23 Fevereiro 2018
"Denuncio mais uma vez: por ser a área da antiga Ocupação “Sonho Real” no Parque Oeste Industrial uma área ensopada de sangue inocente, ai daqueles que pretendem utilizá-la - ou a estão utilizando - para fins de especulação imobiliária", escreve Frei Marcos Sassatelli, frade dominicano, doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP) e professor aposentado de Filosofia (UFG).
No dia 16 de fevereiro ultimo completaram 13 anos da pior barbárie que aconteceu em toda a história de Goiânia: o massacre do Parque Oeste Industrial, na Ocupação “Sonho Real”. Essa data é lembrada também a cada ano pelo Livro-Agenda Latino-americana Mundial. O despejo foi uma verdadeira operação militar de guerra do governo Marconi Perillo do Estado de Goiás, chamada - fria e cinicamente - “Operação triunfo”. Como se isso não bastasse, para que o requinte da brutalidade e da crueldade fosse ainda maior, ela foi precedida da “Operação inquietação”: 10 dias - de 0 a 6 horas - assustando os moradores e provocando traumas nas crianças com as chamadas bombas de efeito moral (que nada têm de “moral”). Só os adoradores do deus dinheiro são capazes de tamanha iniquidade!
À época, o governo estadual foi totalmente subserviente e submisso aos interesses especulativos dos “coronéis urbanos” (leia: donos das grandes imobiliárias).
Em resumo, a história do massacre foi essa: em uma hora e quarenta e cinco minutos, cerca de 14 mil pessoas foram despejadas de suas moradias de maneira violenta, truculenta, sem nenhum respeito pela dignidade da pessoa humana e jogadas na rua. A Operação Militar produziu duas vítimas fatais (Pedro e Vagner), 16 feridos à bala, tornando-se um desses paraplégico (Marcelo Henrique) e 800 pessoas detidas (suspeita-se com razão que o número dos mortos e feridos seja maior).
Eronilde Nascimento - cujo esposo Pedro foi assassinado à queima-roupa durante a operação de despejo - no dia 16 deste mês, fazendo a memória dos 13 anos do massacre, enviou aos companheiros e companheiras uma bonita mensagem, na qual - com muito otimismo e esperança - destaca as vitórias e conquistas do povo (mesmo que parciais) e afirma que foram fruto de muita luta, mas também de muito sofrimento. “Hoje - diz Eronilde - quero lembrar a todas/os aquilo que devemos lembrar sempre. Todos os dias quando caminho pelas ruas de nosso bairro asfaltado, recordo-me das ruas de terra do “Sonho Real”. Lá, sonhamos com tudo isso. Com nossas casas, nosso posto de saúde, nossa creche, nossa escola, nossos espaços de lazer. Tudo o que trabalhadoras e trabalhadores tem direito na cidade. É maravilhoso ver nosso bairro e esses espaços concretizados e saber que tudo isso é fruto de muita luta. Infelizmente é fruto também de muito sofrimento e nossas conquistas ainda são parciais”.
Continua a mensagem: “Amo viver no Real Conquista e sei que temos direito a muito mais. Temos direito a atendimento médico durante o dia todo em nosso Centro de Saúde; temos direito a praças com parquinhos para nossas crianças brincar, a uma quadra pública com alambrado e piso, e não apenas cercada por pneus e forrada com pó de brita; temos direito a uma segurança pública que cuide de nossa juventude, que cuide de nós moradores e não que venha aqui para exterminar os mais marginalizados pela exclusão; temos direito a projetos por parte do poder publico que acolham as nossas crianças, nossos jovens, nossos idosos, nossas famílias; temos direito a educação pública para todas as nossas crianças e jovens, e não apenas para os primeiros da fila”.
Lembra ainda a mensagem: “Muitos não chegaram até aqui para desfrutar de nossas conquistas. Traumas, corrupção, mortes. Esses são alguns elementos que desagregaram parte dessa comunidade lutadora. Nós, que sofremos fortes atentados do Estado, temos que comemorar a cada dia por estamos vivas/os e podermos ainda sonhar com nossos ideais. Enquanto tivermos nossas vidas, lembraremos, Goiânia, do que aconteceu dia 16 de fevereiro de 2005. O Massacre do Parque Oeste Industrial jamais pode ser esquecido, a luta por memória e justiça deve continuar, não porque guardamos ódio e rancor, mas porque cultivamos a esperança de um mundo melhor onde outras atrocidades como aquela não irão mais acontecer. Um povo sem memória é um povo sem história”.
Eronilde Nascimento é uma mulher forte, que sofreu muito, mas que nunca perdeu a esperança. Ela mesma se apresenta como “ativista das lutas populares (eu acrescento: uma grande ativista), diretora do Instituto Memória e Resistência. Moradora do Bairro Real Conquista e sobrevivente do Massacre do Parque Oeste Industrial”. Parabéns Eronilde pela sua garra e sua coragem! Continue assim! Estamos com você!
Ai daqueles que juntam casa com casa e emendam campo a campo, até que não sobre mais espaço e sejam os únicos a morarem no meio da terra! (Is 5,8).
Denuncio mais uma vez: por ser a área da antiga Ocupação “Sonho Real” no Parque Oeste Industrial uma área ensopada de sangue inocente, ai daqueles que pretendem utilizá-la - ou a estão utilizando - para fins de especulação imobiliária! Essa área só será resgatada da maldição que pesa sobre ela e abençoada por Deus se for desapropriada e utilizada em benefício dos pobres (casas, escola, hospital, parque ecológico de lazer para crianças, etc.).
É uma questão de Justiça. E Deus é justo.
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16 de fevereiro: uma data símbolo da barbárie humana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU