10 Mai 2018
O baile do Met Gala no Metropolitan Museum of Art nos presenteou com vários vestidos de Joana d`Arc em cota de malha; um ou dois guerreiros das cruzadas; uma infinidade de anjos; alguns cardeais (só um autêntico!); uma Nossa Senhora das Dores e várias outras Marias; e muitos homens em seus melhores “trajes de domingo”. E um Papa: que tinha que ser a Rihanna, lógico.
O comentário é de Eloise Blondiau, publicado por America, 08-05-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Como parte do 0,00000001% da população que fez estágio na revista Vogue durante a faculdade de estudos religiosos e agora trabalha na mídia católica, o Met Gala deste ano parecia ter sido feito para mim. Assisti aos desdobramentos do tapete vermelho nas redes sociais no sofá de casa, enfeitado com um vestido de veludo preto enorme estampado com cruzes de vitral (por que não?), chocada com a imaculada capa de Chadwick Boseman, em dourado e branco, e admirada com Cardi B, uma visão muito bem-vinda de Maria, Rainha dos Céus, grávida.
Mas o melhor da exibição do Met Gala "Corpos celestes: moda e imaginação católica" não era que estava alinhada com os meu próprios interesses de nicho. O que foi emocionante foi assistir a tantas outras pessoas — católicos e não católicos, crentes e não crentes — se envolvendo com a fé e, mais amplamente, a religião com tal zelo. Um tema como esse teria sido impensável no início dos anos 2000, quando se apresentava o Novo Ateísmo e o catolicismo era discutido basicamente em relação à crise de abusos sexuais. No mínimo, o tema da exposição e do baile deste ano mostra uma disposição de se envolver com a religião que é saudável e promissora, em um clima onde a polarização é predominante.
Claro, nem todo o envolvimento tem alta qualidade. Quando a exposição foi anunciada, alguns católicos ficaram preocupados com a possibilidade de suas tradições serem banalizadas ou zombadas. No baile, a coroa de espinhos improvisada de Anne Hathaway (ou “halo pontiagudo”!) e o acessório de cabeça brega de Sarah Jessica Parker — uma réplica confusa de um presépio napolitano — podem cair nesta categoria.
Mas os católicos, embora tenham direito de se sentir ofendidos, não devem se queixar sobre apropriação cultural da mesma forma que outros grupos, porque estão muito bem representados na cultura popular. O risco seria muito maior, por exemplo, se a “imaginação islâmica” fosse o tema do baile e da exposição. Para cada compromisso superficial com a fé que um católico precisa suportar, há uma série de exemplos melhores para considerar (“The Young Pope,” “Lady Bird”), e as consequências de deturpações são menos cruéis.
A exposição de vestes e paramentos em exposição no Met (de 10 de maio a 8 de outubro) foi antecipada por críticas de blasfêmia e insensibilidade. Andrew Bolton, curador da exposição e organizador do empréstimo de cerca de 40 obras-primas eclesiásticas da sacristia da Capela Sistina, foi muito atencioso em suas escolhas de vestuário e encenação, e conseguiu uma façanha impressionante.
Essa deferência é evidente na divisão da coleção em duas partes. Os objetos cedidos pelo Vaticano ficaram no Anna Wintour Costume Center, a alguns degraus da exposição de moda, que apresentava um colete de crucifixos (Chanel); um vestido papal de seda estonteante (Dior) e conjunto etéreo azul e branco (Mugler) suspenso do teto.
A separação entre o "religioso" e o "secular" pensada pelos organizadores da exposição parece ser informada pelo cânone 1171 do Código de Direito Canônico, que diz: "As coisas sagradas, que pela dedicação ou bênção foram destinadas ao culto divino, devem ser tratadas com reverência e não se votem ao uso profano ou a outro uso não próprio, ainda que estejam sob o domínio de particulares”.
No entanto, a proximidade dos paramentos e a alta costura era um convite à reverência. Talvez porque o próprio museu é uma reconstrução de espaços religiosos, a parte da exposição dos Cloisters do Met, no Fort Tryon Park, na região norte de Manhattan, é uma representação mais satisfatória da riqueza da imaginação católica. Numa sala, a função devocional da moda é transmitida por um manequim em um vestido de noiva (Balenciaga), em direção a Cristo no crucifixo (Castela e Leão, ca. 1150-1200) como se estivesse rezando.
Há algo de abstrato e inútil na separação entre pessoas "religiosas" e pessoas com "inspiração religiosa". Da perspectiva tanto dos estudos religiosos como da fé, o secular e o religioso não são totalmente separados. A religião é uma dimensão da cultura, da economia, da política e da arte — não pode ter sua própria categoria, distanciada do resto. E como religiosos que veem Deus em todas as coisas, que incorporam a integração entre religioso e secular, como podemos sequer começar a separá-los?
A justaposição de objetos pertencentes ao Vaticano e elaborados por designers contemporâneos — ambos tentativas de chegar ao universo religioso por mãos humanas — é tão boa como qualquer representação da Igreja como ela existe. (Alguns designers, como Lanvin e Thom Browne, foram criados em famílias católicas.) O escopo da Igreja ultrapassa em muito os que frequentam a missa toda semana.
Nesse sentido, o baile alcançou o que a exposição não conseguiria, pois não apresentou separação entre "Igreja" e "mundo". O cardeal Dolan participou, assim como James Martin S.J. (ver a entrevista abaixo no vídeo), da revista América, e eles andaram entre católicos como Stephen Colbert e os ex-coroinhas Jimmy Fallon e George Clooney, além de celebridades com todo tipo de visão e tradição religiosa, que mostravam suas interpretações (e celebrações) religiosas. Lena Waithe vestiu uma capa com as cores do arco-íris, explicando: "O tema para mim é seja você mesmo. Nós fomos feitos à imagem de Deus, certo?"
Para muitos participantes, encontrar o cardeal Dolan e o padre Martin foi uma rara interação com o clero. "Algumas pessoas aparentemente não faziam ideia do que era um padre", disse Martin, "e diziam maluquices, do tipo: 'Cara, a sua fantasia é a melhor da noite! Você é padre de verdade?'"
"Não acho que quisessem ofender", disse o padre Martin à América. "[Como] o Papa Francisco gosta de dizer, devemos tentar encontrar as pessoas onde elas estão, certo? E naquela noite estavam no Met Gala. E podemos encontrá-las lá."
Religião, bem como o catolicismo, não existe em uma forma pura. É algo complicado, praticado por pessoas imperfeitas em um mundo imperfeito. O baile nos lembrou disso.
Veja mais fotos na página oficial do evento no Instagram.
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Por que o Met Gala é bom para o catolicismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU