30 Outubro 2018
Para aqueles que esperavam que o Sínodo dos bispos sobre os jovens superaria as atuais divisões na Igreja Católica entre bispos e leigos, conservadores e reformadores, católicos LGBT e aqueles que consideram esse grupo como um oxímoro, o relatório final do Sínodo está fadado a desapontar.
O comentário é do jesuíta estadunidense Thomas J. Reese, ex-editor-chefe da revista America, dos jesuítas dos Estados Unidos, de 1998 a 2005, e autor de O Vaticano por dentro (Ed. Edusc, 1998). O artigo foi publicado por Religion News Service, 29-10-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Não deveria surpreender que o relatório aprovado em 27 de outubro pelos bispos que se reuniram ao longo do mês está cheio de generalidades. O amplo tema do Sínodo, “jovens”, não se prestava a detalhes específicos. Além disso, cada um dos 167 parágrafos precisava ser aprovado separadamente por uma votação de dois terços – 166 dos 249 bispos presentes. Isso encorajou o compromisso para obter os votos necessários.
Além disso, o documento de 60 páginas lida com uma série de questões: tratamento das mulheres na sociedade e na Igreja, a atitude da Igreja em relação aos membros LGBT, abuso sexual clerical, guerra, pobreza, migração, tráfico de seres humanos e corrupção. Com um número tão grande de tópicos, as generalidades são necessárias.
Mas, mesmo assim, as divisões na Igreja foram visíveis, como ilustra o tópico mais controverso do relatório, o ministério da Igreja aos homossexuais.
Depois de muito debate formal e informal no Sínodo, o relatório final retirou a sigla LGBT, que apareceu no primeiro rascunho. Mesmo assim, o parágrafo recebeu o menor número de votos “sim”, 178, apenas 12 a mais do que os dois terços exigidos. A maioria dos outros parágrafos teve votações favoráveis esmagadoras.
A oposição ao uso do termo “LGBT” veio de conservadores como o arcebispo Charles Chaput, da Filadélfia, que achava que o uso da expressão implicava um endosso ao estilo de vida gay.
Os bispos africanos também se opuseram ao termo, dizendo que essas questões não eram uma prioridade em seus países, embora alguns admitissem que, depois de lidarem com questões como as guerras civis, os refugiados e a pobreza, as questões LGBT podem vir à tona.
Mas mesmo essa declaração diluída tinha algumas coisas positivas a dizer. Ela afirma que “Deus ama cada pessoa, e assim faz a Igreja”, e reafirma a oposição da Igreja a “toda discriminação e violência com base sexual”. O primeiro esboço era mais específico com uma condenação da violência baseada na “orientação sexual”.
O documento do Sínodo também fala de “caminhos de acompanhamento na fé de pessoas homossexuais”, em que “as pessoas são ajudadas a ler a própria história; a aderir com liberdade e responsabilidade ao próprio chamado batismal; a reconhecer o desejo de pertencer e contribuir com a vida da comunidade; a discernir as melhores formas para realizá-lo”.
Francis DeBernardo, diretor executivo do New Ways Ministry, que defende os católicos LGBT, aplaudiu o apelo por uma “elaboração antropológica, teológica e pastoral mais profunda da sexualidade e da afetividade”. Ele interpretou isso como a admissão por parte dos bispos “de que a Igreja ainda tem muito a aprender sobre sexualidade”.
DeBernardo viu um reconhecimento da liderança do Papa Francisco no relatório, que, escreveu DeBernardo, “reforça a proibição das relações entre pessoas do mesmo sexo, embora faça isso de uma maneira típica do Papa Francisco: ele não usa linguagem condenatória, mas, em vez disso, endossa o modelo heterossexual como ideal”.
O relatório também tem uma linguagem muito forte sobre as mulheres na Igreja, citando a necessidade de aumentar sua tomada de decisões “em todos os níveis” e falando da “urgência de uma mudança inevitável”.
Os bispos reconhecem que o ensinamento da Igreja sobre as diferenças inerentes entre homens e mulheres pode levar a “formas de dominação, exclusão e discriminação das quais todas as sociedades e a própria Igreja precisam se libertar”.
Curiosamente, os bispos evitaram usar a palavra “complementaridade”, um termo de João Paulo II que as feministas consideram humilhante, referindo-se apenas à “reciprocidade entre homem e mulher”.
Mas o documento não abriu caminho para a ordenação de mulheres ao sacerdócio ou ao diaconato. Nem pediu a permissão de que as mulheres votem no Sínodo, o que havia sido uma polêmica fora da assembleia sinodal. A ausência desse tipo de especificidade é decepcionante, mas não surpreendente.
O documento também inclui um título sobre o pedido de desculpas pelos abusos, mas, embora os bispos expressem gratidão às vítimas que se apresentaram, os parágrafos seguintes não incluem desculpas. Os cinco parágrafos do rascunho anterior foram reduzidos a três, e a linguagem que endossava a “tolerância zero” aos abusos foi abandonada, pedindo, em vez disso, “a adoção de rigorosas medidas de prevenção”.
Essa foi claramente uma oportunidade perdida, e o desastre do Sínodo sobre essa questão mostra a importância da reunião de fevereiro de 2019 entre os presidentes das Conferências Episcopais que o papa chamou para discutir o abuso sexual.
Os bispos da África e do mundo em desenvolvimento objetaram que o documento de trabalho do Sínodo e o primeiro esboço do relatório final estavam excessivamente focados nas questões do Primeiro Mundo, e não nas preocupações dos seus jovens. O relatório final foi reforçado no tratamento da guerra, pobreza, refugiados, migração, tráfico humano e corrupção. O cardeal Blase Cupich, de Chicago, desempenhou um papel na defesa desses tópicos.
“A preocupação da Igreja diz respeito particularmente àqueles que fogem da guerra, da violência, da perseguição política ou religiosa, dos desastres naturais devidos também às mudanças climáticas e da pobreza extrema”, disse o relatório.
Aqueles que já tinham estado em Sínodos anteriores disseram que este Sínodo foi o menos controverso – alguns o chamaram de “alegre” e “esperançoso”, graças à presença de jovens na assembleia. Deve-se notar que esses jovens eram todos “bons católicos”, envolvidos na Igreja; alguns até atuam em ministérios de jovens católicos. O grande número de jovens que abandonaram a Igreja estava presente apenas nas lembranças desses jovens auditores em relação a amigos e familiares que haviam partido.
Os Sínodos com João Paulo II e Bento XVI eram muito mais controlados, em que os cardeais da Cúria diziam aos membros do Sínodo o que poderia e o que não poderia ser discutido.
Mas experientes participantes do Sínodo elogiaram esta edição pelos extensivos preparativos de seus organizadores, incluindo a reunião do papa em março passado com os jovens. Embora alguns comentaristas anti-Francisco tentassem retratar o Sínodo como “manipulado”, não se ouvia isso dos participantes. Ao contrário, eles falavam do diálogo aberto e das conversas que ocorreram, especialmente nos pequenos grupos divididos por idioma.
Houve alguns furos: o documento final está disponível apenas em italiano, uma deficiência real para os membros votantes que não falam essa língua. Essa não é uma boa forma para administrar uma organização internacional.
Talvez o maior fruto do Sínodo sejam os bispos que abraçaram o processo sinodal. O processo envolveu o fato de olhar para a vida real dos jovens, escutá-los, refletir sobre a situação deles à luz do Evangelho, e só então elaborar programas para responder às suas necessidades.
Isso é bem diferente da abordagem tradicional da Igreja de tentar enfiar os seus ensinamentos e programas goela abaixo dos jovens. Se os bispos internalizassem esse processo e o usassem em seus países e dioceses, esse seria o maior fruto do Sínodo.
O Papa Francisco quer que a Igreja Católica se torne uma Igreja sinodal, uma Igreja discernente, que escuta e responde à realidade, em vez de simplesmente impor velhas soluções que não funcionam mais. Francisco se dá conta de que a Igreja deve se tornar uma Igreja da escuta e do acompanhamento, se quiser ajudar as pessoas.
Infelizmente, nem todos os bispos entenderam isso. Cinquenta e um bispos, 20% dos votantes, votaram contra o parágrafo que encoraja a sinodalidade na Igreja.
Alguns bispos insistiram em acrescentar uma referência a Jesus e aos discípulos no caminho para Emaús como um exemplo bíblico do processo sinodal.
Essa é verdadeiramente uma história magnífica, mas, se os bispos acham que eles são Jesus e que os jovens são os discípulos, eles perderam o ponto que Francisco estava tentando levantar. Todos somos discípulos, e a confusão dos discípulos antes que Jesus se unisse a eles é o reflexo de toda a Igreja. Ou, em outras palavras, às vezes, Jesus pode ser o jovem que explica as coisas aos bispos.
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Bispos católicos encerram Sínodo entre polêmicas e compromissos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU