22 Março 2018
A Frente Parlamentar da Agropecuária, vulgo bancada ruralista, divulgou na semana passada um posicionamento público sobre licenciamento ambiental. Submetemos o documento ao nosso detector de agrocascatas para avaliar o que é verdade e o que não é.
A reportagem é publicada por Observatório do Clima, 19-03-2018.
“As licenças ambientais chegam a custar 27% do custo (sic) dos empreendimentos. Muitas vezes inviabiliza (sic) a atividade.”
Há controvérsias – A cifra usada pela FPA vem possivelmente de um editorial publicado num site voltado a advogados, mas o texto não explica como se chegou a esse número. É muito difícil fazer essa conta, porque cada caso é um caso. Mas, no caso de usinas hidrelétricas, um documento do Banco Mundial faz uma estimativa muito mais modesta – 5%. A Lava Jato tem revelado propinas mais ou menos nesse patamar pagas a políticos.
“Apenas um novo marco legal pode “desburocratizar, modernizar, dar transparência e responsabilidade para o licenciamento ambiental”.
Verdade, mas… – Há a necessidade de uma atualização e da criação de uma lei de licenciamento que ordene e unifique o marco legal sobre o tema, que é muito disperso e cheio de normas infralegais, como resoluções do Conama. Foi por isso que os ambientalistas do Congresso propuseram uma Lei Geral de Licenciamento Ambiental, na forma do substitutivo ao PL 3.729/2004 formulado pelo deputado Ricardo Trípoli (PSDB-SP), aprovado pela Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados e modificado para tornar-se a proposta defendida pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA). Mas o licenciamento tem andado no país mesmo com essa profusão de normas. Ele empaca mais na má qualidade dos estudos de impacto e na falta de estrutura dos órgãos ambientais estaduais (que respondem pela grande maioria das licenças ambientais) para analisar os pedidos do que na suposta confusão dos regulamentos. Das 141 obras listadas no PPI (Programa de Parceria em Investimentos, o “PAC” do governo Temer), 54 são licenciadas pelo Ibama. Todas estão com o licenciamento em dia, segundo o órgão federal.
Critério locacional: “Se aprovado o texto do MMA, a responsabilidade dos estudos para a verificação de espécies vulneráveis e/ou ameaçadas de extinção passaria aos produtores rurais e empreendedores que desenvolvessem atividades em áreas de alta ou muito alta relevância ambiental estabelecida pelo ministério”.
Mentirinha – Não “passaria” a ninguém, porque já é assim que funciona hoje. Isso se chama estudo de impacto ambiental, que sempre foi exigido para atividades altamente impactantes e que sempre teve o aspecto locacional como um dos critérios para a avaliação de impacto. Afinal, instalar um empreendimento em área com floresta preservada na Amazônia é totalmente diferente de instalá-lo na região metropolitana de São Paulo. E desde que o mundo é mundo cabe ao empreendedor conduzir esses estudos. Então, o texto do MMA não muda nada nesse aspecto.
“Embrapa aponta que mais de 80% do território brasileiro pode ser definido como de alta relevância ambiental”.
Mentira – O dado de 80% vem de uma conta amplamente contestada de um único pesquisador da Embrapa, que não fala em nome da instituição. Hoje não existem elementos para botar um número nisso, já que as regras estão sendo debatidas – a proposta do Ministério do Meio Ambiente remete a definição dos parâmetros sobre a chamada “questão locacional” a uma análise técnica posterior.
“O texto do deputado Mauro Pereira obedece a Lei Complementar 140/2011 (…)”
Mentira – A Lei Complementar 140, que regulamenta o artigo 23 da Constituição em termos de atribuições executivas na política ambiental, estabelece que Estados e municípios têm competência concorrente com a União no licenciamento ambiental, o que delega aos Estados a maioria dos processos de licenciamento. Só que o artigo 24 da Constituição, que trata da competência legislativa, estabelece que normas específicas criadas pelos Estados e municípios não podem ser mais brandas que as da União. São esferas diferentes – uma coisa é a competência para executar a política ambiental, outra é a competência para legislar sobre meio ambiente. A FPA mistura as bolas em sua argumentação. Ao deixar inteiramente ao jugo de Estados e municípios a fixação de critérios de rigor no licenciamento, a redação que tem sido defendida pela bancada ruralista e pela Confederação Nacional das Indústrias para o artigo 12 do texto de Mauro Pereira (que muda toda hora e já teve mais de uma dezena de versões submetidas à Comissão de Finanças da Câmara) viola a Constituição, abrindo brecha para uma chuva de ações judiciais – que, essa sim, vai atrapalhar e encarecer todos os empreendimentos. Esta é a redação que os ruralistas querem empurrar no plenário.
“Estados e municípios têm conhecimento sobre suas realidades e competência para fazer os parâmetros mais específicos. Note-se que os Estados já realizam 95% dos licenciamentos ambientais”.
Meia-verdade – Embora os Estados realizem mais de 90% dos licenciamentos ambientais, a maioria deles não tem estrutura para isso, e os processos param. Desastres ambientais recentes, como o de Mariana (2015) e o de Barcarena (2018) resultaram de licenciamentos estaduais. As secretarias estaduais também estão mais sujeitas à influência de interesses escusos: operações da Polícia Federal já desmontaram quadrilhas de venda de madeira ilegal funcionando dentro das secretarias de Ambiente em Mato Grosso e no Pará.
“Órgãos intervenientes (Funai, Iphan, ICMBio e Fundação Palmares): Atualmente manifestam-se sem prazo e de maneira vinculante no licenciamento, travando obras estratégicas e essenciais ao desenvolvimento do país, como o caso da Funai em Belo Monte”.
Mentira – De todos os órgãos intervenientes, hoje o único que se manifesta de forma vinculante (ou seja, com poder de vetar todo o empreendimento) é o ICMBio, quando a obra impacta unidade de conservação federal. Na prática, porém, esse poder de veto não foi usado nem mesmo quando a Vale instalou o maior projeto de minério de ferro do mundo dentro de uma Floresta Nacional no Pará. Por outro lado, se o projeto de Mauro Pereira for aprovado, 18 mil projetos de mineração em áreas protegidas estarão sujeitos a questionamento na Justiça, adverte o ICMBio.
“Há acordo com o MMA para isentar do licenciamento áreas de agricultura e pecuária extensiva, se a propriedade estiver regulamentada de acordo com o novo Código Florestal”.
Meia-verdade – O ministro Sarney Filho, em negociação com a bancada ruralista, havia concordado com a isenção para a agropecuária extensiva – desde que a propriedade estivesse regular com o Código Florestal e outras leis. No entanto, a bancada ruralista e a Confederação Nacional da Indústria queriam mais, traindo o entendimento com o MMA e patrocinando o projeto de “licenciamento flex” relatado pelo deputado Mauro Pereira.
“O texto de Mauro Pereira não causa guerra ambiental entre os Estados [porque] está em sintonia com a lei complementar 140”.
Mentira – Como já vimos, o texto defendido pelo relator não está em sintonia com a Lei 140. Ao deixar todas as definições de rigor na mão dos Estados e municípios, o texto evidentemente abre a possibilidade de uma “corrida ao fundo”, na qual cada ente abranda mais os critérios para atrair mais empreendimentos. Tanto o Ibama quanto o Ministério Público Federal já advertiram que esse dispositivo, apelidado “licenciamento flex”, causa enorme insegurança jurídica, agravando problemas que a lei do licenciamento deveria resolver.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Agromitômetro: mitos e fatos nos argumentos ruralistas sobre licenciamento ambiental - Instituto Humanitas Unisinos - IHU