpfennig, dizem eles, a cúria provavelmente não vai negar a autorização, e a Hochschule Sankt Georgen terá o reitor originalmente eleito. Ele ainda estaria disposto, mas de qualquer forma insinuou que, apesar do atual estado de incerteza, a simpatia que lhe foi dirigida o deixa muito feliz. "Estou feliz com tanta solidariedade. Então eu considero esses eventos como um momento muito positivo" declarou Wucherpfennig, em síntese, em uma nova entrevista à "Frankfurter Neue Presse”.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Muito barulho para nada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU