08 Mai 2018
Escarlate e reluzente, o tapete vermelho em frente ao Costume Institute do Met hoje aguarda, pacientemente, pelos vestidos de penas e pedrarias, inspirados pela imaginação católica, que vão enfeitar a maior noite da moda.
A reportagem é de Claire Giangravè, publicada por Crux, 07-05-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
À medida que a contagem regressiva deixa o público e a mídia impaciente, mulheres católicas do mundo da moda, da arte, do design, das notícias e do entretenimento expressam entusiasmo e otimismo ao evento amplamente divulgado e encorajam a Igreja a aproveitar a oportunidade que, segundo elas, este cruzamento entre fé e moda representa.
A estilista italiana Donatella Versace e o cardeal Gianfranco Ravasi, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, chegam para uma apresentação de imprensa da exposição "Heavenly Bodies: Fashion and the Catholic Imagination” (Corpos celestiais: moda e a imaginação católica, em português), na Galeria Colonna, em Roma, no dia 26 de fevereiro. O Vaticano está emprestando quarenta vestes e objetos sagrados para uma exposição no Metropolitan Museum of Art, em Nova York, de 10 de maio a 8 de outubro. (Foto: CNS photo/Paul Haring)
O Met Gala, conhecido como a "festa do ano" dos aficionados por moda, reúne a elite do design e agitadores e influenciadores da cultura popular, desde Kim Kardashian até Beyoncé. Ele também inaugura a principal exposição do Costume Institute do Met, este ano intitulada "Heavenly Bodies: Fashion and the Catholic Imagination” (Corpos celestiais: moda e a imaginação católica, em português), com convidados que vão interpretar o tema nos trajes para o tapete vermelho.
Vestes de valor inestimável da Sacristia da Capela Sistina, alguns dos quais nunca saíram do Vaticano, vão estar em exibição diante das celebridades e do mundo no evento do ano mais presente no Instagram.
Ainda que a moda atravesse as fronteiras de gênero, com o engajamento e entusiasmo de homens e mulheres, talvez sejam as mulheres seu principal tema, sendo tanto elevadas a musas como menosprezadas e objetificadas.
Enquanto algumas mulheres católicas olham para o evento com ansiedade, preocupadas que possa ser mais uma chance de causar um buraco secular na religião, outras manifestaram curiosidade e otimismo, enfatizando que a exposição representa uma oportunidade de a Igreja se expor e quem sabe até converter alguém.
Em uma coisa todas as mulheres concordaram: o momento não pode ser ignorado.
Quando uma foto de Anna Wintour, editora-chefe da Vogue, da estilista italiana Donatella Versace e do cardeal Gianfranco Ravasi, chefe do Conselho Pontifício para a Cultura do Vaticano, começou a circular na Internet no final de fevereiro, provocando uma reação imediata.
Enquanto alguns consideram a moda e a religião um casamento estranho, outros reconhecem que a opulência e a riqueza associadas à moda são um elemento-chave da fé católica.
"Em relação à compreensão católica da moda, expressa-se através da beleza o maior ato de criação, que é a criação da pessoa humana", disse Maria Grizzetti, blogueira e terciária dominicana.
Na sua opinião, a extravagância está no DNA da Igreja, a exemplo da "extravagância" de Deus de ter se tornado homem para morrer pela humanidade, uma crença que fica tangível em ritos, na arte e nos sacramentos, principalmente a beleza da missa.
"A imaginação católica é o paraíso. Ponto final", disse Grizzetti ao Crux. "Tudo que é expresso ou processado artisticamente é uma tentativa de se tornar paraíso. É a única razão para o processamento tão elaborado de vestimentas religiosas, bem como da arte e da arquitetura".
Outros observadores concordaram que "extravagância" é essencial.
"Pensamos no mundo da moda como um mundo do excesso, mas a Igreja Católica também tem uma história de grandes excessos em vestimentas e arte, especialmente durante o Renascimento, o que pode causado desvantagens espirituais, mas deu ao mundo belas obras de arte", declarou Delia Gallagher, correspondente de Roma da CNN no Vaticano.
O que é único sobre a Igreja Católica, acrescentou, "é que tensiona o sagrado e o profano", canalizando a beleza para ser uma conexão direta ao paraíso.
Muitos dos valores que motivam a moda e a cultura pop atualmente vão de encontro com a doutrina oficial católica, o que pode explicar por que nem todos responderam positivamente ao ouvir sobre a união da Alta Igreja e a alta costura.
"A beleza da arte religiosa em suas diversas formas tem sido incompreendida, ridicularizada e usada como um meio para atacar a Igreja, em vez de apreciar e reconhecer sua contribuição para a cultura e para o mundo", disse Teresa Tomeo, autora e apresentadora de um talk show sobre cultura pop e mídia.
Apesar disso, acrescentou, como o Papa Francisco pede para os fiéis irem "além da zona de conforto", a exposição do Met pode ser uma oportunidade positiva.
Anna Mitchell, diretora de notícias e produtora da rádio católica do Sagrado Coração e apresentadora do programa Son Rise Morning Show, manifestou o mesmo ceticismo de quando o Vaticano concorda em ser parceiro de "indústrias questionáveis".
"Acho que a indústria da moda certamente cairia na 'cultura do descarte' que o Papa Francisco combate, com razão”, disse ao Crux. "Sabemos que por trás da arte também há a exploração de mulheres, trabalhadores, sem falar de questões psicológicas que as mulheres comuns têm em relação aos padrões irrealistas definidos pela indústria da moda".
De acordo com a radialista e comentarista, o evento também corre o risco de aumentar o debate já polarizado dentro da Igreja, dada a possibilidade de que a exposição encoraje estilistas e designers de colocarem no tapete vermelho roupas ofensivas às sensibilidades católicas.
De acordo com Justina McCaffrey, entre os maiores nomes da moda canadense por ter desenhado vestidos de casamento deslumbrantes, os católicos no Met Gala não devem ser surpreendidos com roupas marcadas na cintura, fendas altas e grandes caudas, o que, segundo ela, não vêm de desejo de fazer troça da Igreja, mas de celebrá-la.
"Conhecendo o funcionamento da mente dos estilistas, não devemos nos sentir insultados, porque é a sua maneira de prestar homenagem à Igreja", disse McCaffrey ao Crux em entrevista por telefone.
A estilista sugeriu "sorrir quando isso acontecer", acrescentando que se fosse desenhar uma roupa para o evento, brincaria apresentando algum vestido pêssego, de ouro, inspirado nos bispos.
McCaffrey, que diz ser uma católica e conservadora “apaixonada pela missa em latim", disse que acredita que nenhuma instituição tem maiores condições de exibir as belas vestes do Vaticano do que o Met.
"As pessoas que estão preocupadas estão vivendo no medo e precisam se libertar!", acrescentou.
"Nossa cultura geralmente associa corpos celestiais e beleza com mulheres vestidas de forma sedutora e tentadora, como nas revistas de moda ou na Victoria’s Secret. É bem diferente do uso das vestimentas - homenagear e glorificar a Deus", disse Carrie Gress, mãe, escritora, filósofa e professora da Universidade de Pontifex.
Ela acrescentou que, enquanto no mundo da moda a beleza é um meio em si mesmo, a imaginação católica considera a beleza "um meio para trazer glória a Deus e trazer a glória de Deus à Terra".
No entanto, Gress acrescentou que "é uma grande oportunidade de ilustrar que o corpo feminino, bem como a arte, pode e deve apontar para algo maior, mais elevado, mais sublime do que o que tendemos a esperar na cultura contemporânea".
Para alguns que estavam curiosos sobre o desenrolar do Met, espera-se que seja um incentivo para a Igreja retornar ao seu papel histórico de apoio às artes.
"Desde os anos 60 e 70, a Igreja deixou de fornecer vários bens de propriedade intelectual em relação à cultura. Igrejas de concreto e estátuas vulgares viraram regra, mas claramente nem sempre foi assim", disse Gress.
"Eu adoraria que o resultado deste evento fosse um grande lembrete de que historicamente a Igreja entende de cultura e sabe como fazer cultura", acrescentou.
