17 Setembro 2018
“Não se pode crer em Deus e ser mafioso. Quem é mafioso não vive como cristão, porque blasfema com a vida o nome de Deus amor”. No grande gramado verde do Foro Itálico de Palermo, as palavras do Papa ecoam com dureza: “Aos mafiosos eu digo: irmãos e irmãs, parem de pensar em vocês mesmos e no dinheiro. Vocês já sabem, o sudário não tem bolsos e não poderão levar nada. Convertam-se ao Deus verdadeiro, Jesus Cristo, queridos irmãos e irmãs! Do contrário, sua própria vida se perderá e será a pior das derrotas”.
A reportagem é de Salvatore Cernuzio, publicada por Vatican Insider, 15-09-2018. A tradução é de Graziela Wolfart.
Vinte e cinco anos depois do grito de João Paulo II no Vale dos Templos siciliano “Convertam-se!”, e quatro anos depois da excomunhão que ele próprio lançou em Síbaris, na Calábria, Bergoglio volta a falar contra a máfia, praga estendida pelo sul da Itália e no mundo [todo], e contra todos seus membros, autores de violência e homicídios, como o do padre Pino Puglisi, assassinado em um dia como hoje, mas de 1993.
“Precisamos hoje de homens de amor, não de homens de honra; de serviço, não de submissão; caminhar juntos, não perseguir o poder”, disse Francisco em sua primeira fala palermitana, diante de aproximadamente 80 mil pessoas que o esperavam naquela enorme área verde às margens do Mediterrâneo.
Em sua homilia, o Pontífice demonstra que é completamente diferente a lógica de quem segue o Pai e a de quem segue o “padrinho”: “Se a Itália mafiosa significa: “Tu não sabe quem eu sou”, a Itália cristã é: “Eu preciso de ti”. Se a ameaça mafiosa representa: “Você me paga!”, a oração cristã é: “Senhor, ajuda-me a amar”. Por isso digo aos mafiosos: mudem!”.
O Papa tomou como ponto de partida para sua reflexão as leituras de hoje, nas quais “Deus nos fala da vitória e da derrota”. Jesus diz no Evangelho: “Quem ama a própria vida, a perderá”. “Esta é a derrota: perde quem ama a própria vida. Por quê? Seguramente não porque tenha que odiar a própria vida: é preciso amar e defender a vida, o primeiro dom de Deus! O que leva à derrota é amar a própria vida, amar o que lhe é próprio. Quem vive para si próprio, perderá. Poderia parecer o contrário. Quem vive para si, quem multiplica os ganhos, quem tem sucesso, quem satisfaz plenamente suas necessidades, parece vencedor aos olhos do mundo”, destaca Francisco. “A publicidade nos bombardeia com esta ideia, mas Jesus não está de acordo e a inverte. Segundo Ele, quem vive para si não só perde algo, como a vida inteira; enquanto que quem se dá, encontra o sentido da vida e vence”.
Então, é preciso escolher: “amor ou egoísmo”. O egoísta se preocupa com “a própria vida e se apega às coisas, ao dinheiro, ao poder, ao prazer. Desta maneira, abre a porta para que o diabo entre, fazendo-o pensar que está tudo bem, mas na realidade o coração se anestesia. Este caminho sempre acaba mal: no final se acaba em solidão, vazio interior”.
O amor se traduz, pelo contrário, no “dar-se”. “Viver para Deus e para os outros é um grande esforço por nada, o mundo não gira desta maneira: para seguir em frente não são necessários grãos de trigo, mas dinheiro e poder. Mas é uma grande ilusão: o dinheiro e o poder não libertam o homem, tornam-no escravo”, afirma Bergoglio. “Vejam: Deus não exerce o poder para resolver nossos problemas e os males do mundo. Seu caminho é sempre o do amor humilde: só o amor liberta por dentro, dá paz e alegria. Por isso o verdadeiro poder, o poder segundo Deus, é o serviço. E a voz mais forte não é a de quem grita mais, mas a da oração. E o maior sucesso não é a própria fama, mas o próprio testemunho”.
Então é preciso “escolher de que lado se está”, esclarece o Papa: “viver para si ou doar a vida. Somente dando a vida se derrota o mal”. É o ensinamento oferecido por dom Pino Puglisi com sua vida, sua obra, seu martírio. O sacerdote “não vivia para ter visibilidade, não vivia de chamados antimáfia e muito menos se conformava com [a postura de] não fazer nada errado, mas semeava o bem, muito bem. A sua lógica parecia perdedora, e parecia que a lógica da carteira era a vencedora”. Mas o padre Pino tinha razão: “A lógica do deus-dinheiro é perdedora”, insiste o Pontífice. “Vejamos. Ter sempre impulsiona o querer: tenho uma coisa e imediatamente quero outra e logo mais outra, cada vez mais, sem fim. Quanto mais se tem, mais se quer; é uma dependência horrível. É como uma droga! Quem se enche de coisas, explode. Quem ama, pelo contrário, encontra a si mesmo e descobre que bonito é ajudar, que bonito é servir. Encontra a alegria por dentro e o sorriso por fora”. Assim foi a vida de dom Pino.
O Papa Francisco recordou seu assassinato, em 15 de setembro de 1993, quando completou 56 anos, do lado de fora de sua casa, no bairro Brancaccio, onde dava sua vida pelas crianças, pelos jovens e pelas famílias. Um disparo na nuca. Mas ele “coroou sua vitória com o sorriso, com esse sorriso que não deixou seu assassino dormir, que afirmou: ‘Havia uma espécie de luz naquele sorriso’”, recorda o Papa. “O padre Pino era indefeso, mas seu sorriso transmitia a força de Deus: não um brilho que cega, mas uma luz gentil que escava por dentro e ilumina o coração”.
Necessitamos “tantos sacerdotes de sorriso, cristãos do sorriso, não porque tenham uma perspectiva simplista, mas porque são ricos somente com a alegria de Deus, porque acreditam no amor e vivem para servir”, disse o Papa. “Don Pino – continua – sabia que arriscava, mas sabia, sobretudo, que o perigo verdadeiro na vida é não arriscar”, é “viver entre comodidades, atalhos. Que Deus nos livre de viver por baixo, nos conformando com meias verdades. Que Deus nos livre de uma vida pequena, que gira ao redor do dinheiro. Que nos livre de pensar que tudo está bem se para mim está tudo bem. Que nos livre de nos considerar justos se não fazemos nada para combater a injustiça. Que nos livre de achar que somos bons somente porque não fazemos nada de mal”.
“Aos outros a vida se dá, não se tira”, insiste o Papa. “Não se pode crer em Deus e odiar o irmão”. Deus é amor, “repudia qualquer violência e ama a todos os homens. Por isso, a palavra ódio deve ser apagada da vida cristã, por isso não se pode crer em Deus e subjugar o irmão”.
E não é só isso: “Não se pode seguir Jesus com as ideias, é preciso pôr as mãos à obra”. Dom Pino repetia sempre: “Se cada um fizer algo, pode-se fazer muito”. Diante d’Ele, exorta, cada um deve se perguntar: “O que eu posso fazer? O que eu posso fazer pelos outros, pela Igreja?”. A resposta é clara: “Não espere que a Igreja faça algo por ti. Começa tu mesmo”, aconselha o Pontífice. “Não espere pela sociedade, comece! Não pensa em ti mesmo, não fujas de tua responsabilidade, escolha o amor! Sinta a vida das pessoas necessitadas à tua volta, escuta teu povo”. Este, destaca o Papa, “é o único populismo possível, o único ‘populismo cristão’: escutar e servir ao povo, sem gritar, acusar e provocar brigas”.
Isto é o que dom Pino Puglisi fez, “pobre entre os pobres” de sua terra. “Em sua casa, a cadeira onde estudava estava quebrada. Mas a cadeira não era o centro da vida, porque não estava ali sentado descansando, mas vivia a caminho para amar”, disse Francisco. “Esta é a mentalidade vencedora. Esta é a vitória da fé, que nasce do dom diário de [dizer] sim. Está aqui a vitória da fé, que leva o sorriso de Deus às ruas do mundo. Está aqui a vitória da fé, que nasce do escândalo do martírio”. “Não há amor maior do que este: dar sua vida pelos próprios amigos”. Estas palavras de Jesus, escritas na lápide de dom Pino, lembram a todos nós “que dar a vida foi o primeiro segredo de sua vitória, o segredo de uma vida bela”. “Hoje – conclui o Papa Bergoglio – nós também escolhemos uma vida bela”.
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“Quem é mafioso não é cristão, blasfema com a vida” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU