30 Julho 2018
“Independente do que acontecer pessoalmente com McCarrick, a questão permanece sobre como os rumores de seu comportamento poderiam ter ficado fora do radar por tanto tempo”, escreve John L. Allen Jr., jornalista, em artigo publicado por Crux, 29-07-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Não são muitas as vezes que alguém pode dizer com certeza que testemunhou a história sendo feita em um momento específico, mas o sábado passado trouxe essa ocasião com um anúncio do Vaticano de que o Papa Francisco aceitou a renúncia do Cardeal Theodore McCarrick ao Colégio Cardinalício.
É um movimento sem precedentes nos Estados Unidos, a primeira vez que um cardeal americano renunciou a seu chapéu vermelho, e é a primeira vez em qualquer lugar do mundo que um cardeal saiu do colégio enfrentando acusações de abuso sexual. É, portanto, a confirmação mais tangível de que quando Francisco fala em “tolerância zero”, vale para todo mundo.
A declaração também confirma que a suspensão de McCarrick do Ministério imposta em junho, continua em vigor até o resultado de um julgamento da Igreja.
Para ser claro, isso nos leva muito além do que aconteceu em fevereiro de 2013, quando o cardeal escocês Keith O'Brien, acusado de má conduta sexual com seminaristas e jovens padres, renunciou a seus privilégios como membro do Colégio Cardinalício, embora sem deixar de ser membro.
A partir de sábado, McCarrick não é mais cardeal. O único paralelo completo para tal movimento nos últimos 100 anos seria o Jesuíta francês Louis Billot, cardeal de Pio X em 1911, que renunciou ao cargo em 1927. Billot era um forte defensor do movimento francês conservador - Action Française -, e se recusou a recuar ao pedido papal, levando a uma audiência tempestuosa entre ele e o Papa Pio XI e a saída de Billot do colégio.
As ações contra McCarrick, é claro, seguem as acusações contra o ex-Cardeal de 88 anos, que agora inclui um caso de um menino de 11 anos, bem como crimes sexuais com seminaristas.
Embora o significado completo do ponto de virada de sábado seja sentido somente depois de algum tempo, aqui estão três breves detalhes sobre o que ele significa.
Primeiro, embora a declaração do Vaticano também se refira a permitir que um julgamento da Igreja de McCarrick se realize, é uma aposta segura que tal ação dramática não teria sido tomada se houvesse muita dúvida sobre o veredito final.
Vale a pena ressaltar, por exemplo, que nada do tipo aconteceu no verão passado, quando o cardeal australiano George Pell foi acusado de “ofensas sexuais históricas” em seu país de origem. Sobre isso, o Vaticano enviou sinais claros de apoio.
"A Santa Sé expressa seu respeito pelo sistema de justiça australiano, que detém a decisão dos méritos das questões levantadas. Ao mesmo tempo, é importante lembrar que o Cardeal Pell condenou abertamente e repetidamente como imorais e intoleráveis os atos de abuso contra menores", disse o porta-voz do Vaticano, Greg Burke, em um comunicado.
Embora possa haver outras razões para explicar a diferença - incluindo o fato de que Pell estava em Roma se reportando diretamente ao Papa na época como seu Secretário de Economia.
Em segundo lugar, não há dúvida de que a maneira como o Papa lidou no caso de McCarrick representa um importante avanço na pressão por uma maior responsabilização de abuso sexual clerical.
Desde que as notícias sobre McCarrick surgiram, ouvi pessoas dizerem repetidas vezes: “Todos sabemos o que aconteceria se fosse um padre comum”. O que eles queriam dizer era que, sob os novos protocolos da Igreja, qualquer padre acusado de abuso deveria ser removido do Ministério imediatamente, aguardando o resultado de um julgamento canônico.
A questão era se essas regras também seriam aplicadas a um Príncipe da Igreja, especialmente um tão proeminente e próximo do atual Papa, como era McCarrick. Apesar de ter sido aposentado em 2013, McCarrick desempenhou um papel nos bastidores na eleição do cardeal Jorge Mario Bergoglio, da Argentina, para o papado e, desde então, foi importante para resolver alguns problemas em nome de Francisco.
Ao aceitar a renúncia de McCarrick como cardeal, foi sugerido uma nova era na qual até mesmo os membros mais antigos do clube clerical não podem correr e se esconder quando uma tempestade como essa acontece.
Em terceiro lugar, enquanto o Papa já provou suas credenciais a nível de responsabilidade, há outro ponto em questão esperando ser solucionado: o que acontece quando a acusação contra um cardeal não é o crime em si, mas o encobrimento?
Neste momento, por exemplo, ambos os cardeais Ricardo Ezzati e Francisco Errazuriz, do Chile, enfrentam múltiplas acusações de saberem sobre casos de abuso sexual, bem como abusos de poder e consciência, e falharem em agir.
Vítimas, ativistas e chilenos ultrajados pediram que ambos os homens também saíssem do Colégio Cardinalício, mas, pelo menos até agora, tal ação não foi realizada. Até que algo parecido com McCarrick também ocorra com nomes como Ezzati e Errazuriz, - assumindo, é claro, que as queixas contra eles sejam justificadas -, muitos observadores julgarão que a responsabilidade no sistema católico continua sendo um trabalho em desenvolvimento.
Ao mesmo tempo em que Francisco pode ter feito uma importante contribuição para sua própria reputação nos escândalos de abuso, pode não ter tirado a responsabilidade dos bispos dos Estados Unidos.
Independente do que acontecer pessoalmente com McCarrick, a questão permanece sobre como os rumores de seu comportamento poderiam ter ficado fora do radar por tanto tempo.
Recentemente, o colunista do New York Times, Ross Douthat, sugeriu que os bispos nomeassem um “promotor especial” para checar a fundo os que sabiam sobre as alegações contra McCarrick e falharam em denunciá-las - sugerindo que a lista de partes culpáveis pode não ser curta.
Não está claro como os bispos planejam responder a esse clamor, mas parece óbvio que essa história está longe do fim. Tudo isso faz com que a assembleia geral dos bispos, entre 12-15 de novembro, e o que quer que aconteça daqui até lá, seja um período potencialmente fascinante.
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Francisco fez história no caso McCarrick - Instituto Humanitas Unisinos - IHU