De acordo com Sierra Sequoia, uma jovem empresária católica que trabalha com estilo e design num contexto de moda e liturgia, este evento de larva escala vai incentivar a Igreja a lembrar seu histórico de apoio à beleza.
"Espero que leve os católicos a dizer: 'Nossa, olha que incrível a arte que apoiamos há milhares de anos. O que será que podemos fazer para que isso aconteça de novo?'", declarou.
Durante séculos, a beleza foi uma ferramenta preferencial da evangelização devido ao seu poder de mover e inspirar corações para além das barreiras de língua e cultura. Alguns acreditam que as magníficas vestes em exposição no Met também representam uma oportunidade para converter através da arte.
De acordo com Sequoia, cabe aos católicos fazer isso acontecer.
"Vai atrair muita atenção e grande parte da imprensa. Vamos abordar do jeito certo ou deixar ser?", questionou.
Acrescentou, ainda, que na época da faculdade de moda o Met gala era um evento cuidadosamente avaliado, visto pelos alunos como fonte de inspiração e indicação do auge do que está acontecendo na moda atual. O poder do baile do Met de se engajar na cultura artística e popular não pode ser subestimado, afirmou, e pode impulsionar a mensagem da Igreja a lugares a que raramente tem acesso.
"Poderia ser uma oportunidade para o Espírito Santo trabalhar com alguém que jamais iria a uma missa católica, e eu adoro cativar as pessoas através do belo, o que pode levá-los ao bem e à verdade", disse Mitchell.
Além disso, segundo Grizzetti, "perderíamos a oportunidade se passasse apenas como mais uma coleção de objetos católicos".
A teóloga e observadora católica Pia De Solenni disse que enquanto a moda pode ser um parceiro de diálogo "inesperado e fora do convencional", o Met Gala pode ser uma plataforma útil para o catolicismo divulgar sua mensagem.
McCaffrey já participou do baile muitas vezes nos anos 80 e 90, quando ainda era um pequeno evento de elite, e não o enorme desfile de celebridades que é hoje. Ela disse que tem plena consciência do seu poder de influenciar e inspirar as pessoas.
"Em Nova York, várias Igrejas fecharam por falta de público, e um evento como este pode levar um pouco da beleza histórica e da grandeza da Igreja Católica a um grupo de pessoas novas e fora do comum", afirmou.
Para McAffrey, há uma sede definitiva por significado e fé no mundo da moda, que pode ser atraído pelas vestes religiosas, acrescentando que sua própria conversão ocorreu pela música do coral católico. Suas notas etéreas, relatou, levaram-na a aprender mais sobre a Igreja.
De certa forma, o Met gala homenageia uma espécie de imaginário católico e opulência que está fora de moda no papado de Francisco. Enquanto o Papa argentino pode ser louvado por sua humildade e abordagem pastoral, ele provavelmente não estaria na lista dos mais bem vestidos, pois escolheria um estilo mais simples e sóbrio.
As vestes costuradas em ouro e as tiaras encravadas de diamantes em exibição para os ricos e famosos no Met gala provavelmente não são o que Francisco tem em mente quando se refere à "periferia".
"Como a Igreja do Papa Francisco estabelece um diálogo verdadeiro com as pessoas que estão pagando US$ 30.000 pelo ingresso da festa de abertura da exposição do Costume Institute?", perguntou Mitchell, preocupada que a maioria das pessoas presentes no evento "vai apenas olhar através da moda, e não com os olhos da Igreja".
Gallagher, grande observadora do Vaticano, também reconhece a contradição entre a mensagem de pobreza de Francisco e as "roupas e acessórios escandalosamente caros” em exibição no Met, mas acrescenta que isso também pode ser positivo.
"A exposição pode ajudar a mostrar como as coisas estão diferentes hoje: na época de Francisco, vestimentas caras não estão muito em voga e os papas não usam tiara desde Paulo VI. Há uma sensibilidade diferente na Igreja e no mundo hoje", declarou.
"É engraçado pensar que a Igreja Católica esteja na vanguarda da moda, com um retorno à simplicidade que o Papa Francisco representa", observou Gallagher.
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Mulheres dizem que a união desta noite entre fé e moda não pode ser ignorada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU