13 Abril 2018
Professor na École Pratique des Hautes Etudes e diretor do Groupe societés, religions, laïcités, o sociólogo Philippe Portier examina a novidade do discurso de Emmanuel Macron sobre o catolicismo e o secularismo pronunciado diante dos bispos, segunda-feira, 9 de abril.
A entrevista é de Philippe Portier, publicada por Le Monde, 12-04-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Emmanuel Macron atribui um lugar especial ao catolicismo em relação às outras religiões?
Emmanuel Macron apresenta o Estado e a Igreja como instituições que devem estar em situação de aliança. É um discurso tradicional na linguagem católica. Dois elementos de suas afirmações reportam-se a uma linguagem da Igreja que afirma a especificidade do catolicismo na sociedade francesa. O primeiro elemento é que fala da Igreja como um ente, ao lado do Estado, depositário de uma ordem que tem sua própria jurisdição.
A Igreja e o Estado são duas sociedades autônomas que têm, cada uma, uma ordem de jurisdição específica. Ele não usou essa linguagem com os judeus, os muçulmanos ou os protestantes. Isso remete à autocompreensão da Igreja, que não se considera uma comunidade de fé como as outras, mas como a depositária da Palavra de Cristo e que tem, nos confrontos do Estado, uma ordem de jurisdição específica.
O segundo elemento, que não é encontrado nos discursos para as outras comunidades de fé, é a associação constante entre nação e religião católica. Ele falou sobre as raízes cristãs da França como uma espécie de evidência histórica. Esse discurso marca muito bem a centralidade do catolicismo na constituição da nação francesa.
Essa particularidade atribuída ao catolicismo tem repercussões para os outros cultos?
Definitivamente sim. Para Emmanuel Macron, todas as religiões participam na consulta nacional. Mas continua a destacar o fato de que o catolicismo tem uma natureza histórica e teológica particular. E que soube, apesar de sua original intransigência, se inserir na République e aceitar os princípios da democracia constitucional. É a grande diferença em relação ao Islã para o qual solicita, em vários de seus discursos, fazer um esforço de aclimatação e institucionalização, como fizeram os outros cultos.
Nisso é muito francês, e até mesmo católico: concebe o religioso em uma dialética entre o sujeito e a instituição. Em seu modo de se dirigir ao catolicismo, a presença do núncio - o representante da Santa Sé na França - apresenta a Igreja como uma instituição internacional. Em tal presença se expressa uma lógica concordatária.
O discurso do Macron marca uma ruptura na concepção do nosso secularismo?
Sim e não. Havia, em presidências anteriores, práticas de diálogo, de mobilização do religioso a serviço do bem comum. Mas com Emmanuel Macron, isso se torna muito mais formalizado e é objeto de discurso explícito. Desde os anos 1960-70, na medida em que o Estado se considerava menos capaz de resolver sozinho os problemas sociais, foi sendo implementada, nos confrontos dos cultos, uma política de reconhecimento. Havia a ideia de que o Estado não podia fazer tudo e que precisaria contar com forças externas.
É uma linha já seguida por François Mitterrand, em 1983, quando inaugurava o Comitê Nacional de Ética, e dizia que precisávamos das sabedorias de forças religiosas e portadoras de convicções.
Encontramos a mesma coisa em Emmanuel Macron. A diferença é que o que aparecia fugazmente nos discursos dos outros presidentes, com ele passa assumir a importância de uma doutrina muito formal.
De alguma forma, essa atitude poderia chegar a completar uma evolução?
Pode completar e explicitar uma evolução já em obra desde os anos 1960 e 1970. Na medida em que o Estado era atingido em sua capacidade de ação sobre a realidade por forças que não dominava - a individualização da sociedade, a globalização – tentou fazer frente com as forças da sociedade civil. Foi progressivamente implementada uma política de reconhecimento: os cultos foram principalmente convidados a participar na reflexão, foram financiados um pouco mais, foram delegadas a eles mais competências...
Nos anos 1993-1994, quando era ministro do Interior, Charles Pasqua já dizia que, nos banlieues, era necessário o empenho dos cristãos. Emmanuel Macron retomou essa ideia de que o welfare state não consegue fazer tudo. O que nos discursos dos governantes anteriores simplesmente aflorava, em Emmanuel Macron é encontrado com uma linguagem muito específica.
Ele não estaria mantendo, dessa forma, certa ambiguidade entre as relações da Igreja e do Estado, de um lado, e as relações dos católicos com a République, pelo outro?
Nele coexistem duas tendências. A primeira é muito típica de "católico aberto". Remete à ideia de que é graças aos empenhos da base que o catolicismo pode realizar-se e irrigar a sociedade com seus valores. Na segunda-feira, ele insistiu longamente sobre o empenho social dos católicos. Durante a campanha presidencial, ele visitou o Secours catholique. É um catolicismo marcado por Emmanuel Mounier. Ao mesmo tempo, e é o seu lado mais tradicional, sempre se refere à instituição, algo que estaria em dificuldade nos católicos liberais. Há uma espécie de compreensão dialética do catolicismo como um empenho dos cristãos apoiado por uma instituição por sua vez inserida na história. Na campanha presidencial, depois de ter visitado o Secours catholique, ele foi até a Basílica de Saint Denis. Eu não acredito que aquelas afirmações tenham sido apenas estratégicas, destinadas respectivamente para os católicos de esquerda e para os católicos identitários. Existe entre as duas uma cooperação dialética.
Como interpreta a sua frase sobre o "relacionamento" deteriorado entre a Igreja e o Estado? Fala dessas instituições ou dos católicos e da comunidade política?
Há uma ambiguidade. Ele fez alusão à história, a uma luta secular que teria deixado pouco espaço para a Igreja? Então, seria o caso de rever a filosofia de separação para tentar substituí-la com uma laicidade de reconhecimento. Convocar a intervenção de uma laicidade de confiança em vez da laicidade de desconfiança. Ou, como segunda hipótese, trata-se de perceber que, desde os anos 1990-2000, os católicos estão cada vez mais desconfiados com a République e os governantes, que os católicos se isolam em uma atitude comunitarista, identitária, que os afasta da comunidade nacional. Seria então necessário colocar um fim a essa evolução e permitir-lhes de voltar a se inserir no diálogo público.
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Macron e a "centralidade do catolicismo" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU