10 Julho 2018
Grupos leais ao presidente atacaram bispos e um representante do Vaticano. É uma das piores matanças desde o início da crise, em abril.
A reportagem é de Carlos Salinas, publicada por El País, 10-07-2018.
Homens armados a mando de Daniel Ortega e oficiais da tropa de choque causaram em 24 horas uma das piores matanças registradas na Nicarágua desde abril, quando estouraram os protestos contra o Governo. O Centro Nicaragüense de Direitos Humanos (CENIDH) disse que foram registrados, ao menos, 17 mortes nas cidades de Diriamba e Jinotepe — localizadas a 40 quilômetros da capital —, fortemente atacadas desde domingo. Nesta segunda-feira, o cardeal Leopoldo Brenes, junto aos bispos da Conferência Episcopal e o representante do Vaticano, Stanislaw Waldemar Sommetarg, foram violentamente agredidos por grupos pró-governo quando chegaram a Diriamba para negociar a pacificação da cidade. Entre os feridos está Silvio Báez, bispo auxiliar de Manágua.
“Fui atacado por um grupo exaltado que queria entrar na Basílica San Sebastián de Diriamba. Fui ferido, atingido no estômago, me tiraram as insígnias episcopais e fui agredido verbalmente”, contou Báez minutos após a agressão. “Conseguimos tirar as pessoas que estavam lá dentro”, completou o religioso. Moradores de Diriamba tinham se refugiado na basílica após um ataque combinado de grupos anti-distúrbios e paramilitares na cidade, denunciado por um organismo de direitos humanos.
O ataque a estas cidades rebeldes começou na madrugada do domingo, quando caminhonetes que levavam homens fortemente armados, custodiadas pelos anti-distúrbios, chegaram à cidade, segundo moradores. O ataque deixou dezenas de feridos e, ao menos, 10 mortos em Diriamba, que foram confirmados ao CENIDH pelo Instituto Médico Legal. Outros sete mortos foram registrados em Jinotepe, segundo ativistas dessa organização de direitos humanos, embora a cifra possa ser maior, afirmaram. Nesta segunda-feira, corpos que não tinham sido identificados começaram a aparecer em zonas rurais destas cidades.
Entre os mortos depois do ataque de domingo estão dois policiais, um deles identificado como Faber Antonio López, de 23 anos. Sua mãe, Fátima Vivas, responsabilizou a polícia pelo assassinato do filho, que, segundo ela, pediu para se desligar da instituição, mas teve o pedido negado. A mulher relatou que um oficial superior ameaçava matar o jovem caso ele insistisse em sair da polícia. Entre os mortos de Diriamba também está o estudante José Narváez Campos, de 22 anos. Os jovens são as principais vítimas da crise que o país centro-americano vive há 83 dias. Segundo a Associação Nicaraguense Pró Direitos Humanos (ANPDH), a violência já deixou 310 mortos, dos quais 20 são menores de idade, incluindo crianças de apenas 15 meses.
"O país está submetido a um estado de terror, com um nível de violência extrema e ilimitada", disse Gonzalo Carrión, assessor jurídico do CENIDH. "O ataque de hoje aos bispos não foi espontâneo, mas foi uma ação premeditada, cuja responsabilidade é do Governo, uma ditadura dinástica", acrescentou. Para Carrión, porém, esse tipo de ação violenta tem "o efeito oposto ao terror que eles querem semear, porque multiplica o repúdio do povo contra o Governo e escava mais o colapso do regime".
O ataque desta segunda-feira também feriu jornalistas e defensores dos direitos humanos. Os repórteres do programa de televisão Esta Semana, do canal 100% Noticias e do jornal La Prensa denunciaram o roubo de suas câmeras de vídeo e de fotografia. A embaixadora dos EUA, Laura Dogu, relatou em sua conta no Twitter que os tiros foram ouvidos perto da residência diplomática na noite de domingo. Dogu condenou a violência e a morte dos nicaraguenses. "Minhas orações estão com as vítimas e suas famílias", escreveu a diplomata. Os Estados Unidos impuseram sanções na quinta-feira contra três funcionários nicaraguenses, entre eles Francisco Díaz, diretor da Polícia Nacional e membro da família do presidente Ortega. Houve também uma tentativa de violar o túmulo de Lila Abuanza, esposa do ex-presidente Enrique Bolaños, que na semana passada criticou Ortega em uma entrevista na televisão.
Ortega disse no sábado que não está disposto a adiantar as eleições e que pretende permanecer no poder até 2021 — quando haverá eleições gerais no país — apesar da demanda popular por sua renúncia imediata. "Eu não vejo Ortega disposto a sair, mas nem Somoza estava disposto a sair. No final, ele teve que assinar sua renúncia ", disse Dora María Téllez, historiadora e ex-guerrilheira sandinista, a este jornal. "O ponto não é se Ortega está disposto ou não. O ponto é que ele e sua família sabem que têm um limite de tempo. O que acontece é que eles querem estender o máximo possível e, no prolongamento, querem cobrar do nicaraguense o preço mais alto possível, o preço em sangue ", advertiu a analista.
A Conferência Episcopal da Nicarágua, mediadora de um diálogo que procura encontrar uma saída para a crise, disse que analisará se considera adequado continuar com essas negociações, já que o Governo não interrompeu a repressão, principal requisito para sentar à mesa de negociações. A oposição Civic Alliance - que reúne estudantes universitários, empresários, produtores, acadêmicos e representantes de organizações da sociedade civil - anunciou nesta quinta-feira uma nova marcha nacional em Manágua e outras cidades do país, além de convocar uma segunda greve nacional de 24 horas na sexta-feira. As ações visam pressionar Ortega a negociar sua saída pacífica do poder.
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Ortega intensifica repressão e ao menos 17 morrem em 24 horas na Nicarágua - Instituto Humanitas Unisinos - IHU