21 Fevereiro 2018
Entender o processo eleitoral da Itália, que culminará com as eleições parlamentares do dia 4 de março, é hoje uma tarefa mais difícil que outras vezes. A nova lei eleitoral, cheia de barreiras para evitar que uma das coalizões possa conseguir a maioria absoluta no Parlamento e, por conseguinte, governar o país, é uma das travas. “É uma lei verdadeiramente complicada. Eu, que comecei a fazer política aos 27 anos e agora tenho 70, tive que ler várias vezes para compreendê-la”, reconheceu Emma Bonino, a candidata de Mais Europa, aliada do Partido Democrático (PD) de Matteo Renzi.
A reportagem é de Elena Llorente, publicada por Página/12, 20-02-2018. A tradução é do Cepat.
É que a Lei Eleitoral se transformou em uma das chaves destas eleições. As outras chaves são os milhares de migrantes que chegam, todos os anos, na costa italiana e a crise econômica que se iniciou em 2009 e da qual a Itália ainda não saiu, apesar de ter melhorado.
Os políticos que entendem a lei, porque a criaram ou a votaram no Parlamento, buscam tirar proveito apontando seus esforços nas áreas que poderiam produzir mais benefícios. Uma boa parte dos eleitores, no entanto, não tem nem ideia de como funciona, apesar de o Estado oferecer explicações pela televisão sobre como votar. E este foi um elemento a mais na confusão reinante entre os eleitores. Segundo as últimas pesquisas eleitorais da empresa Demos, realizadas para o jornal La Repubblica de Roma, 45% dos eleitores ainda não sabem em quem votar.
Mas vejamos, neste ponto, o que dizem as pesquisas sobre os partidos ou coalizões que competem na Câmara de Deputados, onde serão eleitos 630 deputados e onde até agora o PD e seus aliados tinham a maioria. São três as grandes coalizões que competirão nestas eleições, além de outras formações pequenas. A pesquisa colocou em primeiro lugar o Movimento Cinco Estrelas (M5S), de Beppe Grillo, apesar de o fundador acabar de se separar do portal de internet do Movimento, criando um para si, fato que foi interpretado como resultado de diferenças internas. Em segundo lugar estaria o PD com 21,9% de votos e, em terceiro, Força Itália, de Silvio Berlusconi, com 16,3%.
Contudo, se as coisas estão assim, nenhum destes partidos poderia governar por si só e necessitaria se aliar com outros para conseguir a maioria parlamentar. O M5S disse – até agora, porque as coisas podem mudar quando se souber os verdadeiros resultados eleitorais – que não se aliará com ninguém. O PD, ao contrário, já está aliado, entre outros, com Mais Europa de Emma Bonino, que segundo as pesquisas poderia obter 3,5% dos votos. No total, esta aliança conseguiria 25,4%. Resta ver a decisão dos ex-PD que agora integram um novo partido, Livres e Iguais, liderado pelo presidente do Senado, Pietro Grasso, e a presidente da Câmara, Laura Boldrini. Estima-se que Livres e Iguais alcançaria 6%. Emma Bonino, que foi parlamentar na Itália e na União Europeia, que também foi ministra do Exterior em 2013-2014, e saiu recentemente de uma dura luta contra um câncer, apresenta-se como uma das candidatas favoritas dentro da aliança PD, assim como o atual primeiro-ministro Paolo Gentiloni. Não ocorre o mesmo com o secretário do PD, Matteo Renzi, muito criticado por sua arrogância.
Caso a direita avance, um problema sério poderia se apresentar. Força Itália (Berlusconi não pode ser candidato por problemas legais), que tem chances de obter 16,3% dos votos, segundo a pesquisa, já estabeleceu uma aliança com os ultradireitistas da Liga Norte (LN) (13,2%) e Irmãos de Itália (4,8%). No total, a direita poderia alcançar 34,3% dos votos e mesmo sem conquistar a maioria no Parlamento, poderia ser a coalizão designada para formar o governo. Segundo a Constituição italiana, o Presidente da República confia a formação do governo ao partido ou aliança majoritária.
