02 Julho 2018
Está em curso um "massacre" diante do qual a União Europeia é "cega e surda" . Parece que a história "não nos ensinou nada." Quando quem fala assim é o presidente da Federação Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, isso significa que estamos à beira do não retorno.
Mais uma vez Francesco Rocca diante da tragédia da migração no Mediterrâneo escolhe termos normalmente utilizados para definir, mesmo juridicamente, os acontecimentos de um campo de batalha.
A Líbia continua a ser o problema número um. No entanto, apesar de ser um país em conflito e que existem investigação da ONU pelas violações dos direitos humanos, as chancelarias europeias pressionam para que os migrantes permaneçam lá.
A entrevista é de Nello Scavo, publicada por Avvenire, 01-07-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
A pergunta que faço para aqueles que dizem que este é o caminho é a seguinte: vocês estão afirmando que a Líbia é um país seguro? Quero dizer, seguro em relação ao respeito e a proteção da dignidade dos seres humanos. Vocês estão dizendo isso?
Porque, então, é preciso ser claros: a Líbia não é um país seguro. E mesmo que o fortalecimento de sua Guarda Costeira possa representar um desenvolvimento importante, ninguém até hoje conseguiu obter um compromisso das autoridades de Trípoli para que, pelo menos, subscrevam a Convenção de Genebra. E nisso continua a transparecer toda a apatia da Europa.
A Cruz Vermelha está presente tanto no acolhimento (como acontece em todos os portos de desembarque) como nas áreas de crise de onde os migrantes estão fugindo. Em seu escritório de Genebra chegam relatórios atualizados de suas 109 sociedades, a maior organização humanitária do mundo. Como você avalia as últimas notícias?
O massacre no Mediterrâneo ainda está em curso, e enquanto isso a União Europeia não está em condições de colocar em primeiro plano os princípios de humanidade e solidariedade. Há uma necessidade urgente de uma resposta comum europeia e em vez disso a UE é cega e surda diante dessa tragédia humanitária. Falo de massacre, de um massacre que perdura, porque não consigo encontrar outra definição. Os números (mais de mil mortes em 2018, nota do editor) estão ali para nos mostrar e as vidas perdidas estão exigindo a urgência de uma resposta.
Porque chegamos a esse ponto?
Talvez porque também tenhamos perdido a memória. É da época do desembarque dos albaneses na costa do Adriático que não se quer enfrentar as razões para a migração. Pelo contrário, apostou-se tudo em uma palavra de ordem: segurança. Claro, trata-se de uma questão que não pode e não deve ser descuidada, mas usar este argumento como única referência para as políticas de migração só ajudou a exacerbar o debate, tornando-o tóxico, sem avaliar minimamente as causas dos êxodos.
Mas existem também responsabilidades políticas sérias das classes dirigentes dos países de origem. Justamente porque vocês estão presentes em todo o mundo e conhecem as áreas mais difíceis: o que fazer?
Não há receitas fáceis ou soluções prontas. Mas como já disse em outras oportunidades, a ausência de esperança é uma das maiores pressões para a emigração de massa. As lideranças dos países mais pobres não estão imunes de culpas e responsabilidades, muito pelo contrário. Mas também sobre isso os países desenvolvidos, o chamado "Ocidente rico", não podem virar a cara como se sempre tivessem agido de forma justa e desinteressada. Sem um verdadeiro "exame de consciência" não se pode iniciar políticas de desenvolvimento duradouro.
O que falam os líderes africanos sobre as massas de pessoas que se deslocam dentro do continente e para a Europa?
Nos últimos dias, na Guiné-Bissau, o ministro das Relações Exteriores expressou para mim a sua profunda preocupação com tantos jovens que deixam o país. Não receber verdadeiras ajudas na educação, na cooperação com investimentos no desenvolvimento, enquanto se exploram os vastos recursos naturais, tudo isso é percebido como uma tentativa por parte do Ocidente de "roubar" à África as novas gerações. Aqueles jovens que, sem esperança, não veem outra alternativa que a emigração.
Qual é o apelo da Federação Internacional da Cruz Vermelha aos líderes mundiais?
É evidente que está faltando uma estratégia dos países ocidentais. É preciso tomar uma decisão: se o tema for abordado por uma ótica de desenvolvimento, fruto de uma política pensada que olha para o longo prazo, então devemos mudar radicalmente de perspectiva. Porque até agora a maioria dos recursos são alocados para iniciativas que devem dar uma resposta em termos de contenção dos fluxos e segurança interna. Mas uma verdadeira reflexão sobre as causas da migração continua a ser evitada.
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"Cega e surda a Europa endossa um massacre" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU