21 Agosto 2018
Três décadas após surgir, o desafio de alterar comportamentos nas organizações continua na agenda dos gestores.
O artigo é de Thomaz Wood Jr., publicado por CartaCapital, 20-08-2018.
Para as empresas, os anos 1990 foram pródigos em mudanças. Globalização, abertura dos mercados, desregulamentação e privatizações transformaram a ecologia organizacional. Fusões, aquisições e reestruturações alteraram o cenário corporativo. Nas empresas, estratégia, tecnologia, processos e estrutura foram objetos de mudanças.
Entretanto, faltava algo na equação: práticas e comportamentos inadequados pareciam emperrar as mudanças. Então, a nascente indústria do management, máquina geradora de modas gerenciais, produziu um culpado: uma tal de cultura organizacional.
O efeito foi imediato: autores de autoajuda corporativa abraçaram o conceito, revistas de negócios lhe destinaram manchetes e consultores logo surgiram com métodos supostamente efetivos para mudar a cultura.
A moda pegou e, supreendentemente, perdura até hoje. Empresas de todo porte continuam criando e divulgando listas de traços culturais que querem promover. Quem viu uma dessas listas viu todas. Temas como meritocracia, foco no cliente, trabalho em equipe, busca de resultados e excelência nas operações estão quase sempre presentes.
Entretanto, apesar da persistência de executivos e consultores, a taxa de insucesso em projetos de transformação organizacional continua alta. José Renato Salles, orientado por este escriba, recentemente defendeu dissertação sobre as dificuldades para conduzir mudanças. Salles entrevistou presidentes e diretores de grandes empresas no Brasil.
As informações coletadas permitiram identificar dois obstáculos e três erros comuns à transformação cultural. O primeiro obstáculo é a resistência vinda de padrões dos comportamentos existentes. O sucesso passado e o jeito consolidado de fazer as coisas dificultam e, em muitos casos, chegam a impedir mudanças.
O segundo obstáculo relaciona-se a traços da cultura brasileira, tais como o personalismo, a postura de espectador, o baixo nível de responsabilidade com resultados, a tolerância a práticas ilícitas e o comportamento de vítima. Mudar tais traços exige trabalho intenso e pode estar além da capacidade de organizações individuais.
O primeiro erro tem origem na forma de tratar o tema em organizações de grande porte, que contam com diferentes unidades de negócios e, consequentemente, podem ter distintas subculturas. Ao ignorar a diversidade, induz-se uma mudança de discurso sem correspondência com a realidade.
O segundo erro relaciona-se à tentativa de mimetizar empresas de sucesso. Ocorre que nem tudo que reluz é ouro. Além disso, o que funciona bem em um contexto pode não funcionar em outros.
O terceiro erro refere-se à onipotência de muitos líderes de mudanças, que pode levá-los a simplificar o processo. Eles centram-se em slogans, discursos e artefatos em lugar de tratar das questões mais profundas relacionadas à mudança.
Mudanças estratégicas e comportamentais podem ser essenciais para a adaptação das organizações aos seus ambientes. Muitas delas sofrem lento processo de declínio, sem perceber que o mundo ao redor mudou. Dirigir com os olhos fixos no retrovisor pode ser fatal.
O que fazer? Salles acredita que quatro fatores são fundamentais para o sucesso da mudança: primeiro, o alinhamento dos principais líderes da organização sobre os benefícios e desafios do processo; segundo, a consciência deste mesmo grupo sobre o que poderão ganhar e perder pessoalmente; terceiro, o envolvimento de líderes da média gestão; quarto, o desenvolvimento de competências para gerenciar as mudanças. Sem tais condições, dificilmente a transformação será bem-sucedida.
A cultura organizacional é o produto da história da organização, da ação de seus líderes, da soma de incontáveis decisões e práticas, cujos resultados vão, ao longo do tempo, definindo as formas aceitas e não aceitas de comportamento. Seus traços são, ao mesmo tempo, reflexo e parte dessa história. Não mudam apenas com discursos e slogans.
É preciso reinventar estratégias, processos, práticas e sistemas. Para conseguir mudanças comportamentais duradouras, é preciso explicá-las, justificá-las, capacitar os quadros nas novas práticas e alinhar os sistemas de incentivo. Frequentemente, é preciso renovar drasticamente a liderança. Não há solução mágica. O trabalho é desafiador e complexo. Se malconduzido, gera frustração e cinismo.
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A miragem da mudança cultural. Desafio de alterar o comportamento nas organizações - Instituto Humanitas Unisinos - IHU