08 Mai 2017
Com as atenções da oposição e do governo concentradas nas reformas do trabalho e da Previdência, a bancada ruralista na Câmara passou por cima das negociações com o Ministério do Meio Ambiente e apresentou um projeto de lei que altera radicalmente as regras do licenciamento ambiental no Brasil.
A reportagem é de Giuliana Miranda, publicada por Folha de S. Paulo, 06-05-2017.
Entre as várias mudanças apresentadas, o texto acaba com a obrigatoriedade de licenciamento ambiental para diversos tipos de empreendimentos, incluindo o asfaltamento de rodovias, dragagem de portos, obras de saneamento e atividades de agropecuária extensiva.
A exigência de licenciamento para projetos com potencial de impacto ambiental começou na década de 1980 no Brasil, mas não é regida por uma lei única. Ao longo do tempo, criou-se uma série de resoluções, pareceres e instruções normativas que passaram a regular a questão.
A criação de uma Lei Geral de Licenciamento é uma demanda antiga de setores econômicos, como o do agronegócio e o industrial, que apontam o emaranhado de regras e prazos como entrave ao desenvolvimento econômico.
Em sua gestão à frente do Ministério do Meio Ambiente, iniciada em maio de 2016, o ministro Sarney Filho (PV-MA) se comprometeu a abraçar a ideia de otimizar a legislação para apoiar o desenvolvimento econômico, mas disse que não abriria mão de salvaguardas ambientais.
Começou então um longo processo de discussão com ambientalistas, sociedade civil e a bancada do agronegócio. O projeto original do governo chegou a ser elogiado pelos ambientalistas.
Ao longo do tempo, porém, a pressão ruralista, com apoio da Casa Civil, acabou fazendo com que o MMA começasse a ceder quanto à obrigatoriedade de licenciamento para algumas atividades, como a agropecuária extensiva.
Uma versão final foi fechada em 4 de abril. No dia 10, porém, a bancada ruralista surpreendeu com a apresentação de um projeto substitutivo que acaba com o licenciamento para vários setores.
Desde então, houve novas versões cada vez mais distantes do que foi acordado inicialmente. A última é do dia 27.
O projeto de lei 3.729 é de 2004 e tramita com mais 18 projetos apensados, que garantem as mudanças profundas na legislação ambiental.
Relator do projeto, o deputado Mauro Pereira (PMDB-RS) defende a iniciativa e nega que tenha surpreendido o ministro Sarney Filho com sua apresentação. "São mais de 12 anos de tramitação, não dá pra dizer que foi uma surpresa", diz ele, que minimiza os atrito com o ministro.
"O Sarney Filho é meu amigo, gosto muito dele, mas não tem como termos consenso em tudo. É para isso que vamos ter debate e votação."
Segundo Pereira, que faz parte da bancada ruralista, o projeto quer ajudar a dinamizar a economia e dar mais celeridade aos processos.
O parlamentar afirma ainda que, pelo projeto de lei atual, há mais espaço para a atuação para os órgãos ambientais dos Estados.
O texto deve entrar na pauta da CFT (Comissão de Finanças e Tributação da Câmara) já na semana que vem. Se for aprovado, segue para o voto no plenário da casa.
O Ministério do Meio Ambiente disse que não se pronunciaria a respeito e que o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente), ligado à pasta, seria responsável por comentar o assunto.
A presidente do órgão ambiental não poupou críticas ao projeto. "Defendo a necessidade de uma Lei Geral de Licenciamento, mas não da maneira como apresentada neste substitutivo", disse Suely Araújo à Folha.
Para a presidente do Ibama, o projeto apresentado tem uma quantidade excessiva de empreendimentos com dispensa de licenciamento.
"Há fortes retrocessos ambientais no texto, que tenderão a gerar judicialização de processos de licenciamento e da própria lei aprovada com esse conteúdo", comenta.
Para ambientalistas, o projeto de lei deslocaria muito do poder decisório para órgãos estaduais, o que, a longo prazo, poderia poderia provocar um efeito parecido com o da guerra fiscal entre os Estados. Mas, em vez de disputarem quem dá mais descontos nos impostos, a barganha seria por quem tem menos exigências ambientais a cumprir.
"Esse projeto é uma aberração e um retrocesso. Fica perceptível a existência de um lobby de vários setores por trás", avalia Mauricio Guetta, advogado do ISA (Instituto Socioambiental).
Tanto o ISA quanto o Ibama têm uma longa lista de críticas ao projeto por conta de seu potencial impacto no ambiente. Existe, porém, ainda um risco potencial quanto ao patrimônio cultural e histórico.
Embora se chame licenciamento ambiental, ele também engloba o patrimônio histórico do Brasil. Incluindo aí pesquisas arqueológicas.
O projeto de lei apresentado pelos ruralistas acaba com o praticamente acaba com o licenciamento arqueológico.
As atividades de pesquisa em arqueologia ligadas ao licenciamento ambiental são hoje a principal frente de trabalhos da disciplina no país.
Segundo a SAB (Sociedade de Arqueologia Brasileira), o projeto de lei proposto "acaba com o licenciamento arqueológico preventivo", e é uma "iminente destruição do patrimônio arqueológico brasileiro".
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Projeto de lei quer afrouxar licenciamento ambiental no Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU