14 Setembro 2018
“A diferença entre os países em que mais se respeita a vida e os que mais se desdenha dela são os controles à venda de armas. Quanto mais rigorosos são, menores são as incidências”, escreve Sergio Muñoz Bata, escritor e comentarista político, em artigo publicado por Letras Libres, 03-09-2018. A tradução é do Cepat.
Nos primeiros cinco meses de 2018, nos Estados Unidos, o número de estudantes assassinados em suas escolas superou o número de soldados estadunidenses mortos em combate nesse mesmo período: 27 jovens e quatro adultos morreram em tiroteios nas escolas e 13 soldados no campo de batalha. O número não inclui os 29 militares que morreram acidentalmente em práticas de treinamento, não por arma de fogo.
O dado, publicado no Washington Post, me estremeceu, talvez porque meus netos estão em idade escolar, mas também me fez duvidar da validade do comparativo. Até que ponto este recorte de cinco meses é reflexo da realidade? Será certo que as armas de fogo nas mãos de civis são mais letais que as dos soldados em conflitos armados?
Minhas dúvidas foram resolvidas por um artigo publicado no último número da prestigiada revista da Associação Médica estadunidense que reporta que, em 2016, mais de um quarto de milhão de pessoas morreram em 195 países por causa das mais de 1 bilhão de armas de fogo que hoje estão nas mãos das pessoas.
A reportagem da JAMA não inclui mortos em guerras, assassinatos massivos ou ataques terroristas, mas aponta que entre 1990 e 2016, o número de mortos em combate foi apenas uma mínima fração do número de homicídios, suicídios e acidentes com armas de fogo.
Para aprofundar meu mal-estar, li também que mais da metade dessas mortes ocorreram em seis países do continente americano. Brasil, Estados Unidos, México, Colômbia, Venezuela e Guatemala.
A ausência de Honduras e El Salvador na lista da JAMA me surpreendeu porque nos dois países a taxa de homicídios é menor que no Brasil e Estados Unidos, mas maior que nos outros quatro países mencionados no artigo.
Outro dos resultados do estudo da JAMA é que em países ricos como Austrália, Canadá, Alemanha e Estados Unidos, o número de suicídios com arma de fogo é maior que o de homicídios, mas menor ao de mortes acidentais. Nos Estados Unidos, onde habitam 4.3% da população mundial, o suicídio com arma de fogo representa 35% de todos os suicídios no mundo.
Os americanos, sobretudo os jovens, são mortos em escolas, templos, centros de trabalho, centros noturnos e parques públicos. Contudo, a taxa de adultos maiores de idade, em sua maioria brancos, que se suicidaram em suas casas é o dobro que a de homicídios.
O estudo repete um dado que ainda que para mim seja óbvio, sua validade continua sendo disputada por um setor muito amplo da opinião pública nos Estados Unidos. A diferença entre os países em que mais se respeita a vida e os que mais se desdenha dela são os controles à venda de armas. Quanto mais rigorosos são, menores são as incidências.
Em Singapura, por exemplo, o risco de que alguém morra por um tiro é de 1 em um milhão, e de 2 em um milhão no Japão. Nos Estados Unidos, o número é de 106 em um milhão.
As causas da violência variam de país a país, bem como a capacidade ou incapacidade dos governos para a controlar. E embora obedeça a causas como o comércio ilícito de drogas, o consumo de álcool, a falta de serviços de saúde mental e de mecanismos de proteção para mitigar a violência doméstica, a pobreza, a debilidade das instituições, a falta de profissionalização das corporações policiais e a corrupção, o comum denominador é a crescente proliferação de armas de fogo em todos estes países, inclusive naqueles onde existem mecanismos mais ou menos rigorosos para controlar sua venda.
No México, por exemplo, a venda legal de armas é sumamente restringida, mas o comércio ilegal é maiúsculo. Considere por exemplo que entre 2009 e 2014, mais de 70% das armas apreendidas pelo governo mexicano foram vendidas nos Estados Unidos e transportadas ilegalmente ao México. Estima-se que anualmente 253.000 armas de fogo cruzam a fronteira entre Estados Unidos e México.
A conclusão do estudo é clara: “As armas de fogo são um importante problema de saúde pública, e seu custo social e econômico se estende para além da imediata perda de vidas”. O que não fica nada claro é como solucionar o problema.
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A globalização da violência - Instituto Humanitas Unisinos - IHU