30 Julho 2018
Indústria 4.0, inteligência artificial, nanotecnologia, robótica, biotecnologia. Esses conceitos estão no centro da poderosa revolução científica e tecnológica em curso no mundo. Num exemplo, a medicina vai deixar de ser praticada por tentativa e erro e terá um componente de personalização e genética.
Para falar sobre como os países e o Brasil estão enfrentando os desafios desse admirável mundo novo, é o tema da entrevista com Luciano Coutinho, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Estudioso da Quarta Revolução Industrial, o economista analisa no vídeo abaixo as várias estratégias nacionais e se mostra apreensivo com o futuro.
A entrevista é de Eleonora de Lucena e Rodolfo Lucena, publicada por Tutaméia, 26-07-2018.
“Eu temo que, se nós não formos capazes de estruturar um projeto de desenvolvimento para termos o pais equilibrado e moderno –e com todas as implicações dessas transformações tecnológicas –, nós possamos perder terreno irreversivelmente. O Brasil está diante de uma disjuntiva histórica muito séria. Podemos retroceder de maneira irreversível, retroceder industrial e tecnologicamente e virar uma economia de commodities, secundária”, diz.
Ele alerta que esse retrocesso numa sociedade urbana, como a brasileira, “será uma tragédia. Porque uma economia de commodities e de serviços não vai oferecer uma perspectiva satisfatória para essa sociedade, de emprego, renda, igualdade. [Ficará] sem indústria, sem serviços novos e sem inovação”.
Avaliando o que acontece no globo, ele enfatiza que é necessário que o país tenha um projeto de longo prazo, com liderança do Estado, para enfrentar as mudanças.
“Essa eleição é uma encruzilhada para o Brasil. Dependendo das escolhas que possam ser feitas, podemos tomar um rumo que, nas circunstâncias de fragilização, certas coisas podem se tornar irreversíveis ou difíceis de reverter. É preciso que haja unidade nas forças desenvolvimentistas em torno de um projeto nacional. Elas precisam estar unidas, olhando o futuro do pais, sem sectarismos e com generosidade para pensar o futuro”. E declara:
“Esse governo vai acabar daqui a pouco. Espero que em 2019 um mínimo de noção de interesse nacional e de desenvolvimento do país possa oferecer uma agenda minimante condizente com que está acontecendo no mundo. O que me preocupa é uma agenda medíocre, pobre, ignorante do que se passa hoje em termos de mudança industrial e tecnológica em termos da esfera global”.
Coutinho critica o retrocesso nos investimentos, nos orçamentos federais de ciência, tecnologia e inovação, que ficaram reduzidos a menos da metade dos valores alcançados em 2013, conforme dados a Academia Brasileira de Ciência. “Isso precisa ser revertido. Para que inovação e tecnologia ganhe centralidade nas políticas de desenvolvimento”.
Nesta entrevista, Coutinho trata também dos impactos da 4ª revolução industrial nos empregos, de políticas necessárias para não deixar o trabalhador desprotegido. Fala da necessidade de uma agenda de investimentos em infraestrutura e da centralidade do Estado em todo esse processo. Na sua análise, é pouco realista achar que o mercado de capitais possa sozinho encarar os desafios do desenvolvimento.
“É ingenuidade supor que não é necessário um banco público de investimento. Ao contrário. O encolhimento do BNDES é um desserviço ao país. Ele já foi longe demais. Precisaria ser preservado para o futuro. Vamos precisar de um BNDES para projetos de maior prazo”.
Professor da Unicamp, Coutinho fará a conferência de abertura do congresso do Centro Celso Furtado que ocorre no dia 9 de agosto, às 10h, no Clube de Engenharia, no Rio de Janeiro (Av. Rio Branco, 124, 20° andar). O tema do encontro é “Indústria e Desenvolvimento: A Nova Onda da Indústria 4.0 e o Futuro do Brasil”.
Ao TUTAMÉIA, Coutinho ressalta que a revolução em curso está baseada no aumento da complexidade científica, na profundidade nos conhecimentos necessários para sua execução e na multidisciplinaridade.
“Não é mais possível o velho paradigma de pesquisa e desenvolvimento no laboratório de uma empresa, com alguma colaboração com universidade. Hoje é necessário estruturar um ecossistema de inovação em torno do qual há uma rede colaborativa, onde estão centros de excelência nas universidades, centros de outras empresas parceiras, de usuários, fornecedores e até de concorrentes. Os processos são mais sofisticados. As ferramentas, subsídios e incentivos, a formatação dos programas é colaborativa, exige mais coordenação e uma sintonia fina entre o sistema empresarial, o acadêmico, o Estado e as políticas públicas”.
No Brasil, diz Coutinho, há muito poucos sistemas organizados assim. Um deles é a Embraer, que “tem um ecossistema uma capacidade de desenho e de desenvolvimento de produto, tem uma rede de inovação, uma capacidade diferenciada”. Por isso, a venda da empresa brasileira para a Boeing preocupa.
“O grande impacto é menos de perder emprego ou linha de produtos. A Embraer desenvolveu um ecossistema de inovação precioso. É, em parte, cobiçada pela sua grande capacidade desenvolvimento de produto. Seria muito ruim, negativo se essa capacidade de desenvolvimento de produto e de inovar fique subordinada a outras circunstâncias. É preocupante. [É preciso] preservar a autonomia da empresa para desenvolver produtos e processos. Não se improvisa. Não se cria uma Embraer da noite para o dia. Foram décadas! De investimento e desenvolvimento”.
Tendo realizado amplo estudo mundial sobre o tema para a Confederação Nacional da Indústria 9º Projeto Indústria 2027, Coutinho identificou duas características presentes nas estratégias nacionais:
– partem do topo de comando no executivo, do presidente, dos primeiros ministros, o que provoca um engajamento muito forte;
– buscam um diálogo e alguma legitimação na sociedade, já que se trata de uma temática nova que precisa ser discutida. Um exemplo é a discussão da privacidade dos dados.
Coutinho observa que Donald Trump reforçou os orçamentos de ciência e tecnologia, numa nítida estratégia de “retomar a liderança, preservar a liderança cientifica e recuperar a liderança tecnológica em certas áreas –inclusive estabelecendo restrições de acesso a tecnologia, à aquisição de empresas norte-americanas por parte de empresas estrangeiras”.
Historiando as fases de desenvolvimento nas últimas décadas – com a ascensão da China –, ele afirma agora “está em xeque aquele modelo de cadeias globais de valor, que era louvado em prosa e verso. Esse modelo se aplica a um conjunto de indústria, não é para toda a indústria”.
Para ele, “esse modelo de globalização chegou num limite, e o governo Trump expressa esse limite. Porque começa a pôr em risco a hegemonia industrial americana. É disso que se trata. Ele quer dar uma meia volta. Só que ele faz disso uma maneira truculenta, inconveniente até”.
Já a China, na sua visão, “tem uma estratégia única de longo prazo, olhando para 2059 (quando a revolução liderada por Mao completa 100 anos). Coutinho fala de Alemanha, de França. De Japão, de Coréia. “Mesmo a Inglaterra, com Teresa May, abandonou a visão liberal que caracterizou o partido conservador e adotou políticas muito afirmativas de desenvolvimento cientifico e tecnológico”.
Eis a entrevista na íntegra
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Revolução 4.0 - País está diante de uma escolha histórica, afirma Luciano Coutinho - Instituto Humanitas Unisinos - IHU