02 Outubro 2018
"A industrialização e o rápido crescimento populacional em curso nos países em desenvolvimento significa aumento das emissões, sendo que os países em desenvolvimento apresentam as maiores taxas de liberação de carbono e metano. Os autores argumentam que o menor crescimento populacional poderia reduzir as emissões globais em 40% ou mais no longo prazo. Desta forma, claramente, a população importa para o clima", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 01-10-2018.
“O Sistema Terra pode estar se aproximando de um limiar planetário que poderá tornar inevitável o caminho rápido e contínuo em direção a condições muito mais quentes – Terra Estufa” Will Steffen et. al., 2018
O crescimento exponencial da população e da economia fez com que a humanidade ultrapassasse a capacidade de carga da Terra, provocando uma degradação generalizada dos ecossistemas e a redução da biodiversidade do Planeta. Como alertou importante estudo liderado por Will Steffen et. al. (2018): “Nossa análise sugere que o Sistema Terra pode estar se aproximando de um limiar planetário que poderá tornar inevitável o caminho rápido e contínuo em direção a condições muito mais quentes – Terra Estufa”
Indubitavelmente, o mundo caminha para um colapso ambiental que pode se tornar também um colapso civilizacional. Porém, existe um tabu que é pouco discutido e que acelera este processo: o volume e o crescimento da população mundial. Tratar esta questão é uma tarefa urgente e deveria estar na pauta da 48ª Sessão do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC), que acontece em Incheon, na Coreia do Sul, nesta semana de 01 a 05 de outubro de 2018.
O respeitado demógrafo John Bongaarts e o reconhecido cientista do clima, Brian C. O’Neill, se uniram para demonstrar por que os ativistas do clima e os formuladores de políticas deveriam incorporar a dinâmica demográfica às análises climáticas. Em um ensaio publicado na influente Revista Science Magazine eles defendem a ideia de que a redução do ritmo de crescimento populacional é essencial para a mitigação do aquecimento global.
Os autores começam o artigo perguntando: “Será que a desaceleração do crescimento da população humana diminuirá os impactos futuros das mudanças climáticas antropogênicas?”. Ao invés dos 11,2 bilhões de habitantes projetados para o final do século, pela Divisão de População da ONU, o mundo pode evitar o acréscimo de 3,6 bilhões de pessoas, reduzindo o potencial de emissão de quantidade de gases de efeito estufa. No entanto, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) tende a ignorar ou subestimar os efeitos do crescimento populacional sobre o aquecimento global. Bongaarts e O’Neill abordam quatro percepções equivocadas que acreditam confundir o IPCC sobre a questão demográfica:
Os autores atribuem esse equívoco a vários fatores, tais como 1) a crença de que a taxa de fecundidade cairia rapidamente em todos os continentes, inclusive na África Subsaariana; 2) a crença de que a defesa da saúde e dos direitos reprodutivos proposta pela Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), de 1994, seria suficiente para a universalização da saúde reprodutiva e se atingir a fecundidade abaixo do nível de reposição; 3) a crença de que o espectro da fome já está superado e que a Terra tem capacidade de produzir todo o alimento que a humanidade necessita.
Existem 85 milhões de gravidezes não desejadas e 32 milhões de nascimentos não planejados a cada ano no mundo e Bongaarts e O’Neill apontam o óbvio: evitar gravidezes não planeadas reduziria o ritmo de crescimento da população imediatamente. Os países que implementaram o direito à saúde reprodutiva, como Etiópia, Malawi e Ruanda tiveram declínios acentuados na fecundidade. Os autores consideram que os programas de planejamento familiar são investimentos excepcionalmente de baixo custo para os governos e geram resultados muito positivos para o aumento do bem-estar das populações. As políticas populacionais democráticas funcionam e são efetivas.
Bongaarts e O’Neill reconhecem que as emissões passadas e atuais são atribuíveis principalmente ao crescimento econômico (alimentado por combustíveis fósseis) nos países desenvolvidos. Eles também nos lembram da verdade incontestável que, até agora, os países de alta renda são quase totalmente responsáveis pelas emissões de carbono. No entanto, novas pesquisas e modelagem sofisticada demonstram que o que crescimento da população vai desempenhar um papel cada vez mais importante no futuro.
A industrialização e o rápido crescimento populacional em curso nos países em desenvolvimento significa aumento das emissões, sendo que os países em desenvolvimento apresentam as maiores taxas de liberação de carbono e metano. Os autores argumentam que o menor crescimento populacional poderia reduzir as emissões globais em 40% ou mais no longo prazo. Desta forma, claramente, a população importa para o clima.
Bongaarts e O’Neill defendem uma política sensível e holística sobre a população humana e suas sub questões relacionadas e advogam por intervenções que aumentem os direitos humanos, como o planejamento familiar voluntário e a melhoria da educação. Isto não deveria ser controverso, mas, infelizmente, sabemos que é.
Existe a oposição tradicional de grupos religiosos e sociais conservadores. Mas também existe a oposição de alguns liberais e defensores dos direitos humanos que temem que admitir publicamente que a população importa para o clima poderia automaticamente à coerção e abusos dos direitos humanos. Evidentemente, qualquer tipo de autoritarismo e abuso tem que ser evitado. Além disto, muitas pessoas da comunidade de estudo das mudanças climáticas acreditam que tratar da política de população pode levar à culpabilidade dos países pobres por problemas criados pelos países ricos.
Embora essa crença seja real, isso não muda o fato de que o crescimento populacional nos países em desenvolvimento apresenta desafios para o clima e o desenvolvimento e priva a comunidade internacional de uma importante alavanca política para melhorar o bem-estar humano.
Para Bongaarts e O’Neill, o IPCC deveria incluir recomendações de políticas relacionadas à população para mitigação e/ou adaptação das mudanças climáticas em suas futuras publicações – incluindo contabilidade de custos e benefícios, barreiras à implementação e sinergia com os objetivos e a metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Eles também sugerem a inclusão de mais cientistas sociais com experiência em saúde reprodutiva e política populacional a serem incluídos no IPCC. Finalmente, os autores pedem à comunidade ambiental e às instituições internacionais de desenvolvimento que adotem análises cientificamente sólidas da política populacional e dos programas de saúde reprodutiva, baseados em direitos humanos.
Referências:
Will Steffen. Trajectories of the Earth System in the Anthropocene, Harvard University, Cambridge, MA, July 6, 2018
John Bongaarts, Brian C. O’Neill. Global warming policy: Is population left out in the cold?, Science 17, Vol. 361, Issue 6403, pp. 650-652, Aug 2018: DOI: 10.1126/science.aat8680
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População, mudanças climáticas e o IPCC - Instituto Humanitas Unisinos - IHU