Também tem sua influência nestas previsões o que os partidos fazem circular uns contra outros. Por exemplo, o escândalo do dinheiro não restituído por parte dos parlamentares do M5S. O M5S sempre levantou a bandeira de sua honestidade. Desde o princípio, estabeleceu que seus parlamentares deveriam ceder a metade do salário e todos os reembolsos de gastos não utilizados a um fundo de microcrédito para empresas que o Ministério da Economia administra. Contudo, há poucos dias, reluziu que 8 de seus parlamentares – alguns meios de comunicação falam de 12 – não cumpriram esta norma. Luigi di Maio, o jovem (31 anos) candidato a primeiro-ministro do M5S, que expulsou os acusados do movimento, defende-se dizendo que, de qualquer modo, devolveram mais de 23 milhões de euros ao fundo de microcrédito.
E se este país se inclina à direita, como ocorreu no último ano em várias nações da Europa, como Áustria, França, Alemanha, onde os partidos conservadores avançaram consideravelmente, o tema imigrantes será o primeiro na lista das coisas prioritárias. Segundo a Liga Norte, racista e discriminadora, os migrantes praticamente seriam os responsáveis pela violência que há no país, coisa que, claro, não é verdade. “É preciso expulsar todos os clandestinos, melhorando os acordos que há ou fazendo novos acordos com os países que nos enviam os delinquentes”, declarou recentemente Matteo Salvini, o líder da LN, que pretende ser primeiro-ministro, se a direita vencer.
A chegada de migrantes, sobretudo da África e Oriente Médio, atingiu níveis incríveis, mas dificilmente poderia ser controlada por um só país europeu. A Europa propôs várias coisas, mas muitos países rejeitam a ajuda aos países de desembarque como são Itália, Grécia e Espanha.
Em 2017 (de janeiro a novembro), chegaram na Itália pouco mais de 116.000 migrantes, segundo a Organização das Nações Unidas para os Refugiados. Em janeiro de 2018, foram 4.158. E a tragédia não ocorre só porque chegam desesperados, fugindo de guerras ou da fome e depois de ter passado pelas mãos dos traficantes que os maltratam e escravizam, mas também porque muitos deles morrem no mar, tentando atravessar o Mediterrâneo a partir da Líbia, Egito, Tunísia. Segundo a Organização Mundial para as Migrações, cerca de 3.000 pessoas morreram no mar em 2017. No que se caminhou em 2018, foram contabilizados ao menos 404 mortos, muitos deles crianças. Uma vez na Itália, como indivíduos sem documentos e de fato ilegais, fazem qualquer coisa para sobreviver, trabalham nos campos de plantação, quase como escravos, ou como vendedores ambulantes de produtos falsificados e, inclusive, de droga. Mas, aqueles que controlam esses tráficos são todos italianos, não imigrantes.
O outro tema agudo é a crise econômica. A situação melhorou nos últimos tempos, tanto em nível do emprego (a taxa de desemprego gira ao redor de 11% e o desemprego juvenil está em 34%) como do Produto Interno Bruto (PIB). Contudo, ainda resta muito a fazer. Segundo o ministro da Economia, Pier Carlo Padoan, o crescimento do PIB foi de 1,5%, em 2017, e será igual em 2018. Em relação à dívida pública, os números são impressionantes. A Itália tem uma dívida pública de 2,25 bilhões de euros, o que equivale aproximadamente a 131,6% do PIB. Espera-se que em 2018 esta relação diminua para 129,9%, mas para isso é necessário conter os gastos do Estado.
Todos estes números colocam em dúvida algumas das promessas eleitorais dos partidos, que asseguram reformas e melhoras à direita e esquerda. Berlusconi, por exemplo, prometeu anular o imposto imobiliário, uma pensão de 1.000 euros para todas as mães da Itália e expulsar 600.000 imigrantes. O M5S colocou o acento sobre o desenvolvimento da indústria média e pequena italiana e suas conexões com o exterior. O PD, por sua parte, elaborou um folheto no qual incluiu as 100 coisas feitas por seu governo e as 100 a fazer. Entre estas últimas, o salário mínimo obrigatório, investimentos na África para conter as migrações, igualdade de salário homem-mulher, baixar o desemprego adulto a 9% e o juvenil a 20% e conseguir um crescimento do PIB superior aos 2%.
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Itália. Propensa à direita - Instituto Humanitas Unisinos - IHU