24 Julho 2018
No dia 20 de junho passado, sem qualquer pré-aviso ou suspeita, chegou a notícia de que a Santa Sé havia “punido” o ex-arcebispo de Washington, cardeal Theodore McCarrick (88 anos), porque, com toda a probabilidade, ele é culpado de abuso sexual de um menor, há cerca de 30 anos, quando prestava serviço pastoral em Nova York.
A reportagem é de Luis Badilla, publicada por Il Sismografo, 20-07-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Investigações preliminares nos Estados Unidos concluíram que a acusação era plausível. Ao purpurado foi vetado o exercício público do seu ministério sacerdotal e, ao mesmo tempo, foi-lhe imposta uma severa retirada à vida privada.
O cardeal imediatamente se declarou inocente, e parece que continua sustentando a mesma posição. Enquanto isso, as investigações seguem em frente, mas não se sabe nada sobre os tempos necessários antes das conclusões que, obviamente, deverão ser comunicadas ao papa.
As revelações da imprensa estadunidense, particularmente o New York Times, aceleraram o caso, levando-a a níveis de alta tensão e repercussão midiática, até porque foram publicadas declarações muito precisas e documentadas por parte de algumas vítimas, incluindo um parente próximo.
Theodore McCarrick é o terceiro cardeal a ser acusado de abuso sexual. O primeiro foi o arcebispo de Viena, na Áustria, Hermann Groer, a quem foi imposta uma retirada à vida privada, em penitência e oração, mas sem qualquer sanção. Groer foi acusado de assédio sexual contra alguns seminaristas; ele sempre defendeu a sua inocência.
Depois, às vésperas do conclave de 2013 que elegeu o Papa Francisco, estourou o segundo caso, o do cardeal escocês Keith O’Brien. O comunicado da Santa Sé, que finalmente esclareceu o caso no dia 15 de março de 2015, dizia: “O Santo Padre aceitou a renúncia aos direitos e às prerrogativas do cardinalato, expressados nos cânones 349, 353 e 356 do Código de Direito Canônico, apresentada, ao término de um longo processo de oração, por sua eminência o Sr. Cardeal Keith Michael Patrick O’Brien, arcebispo emérito de Saint Andrews e Edimburgo. Com esse procedimento, Sua Santidade manifesta a todos os fiéis da Igreja na Escócia sua solicitude pastoral e os encoraja a continuar com confiança no caminho de renovação e de reconciliação”.
A investigação sobre o caso O’Brien foi confiada em 2014 a Dom Charles Scicluna como promotor de Justiça da Congregação para a Doutrina da Fé, hoje arcebispo de Malta. O purpurado escocês reconheceu algumas de suas culpas, dizendo: “Houve momentos em que minha conduta sexual esteve abaixo dos padrões exigidos de mim como sacerdote, arcebispo e cardeal”.
Para encontrar um caso de perda de direitos e prerrogativas por parte de um cardeal, é preciso voltar a setembro de 1927, quando Pio XI aceitou a renúncia (solicitada pelo pontífice) de Luis Billot, jesuíta, teólogo eminente, de cujas mãos Pio XI tinha recebido a tiara, cinco anos antes, durante a cerimônia de coroação. Sobre Billot, pesava a acusação de proximidade com a Action Française de Charles Maurras, condenada em 1926 pelo mesmo Pio XI. Billot também perdeu o título cardinalício.
Alguns cardeais, nos últimos anos, foram acusados ou suspeitos de terem ocultado ou encoberto casos de abuso sexual, mas apenas dois acabaram processados civilmente: George Pell (Austrália) e Ricardo Ezzati (Chile). Outros cardeais acusados nunca acabaram perante um tribunal civil, nem mesmo canônico: Bernard Law (Boston, EUA) e Francisco Javier Errázuriz (Santiago, caso Karadima).
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Ordenado padre em 22 de maio de 1869, Billot entrou, poucos meses depois, na Companhia de Jesus. Filósofo e teólogo tomista eminente, foi professor em diversas universidades eclesiásticas e escolas da Companhia de Jesus. Colaborou com a redação da encíclica Pascendi Dominici Gregis, de Pio X, que condenava o modernismo. O Papa Pio X, em desacordo com a prática da Companhia de Jesus, que por norma evita cargos institucionais na Igreja, elevou-o ao posto de cardeal no consistório de 27 de novembro de 1911.
Ele criticou duramente a conduta de Pio XI em relação à Action Française, uma associação católica tradicionalista fundada por Charles Maurras e condenada pela Santa Sé em 1926 (condenação removida pelo Papa Pio XII em 1939). A Action Française publicou um artigo de crítica contra a Igreja Católica, e o cardeal Billot enviou uma mensagem de adesão.
O alto prelado foi convocado ao Vaticano em 13 de setembro de 1927 e recebido em audiência pelo papa. Na Cúria Romana, era bem conhecido o caráter irascível de Pio XI e a sua tendência a tratar até mesmo os cardeais com muita severidade, e esperava-se um acalorado debate no escritório papal.
Pelo contrário, a audiência foi estranhamente breve e silenciosa. Poucos minutos depois de sua entrada, Billot saiu da sala sem o solidéu, o anel e a cruz peitoral: havia renunciado à dignidade cardinalícia, indignado com o duro posicionamento do pontífice e da Secretaria de Estado contra a Action Française. Sua renúncia foi aceita no dia 21 seguinte pelo papa.
Morreu como simples sacerdote jesuíta em 18 de dezembro de 1931, aos 85 anos de idade, nos arredores de Roma.
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Um segundo ''caso O'Brien''? Cardeal McCarrick pode perder direitos e prerrogativas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU