Por: Ricardo Machado | 09 Abril 2018
Ricardo Carneiro tem um jeito firme de falar, não abre muitas vírgulas para mandar seu recado. Some-se a isso a figura de um homem experiente, trajado de terno e óculos quadrados, o perfil perfeito para o imaginário, no mundo dos negócios e da política, de um economista, que precisa não somente entender de economia, mas ter a tenacidade de apresentar rumos para o país. Ele não foge da tarefa e a cumpre com a consistência de quem privilegia a teoria econômica em vez de suas preferências políticas. Foi nesse estilo e diante de uma plateia de mais de 80 pessoas que Ricardo de Medeiros Carneiro apresentou sua conferência Novos desenvolvimentismos no Brasil. Tendências e desafios para a economia brasileira, durante a noite da segunda-feira, 9-4-2018, na sala Ignacio Ellacuría e Companheiros – IHU.
“Nós temos, atualmente, quatro obstáculos ao desenvolvimento no Brasil: distribuição de renda, melhora na produtividade, financiamento a investimentos e, com isso, geração de estabilidade econômica”, pontua ao iniciar sua fala. Além desses quatro vértices, o professor e pesquisador salienta que dada a anomia atual de nossa sociedade precisamos também de um plano emergencial.
Durante aproximadamente uma hora o professor falou sobre os quatro eixos que, na sua avaliação, são fundamentais para fazer a economia brasileira “pegar no tranco”. “As propostas que vou apresentar não são de ruptura com o capitalismo, mas de reformas, inscritas na tradição das políticas sociais-democratas. Tratam-se de propostas que visam reformar o capitalismo e não criar uma revolução. Haverá quem ache pouco e haverá quem ache muito”, complementa.
Ricardo Carneiro em conferência no IHU (Fotos: Ricardo Machado/IHU)
Antes de qualquer análise econômica mais de fundo, é preciso lembrar que a partir de 2002 o Brasil teve uma mudança no perfil social da população, de modo que, ao menos, 45 milhões de brasileiros saíram de uma situação de miserabilidade passando para a classe média baixa. “Isso é uma mudança social chave para entender o Brasil. Isso se chama mobilidade social, que é um fenômeno profundo”, analisa. Contudo, o professor ressalta que isso não gera a redução da desigualdade.
Se na dimensão social houve grandes transformações no perfil brasileiro, no que diz respeito à estrutura produtiva não se pode dizer o mesmo. “Não há nenhuma mudança na estrutura produtiva, mas a melhoria da renda pode ocorrer, mesmo assim, devido a dois mecanismos: 1) valorização do salário mínimo; e 2) política fiscal”, pondera. No caso nacional, a principal mudança se dá em relação ao salário mínimo, que parece ter atingido seu teto de crescimento. “A relação entre salário mínimo e salário médio no Brasil era de 25% em 2002 e, antes da crise de 2014, estava beirando 40%, o que pode ser considerado algo razoável em termos globais. Mas, depois da crise, essa relação voltou a cair”, explica Carneiro.
Por outro lado, um ponto que não avançamos muito, segundo a avaliação do professor, diz respeito à política fiscal. “Não avançamos significativamente na política fiscal. O gasto público no Brasil é desconcentrador, progressivo, mas o problema é que a estrutura de tributação é muito regressiva”, descreve.
No Brasil, com a crise de 2009, o sistema bancário privado parou de investir, o que é trágico em termos de desenvolvimento econômico, uma vez que relega somente ao Estado a responsabilidade de investimento. “Não são os desejos dos economistas que fazem os processos de desenvolvimento econômico. Há limitações práticas, que vão desde correlações de forças até o limite do Estado. Em uma economia como a brasileira, não é possível movê-la somente com investimento público”, critica o pesquisador. Vale lembrar, nesse contexto, que na década de 1970 o Estado era responsável por 42% do impulsionamento da economia, ao passo que hoje essa taxa é de 18%.
Não obstante fatores de concorrência global, como a Ásia, principalmente a China mas não somente ela, a indústria no Brasil regrediu diante de um novo padrão de concorrência instaurado a partir do final dos anos 1980. “Quando a indústria passou a ser organizada do ponto de vista global, esse processo como um todo resultou em uma concorrência via preço, não via valor agregado. Some-se a isso o fato que nossa indústria enfrentou ainda a dificuldade da apreciação da taxa de câmbio”, analisa Carneiro.
A questão que surge, então, é a seguinte: o que significa abrir a economia e ter uma moeda baixa? O economista explica que há, em economia, uma coisa chamada ciclo de liquidez. “Quando a liquidez baixa se torna muito difícil fazer uma política macroeconômica e um dos problemas é a abertura financeira da política econômica brasileira”, assevera. “A proposta intervencionista não é estatista, é uma proposta de retrabalho e para fazer isso tem que quebrar o corporativismo da indústria brasileira”, provoca.
Ao lembrar o entusiasmo dos peessedebistas, que no final da primeira metade dos anos 1990 estabilizaram a moeda, o professor destaca um aspecto um pouco mais amplo. “A verdadeira estabilidade é monetária, cambial e financeira. Os tucanos ser arvoram em dizer que criaram a primeira, contudo não criaram nenhuma das demais”, lembra o professor.
Na opinião de Carneiro, a política fiscal é capaz de fazer uma boa transformação nas questões econômicas brasileiras. “A questão da reforma da previdência é necessária, não porque não haja recursos para financiá-la, senão porque a população está envelhecendo e temos que vencer o déficit que vai ser gerado, por isso precisamos pensar a questão antes. Nesse sentido, a carga tributária é um acordo social, ou seja, um tipo de concerto social que se faz. Só falta dinheiro quando Estado financia errado, por exemplo, quando pratica impostos regressivos”, problematiza.
Para tanto, como desenvolve o conferencista, o país precisa investir em uma política cambial de fluxos a longo prazo, investir numa política de juros a partir dos regimes de metas, também, a longo prazo (no Brasil a taxa de juros da dívida pública é somente de curto prazo) e produzir políticas fiscais anticíclicas. “Eu sei que essas políticas sozinhas não são capazes de produzir investimentos, mas pelo menos não atrapalham a possibilidade de investimento na economia”, sustenta.
Como no Brasil os problemas são urgentes, mas a política econômica imediatista não é capaz de contornar nossos desafios, o professor apresentou uma proposta emergencial aos nossos dilemas econômicos. “O Brasil tem 380 bilhões de dólares em reservas externas (ativos financeiros internacionais). Poderíamos usar uma parte irrisória desse fundo, a módica quantia de 30 bilhões de dólares, para financiar a infraestrutura brasileira. As empresas apresentariam seus projetos e concorreriam aos financiamentos gerando desenvolvimento econômico de longo prazo”, sugere.
A saída apresentada pelo professor, ao finalizar a conferência, tem como horizonte a superação do que ele chama de buraco negro da economia, em que tanto as pessoas como as empresas que contraem empréstimos, quando passam a receber mais, não fazem novos investimentos, mas usam os recursos para pagar as dívidas. “É isso que parasita a economia”, finaliza.
A conferência de Ricardo Carneiro, Novos desenvolvimentismos no Brasil. Tendências e desafios para a economia brasileira, integra a programação do 3º Ciclo de Estudos – A esquerda e a reinvenção da política no Brasil contemporâneo. Limites e perspectivas e o Ciclo de Palestras Trajetória da Política Econômica Brasileira 2003-2017. Crescimento, crise e novas possibilidades.
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Investir para sair do buraco negro da economia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU