15 Agosto 2018
"Um papa vindo ao último reduto do fanatismo medieval nessas ilhas e sendo bem-vindo por todos teria sido de grande importância", afirma jornalista irlandês, católico", sobre a ida do Papa Francisco a Dublin e sobre o fato de não ter incluído no roteiro a visita à Irlanda do Norte.
A reportagem é de John Allen Jr., jornalista, em artigo publicado por Crux, 14-08-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Em julho, no período que antecedeu o anúncio do Vaticano do itinerário da visita do Papa Francisco a Dublin, nos dias 25 e 26 de agosto, para o Encontro Mundial das Famílias, houve uma considerável agitação em torno da ideia de uma rápida parada na Irlanda do Norte - possivelmente para encontrar a rainha Elizabeth II, e possivelmente sozinho.
Em resumo, parecia algo natural para o “papa das periferias”. Francisco é obviamente apaixonado por reconciliação e diálogo, por quebrar ciclos de violência e desconfiança, especialmente onde as cicatrizes do conflito são mais profundas. Além disso, é bem sabido que a última vez que um papa veio para a Irlanda, São João Paulo II queria visitar o norte, mas foi impedido por razão de segurança - um obstáculo que já não atrapalharia quase 40 anos mais tarde.
No entanto, Francisco não pretende ir. As razões usuais dadas - as complicações diplomáticas de atravessar uma fronteira nacional, o fato de que a Irlanda do Norte está em turbulência política agora e a presença do papa poderia desestabilizar ainda mais a situação, e, por isto, mesmo que fosse apenas uma parada no norte poderia ofuscar o Encontro Mundial das Famílias - chega a muitos observadores como menos do que convincentes.
No Crux, estávamos curiosos para saber como os cerca de dois milhões de católicos da Irlanda do Norte estão se sentindo em relação a falta da visita papal. Esta semana, Inés San Martín, nossa chefe do departamento de Roma; Claire Giangravé, nossa correspondente da Faith and Values; e eu estamos viajando pela Irlanda do Norte, em parte para tentar descobrir a reação dos locais sobre o assunto.
Ouvi de um velho amigo meu que os católicos por aqui não estão muito felizes pelo fato de que, mais uma vez, um papa estará na porta ao lado, mas não se importará em lhes visitar.
"Não é algo a se passar desapercebido", disse Martin O'Brien, um dos jornalistas mais ilustres da Irlanda do Norte e, provavelmente, o escritor e comentarista mais conhecido sobre assuntos católicos. Eu o conheço há quase vinte anos.
"Há uma decepção especialmente profunda entre os católicos que levam a fé muito a sério", disse ele.
Nascido no Condado de Fermanagh, O'Brien começou como repórter do Belfast Telegraph em 1978. Ele trabalhou para a BBC por 28 anos e, durante 15 desses anos, produziu um programa semanal aos domingos em Belfast - o que o tornou o repórter religioso mais proeminente em um dos lugares mais religiosamente conturbados da terra.
Agora, ele está no mercado por conta própria, fazendo freelance como escritor/ comunicação / consultor de mídias / treinamento / redação de discurso e coaching de fala, além de servir como Correspondente do Norte em tempo parcial para os nossos amigos da The Irish Catholic.
Como O'Brien nos falou, esta é na verdade a quarta vez que um papa viajou para algum lugar nas Ilhas Britânicas sem parar na Irlanda do Norte:
O’Brien disse que a omissão dói, e não porque isso significa que "o principal pastor da Igreja não vem visitar seu rebanho aqui".
Mais do que isso, sugeriu, os católicos aqui sentem que têm um direito especial ao amor do papa.
"Dado tudo o que passamos, e dado que este papa é provavelmente a maior voz moral do mundo hoje, é difícil entender por que ele não veio aqui para falar sobre nossas experiências e os desafios que enfrentamos", disse O’Brien.
Perguntamos a O’Brien o que ele achava que seria o custo da oportunidade perdida no não comparecimento de Francisco ... em outras palavras, o que poderia ter acontecido se ele viesse?
"Você não pode subestimar o impacto de certos eventos profundos, que se tornaram grandes símbolos de reconciliação aqui", disse ele. "Essas coisas podem fazer uma enorme diferença na modelação de atitudes."
Ele citou um encontro em 2012 entre a Rainha Elizabeth II e Martin McGuinness, um ex-comandante do Exército Republicano Irlandês que na época era vice-primeiro-ministro da Irlanda do Norte, em um evento de caridade em Belfast. O'Brien também mencionou a visita de estado da Rainha Elizabeth II à Irlanda um ano antes, e um brinde conjunto à Rainha em que McGuinness participou - enquanto uma banda tocou “Deus Salve a Rainha” - em um jantar no Windsor Palace em 2014.
“Esses momentos ajudaram a diminuir preconceitos e promover a reconciliação”, disse ele. O'Brien disse que as imagens de um papa sendo recebido calorosamente por todos os líderes religiosos da Irlanda do Norte, católicos e protestantes, poderiam ter tido um impacto semelhante.
Agora, segundo O'Brien, teria sido um ótimo momento para um estímulo como esse.
A Irlanda do Norte, no final deste mês, irá alcançar a duvidosa distinção de ser o país que viveu o período mais longo sem um governo em funcionamento, depois que um arranjo de compartilhamento de poder entre partidos protestantes e católicos (leia-se "unionistas" e "nacionalistas") entrou em colapso em janeiro de 2017.
O’Brien disse que, embora ninguém acredite seriamente que os conflitos iniciados em 1968 estão voltando no sentido de conflito faccioso armado, há uma profunda ansiedade sobre a incapacidade de perceber a esperada transformação social após o acordo da Sexta-feira Santa de 1998, e o papa poderia ter conseguido fornecer um sopro de vida ao local.
"Um papa vindo ao último reduto do fanatismo medieval nessas ilhas e sendo bem-vindo por todos teria sido de grande importância", disse ele.
"Agora, precisamos de grandes momentos", disse O'Brien. "Abaixo desse nível há muito trabalho duro que tem que ser feito, é claro, mas tem havido momentos férteis que fizeram a diferença."
Precisamente por essa razão, disse ele, há uma "esperança muito fervorosa" de que Francisco faça uma visita independente à Irlanda do Norte em breve – inclusive por que está ciente de que há uma "pressão intensa" para tentar fazer isso acontecer.
Vamos ver se esta impressão será bem-sucedida. Enquanto isso, San Martin, Giangravé e eu estaremos de folga amanhã para refletir sobre outro grande capítulo do tipo “O que poderia ter sido?” da história, este sobre sonhos elevados e grandes ambições apagadas quase que imediatamente por um julgamento errôneo e colossal e, por fim, arrogância.
Em outras palavras, vamos visitar o museu Titanic, na cidade onde o navio foi projetado, construído e lançado. Acontece que há um forte ponto de vista católico sobre a lenda do Titanic - mas essa é uma história para contarmos amanhã.
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O que poderia acontecer se o Papa Francisco viesse também para a Irlanda do Norte? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU