20 Junho 2018
Para os moradores mais antigos do bairro de Sutiaba, em Leon na Nicarágua, os recentes protestos do país trazem à tona lembranças vívidas da insurreição de 1979 que derrubou a ditadura de Anastasio Somoza.
A reportagem é de Steve Lewis, publicada por Catholic News Service, 19-06-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Magda Verios Vanegas é uma professora aposentada de 60 anos que mora em frente à Igreja Católica em Sutiaba.
"Eu tinha 20 anos durante a primeira insurreição na década de 1970. Nós deixamos o local para ficar na praia por algumas semanas. Agora, novamente, há uma insurreição civil, em que os estudantes e a oposição têm barricadas e "morteros" [fogos de artifício caseiros], enquanto os partidários do governo têm armas."
Verios disse que os padres foram cruciais para ajudar a manter a paz.
"Em toda a cidade de Leon, eles desempenharam o papel de mediador. Os dois lados fazem reféns, mas os entregam aos padres", disse ela. Verios acrescentou que o bispo César Bosco Vivas Robelo, de Leon, havia negociado pôr fim em algumas disputas.
"Sem a Igreja, o número de mortes seria muito maior", disse ela.
Depois de oito semanas de protestos, os líderes da Igreja obtiveram progresso no diálogo que mediaram entre o presidente nicaraguense, Daniel Ortega, e os manifestantes que desejam sua renúncia. Ambos os lados concordaram em acelerar as eleições, que atualmente não são esperadas até 2021. Porém, o frágil diálogo ainda pode ser destruído em função de novas violações dos direitos humanos.
O diálogo já havia sido interrompido quando a polícia atirou em uma marcha pacífica que ocorreu no dia 30 de maio. Já são quase 170 mortos nos protestos. De acordo com evidências reunidas por grupos de direitos humanos, como a Anistia Internacional, as vítimas geralmente são mortas por apoiadores do governo.
No início de junho, várias cidades foram marcadas por greves e brigas entre manifestantes do partido governante sandinista. A principal tática dos manifestantes foi trancar as estradas, com o objetivo de prejudicar a economia e obrigar Ortega a fazer concessões.
A cidade de Leon, segunda maior da Nicarágua, é a mais afetada pelos bloqueios de estradas, com cerca de 400 barricadas.
"Foi extraordinário a rapidez com que as barreiras foram construídas", disse Abelardo Tobal, padre na paróquia de Sutiaba. Ele afirma que após um vídeo em que soldados armados do governo dirigem pela cidade, a população local começou a quebrar pedras do pavimento e construir barricadas". Ao meio dia, havia mais de 100 delas no bairro de Sutiaba.
Tobal disse que precisou mediar conflitos locais, enquanto católicos leigos eram derrubados dos dois lados do campo de batalha.
"Daniel Ortega deveria ouvir o clamor do povo", disse ele, "mas a situação precisa ser resolvida em breve ou delinquentes comuns irão vencer". Antes de abril, a Nicarágua era o país mais seguro da América Central. Agora seu maior medo é se tornar um lugar criminalizado e violento.
"Meus paroquianos estão pedindo que a lei de Deus seja respeitada e que vidas sejam poupadas. Há católicos que agem em prol da violência. Acredito que esses não são católicos de verdade, são apenas no nome", ressaltou.
Em 14 de junho, um garoto de 15 anos foi baleado e morto enquanto ajudava nas barricadas no subúrbio de Leon, em Zaragoza. Sandor Dolmus era coroinha na catedral. Quando o ataque começou, o padre Tomás Sergio Zamora tocou os sinos, alertando a população local para ficar dentro de casa. Em função dos sinos, um homem mascarado atirou na torre da igreja, e atingiu o menino. Além dele, outras seis pessoas ficaram feridas.
Os jovens da Nicarágua estão divididos entre um papel mais ativo nas barricadas e a necessidade de cuidar das crianças. Marlene Calderón diz que nem deveria estar em Leon, e sim em casa com seus filhos, na cidade de Jinotega, 160 quilômetros ao norte.
"Eu vim para um curso de treinamento na semana passada. Enquanto estávamos aqui, os manifestantes fecharam a estrada para fora da cidade", disse Calderón, que se refugiou no escritório de uma organização não-governamental.
"Este conflito afetou a todos nós, tanto fisicamente quanto psicologicamente", disse Calderon, 24 anos. "Alguns jovens estão nas barricadas à noite, enquanto a maioria de nós temos família para cuidar. Semana passada, o prefeito da minha cidade trouxe um caminhão cheio de homens. Houve brigas nas ruas. Meus filhos, Leandro, de 7 anos, e Erika, com apenas 2, ficaram com muito medo. Leandro abraçou a irmã e tentou consolá-la em meio a morteros explodindo do lado de fora".
Calderón diz que se aproximou de Deus por conta da situação.
"Estamos buscando uma solução. Agora, tenho muito respeito por nossos líderes na Igreja. Todos os dias lideram procissões, assumem riscos. Ortega e sua esposa, Rosario Murillo, dizem serem católicos. Falam sobre paz e amor, embora que suas atitudes são exatamente o oposto. É um desrespeito com nossa fé.
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Nicarágua. Padres lideram protestos e estradas são interditadas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU