19 Fevereiro 2018
Um grupo de alunos da Graduate Theological Union, de Berkeley, Califórnia, identificado como LGBTQ+ ou que estão envolvidas em pesquisas teológicas e/ou no ministério LGBTQ+, elabora reflexões espirituais para o tempo da Quaresma e que são publicadas por Bondings 2.0, de New Ways Ministry.
O artigo abaixo é de John Michael Reyes, mestre em teologia pela Faculdade de Teologia da Universidade de Santa Clara, instituição jesuíta. A sua formação espiritual, a sua vida comunitária e o seu coração está com a Faculdade de Teologia, em Berkeley, instituição franciscana atualmente lotada em Oceanside, também na Califórnia. Reyes serviu como capelão, liturgista e hoje trabalha na pastoral universitária da Universidade de Santa Clara, especialmente na formação sacramental e liturgia. É natural de San Francisco e gosta de praticar exercícios físicos na academia Orange Theory Fitness. É também um paroquiano da paróquia Most Holy Redeemer, em San Francisco.
O artigo é publicado por New Ways Ministry, 08-02-2018. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Enquanto reflito sobre as leituras do 1º domingo da Quaresma, nem o deserto nem a arca de Noé estão a falar tão alto comigo quanto o fizeram nos últimos anos. Pelo contrário, a menção a bestas selvagens e anjos é que ressoa com força.
O Evangelho foca em Jesus a fazer coisas por si mesmo: após ser batizado, vai para o deserto. Muitos biblistas associam isso a um retiro para Jesus se focar nas tarefas importantes que teria pela frente. De certo modo, esse retiro é como aquilo que os cristãos fazem ao se prepararem para a Páscoa, para cumprir aquela tarefa importante de, uma vez mais, dizer: “Sim, prometo” às promessas de Páscoa quando nos renovamos em nossa humanidade ordinária tornada extraordinária pelo batismo.
(Foto: Lambeth Apocalypse/ Wikimedia Commons)
O Evangelho faz questão de dizer que Jesus não estava sozinho no deserto. E eu me consolo nisso. Consolo-me porque as menções a bestas selvagens e anjos refletem como desejo viver e rezar a Quaresma este ano. Percebo a importância da comunidade porque a minha humanidade está mais palpável do que o normal.
No outono de 2017, tive uma experiência quaresmal: a volta da depressão. Ausentei-me do trabalho para focar em mim mesmo. Pessoas LGBTQ+ devem se confrontar com o estigma e com o preconceito com base na orientação sexual delas ou na identidade de gênero, e algumas devem também lidar com os preconceitos sociais contra transtornos de saúde mental. Penso nos muitos LGBTQ+ que se perguntam: “Será que a Igreja (ou Deus) acha que existe algo errado comigo?” Por causa da depressão e de minha identidade, considerei esta questão.
Nas semanas de tratamento, encontrei outros que partilhavam da minha experiência: temos feridas que precisam de cura. Eu não estava sozinho. Por vezes, tratei a experiência como um retiro: fiz silêncio e observei. Tive a oportunidade de ouvir pessoas que sofriam por um amplo leque de problemas. E, mesmo assim, juntos, expressamos que queríamos vivenciar como é se sentir com esperanças novamente.
Aos poucos, vivenciei aquilo que as pessoas que irão passar pelo ritual da iniciação cristã para adultos (especificamente, os Eleitos: aqueles candidatos que, no começo da Quaresma, manifestam o desejo de se batizarem na Páscoa) terão em algumas semanas, quando passarem pelos Escrutínios: rituais para desvendar os pontos fracos, e fortalecer o que é bom.
Na medida em que progredia em minha cura, notei as coisas que me colocavam para baixo e as trouxe para a luz do dia. Na medida em que ouvia os outros passarem pelo mesmo processo, senti que eu era aquele discípulo cujo coração ardeu numa primeira Páscoa, quando alguém compartilhou a sua história de encontro com o Jesus Ressuscitado. Não pude deixar de perguntar: “Você se sente assim também?” Algumas palavras saíram como bestas selvagens e outras foram recebidas como anjos a ministrar para mim. Sabendo ou não sabendo, com as nossas vidas proclamávamos que o Reino de Deus está próximo: queremos melhorar e estamos aqui para fazê-lo acontecer! Como pessoa de fé, quis que meu coração me dissesse honestamente de novo: “Você é um amado de Deus”.
Dias atrás, lembrei-me da necessidade de ser gentil comigo mesmo, de que não estou só ou sem amigos, e que eu importo. Preciso lembrar que Deus faz parte da minha caminhada quaresmal e que, na medida em que a comunidade se reúne a cada domingo, tornamos presente o Cristo que caminha conosco.
A Quaresma é renovação: batemos a sujeira de nossos corações e lembramos que somos amados e queridos. Esta mensagem de amor é a aliança profunda, duradoura e curativa que Deus simbolizou através do arco-íris com Noé, e que Deus continuamente renova para nós com a Eucaristia. Para Jesus, cura significa que, mais uma vez, fazemos parte, que a nossa vida importa na comunidade.
Que tenhamos o apoio para nos ajudar a rezar, jejuar e ofertar de forma a celebrar o tempo de Quaresma com um propósito renovado. Que nesta Quaresma possamos nos convidar para celebrar a temporada com os outros. Ao invés de sermos individualistas, que consigamos perceber que esta é uma caminhada comunal em direção à única fonte batismal, onde toda vida se renova. Tomara que possamos nos convidar a isto antes mesmo de pensar vestir os nossos panos de saco individuais.
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No deserto, com as bestas e os anjos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU