31 Janeiro 2018
Vídeo da deputada em uma lancha se defendendo de denúncias trabalhistas viraliza e incomoda até o pai fiador político. Planalto deve insistir na nomeação.
A reportagem é de María Martín, publicada por El País, 30-01-2018.
A deputada e quase ministra Cristiane Brasil está dando mais trabalho do que esperado. Após ter sua nomeação como ministra do Trabalho suspensa, primeiro por um juiz de Niterói e, depois, temporariamente pelo Supremo Tribunal Federal, Cristiane quis se defender pessoalmente das denúncias de dois dos seus ex-motoristas que alegaram ter trabalhado sem carteira assinada. Quando a poeira quase tinha abaixado e os aliados esperavam que ela se preservasse até a sua nomeação ser resolvida na Justiça, a deputada virou meme e até fantasia de Carnaval.
Cristiane escolheu um cenário inusitado. A bordo de uma lancha e tendo um mar esmeralda e uma música eletrônica de fundo, prometeu que provaria que não deve nada a ninguém. O vídeo correu como a pólvora pelas redes sociais. “Vai, ministra”, incentivava um dos seus quatro acompanhantes masculinos, todos de torso nu depilado. "Todo mundo tem direito de pedir qualquer coisa na Justiça. Todo mundo pode pedir qualquer coisa abstrata”, disse ela. “[Mas] O negócio é o seguinte: 'quem é que tem direito?', ainda mais na Justiça do Trabalho. Eu, juro pra vocês, eu juro pra vocês, que eu não achava que eu tinha nada para dever para essas duas pessoas que entraram contra mim. E eu vou provar isso em breve", concluiu Cristiane, encorajada pelos amigos.
O vídeo não agradou o Planalto, nem o PTB, nem o próprio pai Roberto Jefferson, presidente da sigla e principal articulador para elevar a deputada à pasta do Trabalho. Em seu Twitter, o homem-bomba do mensalão repreendeu a filha. “Sobre o vídeo, a repercussão fala por si. Também teve muita deturpação. Eram famílias no barco, havia crianças passando. Dito isso, penso que uma figura pública deve se portar como uma figura pública, e usar ferramentas como Facebook e Instagram apenas em caráter institucional”. Jefferson também pediu aos “trogloditas nas redes” “menos moralismo e menos machismo”.
A assessoria da deputada tentou minimizar a importância da repercussão e das próprias imagens. “A gravação e a divulgação do vídeo foram uma manifestação espontânea de um amigo, utilizada fora do contexto. “A deputada reitera ainda o seu respeito à Justiça do Trabalho e à prerrogativa do trabalhador reivindicar seus direitos”, disse em nota.
A “manifestação espontânea” complica ainda mais a nomeação de Cristiane, costurada pelo Governo Temer com o PTB. Em troca de apoio e fidelidade – na prática, o apoio petebista significa mais 16 votos a favor da reforma da Previdência na Câmara e mais dois no Senado –, cabia ao partido escolher um nome para a pasta de Trabalho. A primeira opção foi o deputado do Maranhão Pedro Fernandes, que foi vetado pelo ex-presidente e ex-senador José Sarney – o filho do deputado é secretário do governador Flávio Dino (PCdoB), opositor de Roseana Sarney. Descartado Fernandes, Jefferson alavancou a filha, embora ela respondesse a dois processos por não garantir os direitos trabalhistas de dois dos seus empregador.
Após a primeira suspensão da posse pela Justiça, baseada em que a nomeação de uma pessoa com condenação judicial por questão trabalhista fere o princípio da moralidade administrativa, houve quem tentasse dissuadir o pai. Mas ele se mostrou irredutível. Em 20 de janeiro, o vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Humberto Martins, chegou a suspender a decisão de primeira instância com o argumento de que não existe, no ordenamento jurídico, norma que vede a nomeação de qualquer cidadão para exercer o cargo de ministro do Trabalho em razão de ter sofrido condenação trabalhista.
A queda da decisão de Martins, no entanto, foi questão de horas. A posse, com os preparativos prontos, voltou a ser suspensa pela presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia. A ministra não entrou no mérito dos processos trabalhistas da deputada, mas entendeu que a Corte Superior estaria usurpando a competência da Suprema Corte para julgar o requerimento. Jefferson manteve o nome mesmo assim.
O caso, encalhado desde o início do ano, agora virou uma questão de Estado. Não pela convicção do Planalto na idoneidade da deputada, mas sim pelo agravamento da queda de braço entre o Executivo e o Judiciário. A batalha nos tribunais, considerados intervencionistas pela cúpula do poder em Brasília, coloca em xeque a prerrogativa de o presidente de nomear seus ministros.
Foi esse o ponto ressaltado pelo ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun. “É um vídeo privado, que vazou na Internet. Ela não está roubando. Que eu saiba ela estava bem trajada no vídeo. Eu acho que continua o ponto principal, que este sim deveria estar sendo superdimensionado, que é esse vilipêndio de uma prerrogativa privativa do presidente da República”, disse Marun em declarações recolhidas pelo O Globo. “O que existe de errado nessa história é a decisão do juiz de não cumprir com a Constituição. O descumprimento de um magistrado pelo que estabelece a Constituição Federal, isso para mim é muito mais grave do que o fato dela ter gravado um vídeo em um mundo em que todo mundo anda com uma câmera no bolso”.
Enquanto Cármen Lúcia reavalia sua decisão sem data definida –ela pediu mais esclarecimentos ao TSJ e pediu parecer à Procuradoria Geral da União, que se mostrou favorável à suspensão da posse por entender que a decisão compete ao STF –, Cristiane Brasil virou um potencial hit do Carnaval. Num dos numerosos memes que inundaram a rede após a divulgação do vídeo, a usuária do Twitter Renta Côrrea anunciava em caixa alta: “Procura-se quatro homens brancos com cara de intervencionistas. Tipo físico: que malhem, porém inchados de bebida e um pouco maltratados pela vida. Motivo: compor minha fantasia de Cristiane Brasil no Carnaval. Tratar inbox”.
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Cristiane Brasil, a quase ministra que virou fantasia de Carnaval - Instituto Humanitas Unisinos - IHU