28 Janeiro 2018
O Brasil vive um momento de extrema importância histórica. A situação sociopolítica é cada vez mais preocupante. O julgamento do ex-presidente Lula em segunda instancia complica ainda mais uma situação marcada pela tensão. Dentro dessa conjuntura, Frei Betto, uma das vozes mais autorizadas no Brasil na análise sociopolítico, faz uma valoração em entrevista sobre o momento que passa o pais, mostrando sua opinião sobre como pode ser resolvida a situação.
Frei Betto define a postura da Igreja católica, diante do momento pelo qual o país está passando como tímida, pouco profética, trazendo à memória a figura de bispos que se comprometeram com os mais pobres, chegando afirmar que existe uma distância entre o Papa Francisco e os bispos brasileiros, pois “muitos bispos brasileiros, eles toleram, mas não apoiam”.
No contexto do 14º Intereclesial das comunidades eclesiais de base, que está acontecendo em Londrina, analisa o papel das CEBs, destacando sua grande importância na vida do país nas décadas de setenta e oitenta, e como elas podem ser instrumento que ajude a retomar muitos dos aspectos que sempre estiveram presentes na sociedade e na Igreja do Brasil.
A entrevista foi concedida a Luis Miguel Modino, publicada por portal das Cebs, 24-01-2018.
Eis a entrevista.
Como vê hoje a situação sociopolítica do Brasil?
O Brasil vive uma crise político, institucional muito forte desde que foi dado o golpe parlamentar depondo à presidente Dilma Rousseff, golpe esse que complementa uma estratégia da Casa Branca para destituir na América Latina os presidentes progressistas. Começou por Honduras, depois pelo Paraguai e agora pelo Brasil, e com isso temos um governo golpista, chefiado pelo presidente Temer, que não consegue chegar a 5% de aprovação da opinião pública e um grande impasse porque estão querendo criminalizar a figura do expoente máximo da base popular brasileira, que é o ex-presidente Lula, cujo julgamento em segunda instancia será hoje em Porto Alegre.
Então vamos ver o resultado. De qualquer forma acredito que ele não será impedido de ser candidato a presidente. A superação dessa crise vai depender de um lado das eleições desse ano, que ocorreram no fim do ano, eleições presidenciais, para governadores e também para o Congresso Nacional, e de outro lado nós temos um cenário muito curioso, que é a inércia do povo. Muitos me dizem principalmente amigos estrangeiros, por que não ocorrem aqui manifestações como aquela que houve recentemente na Argentina?
Pela mesma razão que deveria haver no Brasil contra a Reforma da Previdência Social, por que não ocorrem manifestações para depor o presidente Temer, por que não ocorrem manifestações expressivas?
Porque, infelizmente, durante os treze anos do governo do PT não se trabalhou a politização do povo brasileiro, não se fez o que eu chamo alfabetização política. E com isso, nós temos hoje uma nação de consumistas e não de protagonistas políticos.
O que deveria ser feito desde os movimentos sociais, desde os partidos políticos, para recuperar essa dimensão política na sociedade?
Nós precisamos primeiro fortalecer os movimentos sociais, isso é o mais importante. Eles são o povo mais importante de toda a cadeia de mobilização social, muito mais que os partidos. O problema é que, uma vez no governo, o PT cortou alguns movimentos sociais importantes, como a CUT e a União Nacional dos Estudantes, que se tornaram muito mais do governo na base do que, o que deveria ser sempre, representantes da base junto ao governo.
Então, com isso, hoje nós temos movimentos sociais muito fragilizados, embora alguns tenham expressão nacional e capacidade de mobilização, e eu ressalto dois, o MST, que é o Movimento Sem Terra, e o MTST, que é o Movimento Sem Teto, esses dois movimentos são os expoentes da mobilização popular no país. Mas deveríamos ter muito mais, pois o Brasil tem um enorme rede de movimentos sociais, movimentos negros, movimentos de mulheres, movimentos de luta por direitos, água, passarela, estrada, cisternas, toda uma infinidade de movimentos sociais, mas foram fragilizados por falta de um trabalho, a meio prazo, de alfabetização política, e hoje, se você pergunta, qual é a nossa tarefa prioritária?, a resposta é essa, aprimorar, investir, fortalecer os movimentos sociais.
O senhor falou sobre o Movimento Sem Teto. Corre o rumor que Guilherme Boulos, o líder desse movimento, poderia ser um futuro candidato à Presidência do Brasil?
Parece que há uma tratativa para que ele saia candidato a presidente pelo PSOL, que é um partido de esquerda, e no segundo turno apoiaria o Lula. Ele tem conversado muito com Lula e Lula com ele, os dois são parceiros. Porque o Guilherme, como candidato a Presidente vai conseguir agregar um setor da esquerda que hoje não está disposto votar em Lula, devido às alianças que Lula fez no passado e ainda insiste fazer no futuro, com Renan Calheiros, com José Sarney, etc., que são caciques corruptos da política brasileira.
A Igreja, diante da situação política, através da Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil, já tem emitido algumas notas. Pensa que é suficiente, pensa que a Igreja brasileira deveria ser mais profética?
A Igreja brasileira foi muito profética durante os anos da ditadura militar e a democratização a partir de 1985 até a década de noventa. A partir daí, com o pontificado de João Paulo II e Bento XVI, esse profetismo desapareceu praticamente, e ainda não despontou de novo. Então nós temos uma Igreja tímida, que faz documentos tímidos, alguns até críticos ao governo Temer, como aquele que foi emitido contra a reforma trabalhista, mas não temos mais expoentes proféticos como Dom Pedro Casaldáliga, Dom Helder Câmara, Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Fragoso, Dom Luiz Fernandes, bispos que realmente expressaram em público do amor naqueles que são, por força da desigualdade social e da exclusão, sem voz.
Porque essa timidez quando a gente vê que o Papa Francisco está sendo alguém que se posiciona claramente contra um sistema que ele qualifica como um sistema que mata?
Porque infelizmente, o Papa Francisco não é o Papa de muitos bispos brasileiros, eles toleram, mas não apoiam. Acham que o Papa Francisco é demasiadamente avançado. Então, por isso, não manifestam esse apoio que eu gostaria que a CNBB manifestasse sempre.
O Papa Francisco já promoveu três encontros de líderes mundiais de movimentos sociais, três. O Brasil, seguramente, é um dos países do mundo com maior número de movimentos sociais. A CNBB já deveria ter feito pelos menos um. Ou seja, ainda é uma conferencia episcopal tremendamente clericalizada, onde os leigos quase não tem nenhum espaço. Isso realmente mostra a falta do nosso profetismo.
A Igreja do Brasil promove nesse ano o Ano do Laicato. Desde esse ponto de vista, o Ano do Laicato é algo que fica dentro da Igreja ou uma coisa que tem uma implicação para fora?
Não, não, para dentro da Igreja. Não é um ano em que você tenha, por exemplo. Uma Igreja se manifestando a favor de leigos, católicos que participam da vida nacional e que deveriam ter todo o respaldo explícito da Igreja. A Igreja nem sequer respalda padres e religiosas que estão na linha de frente. Ou seja, não dá suficiente apoio a aqueles que estão mais envolvidos com os movimentos sociais.
A CNBB, por exemplo, deveria ter feito uma missa no assentamento do MTST em São Bernardo do Campo, donde tem oito mil pessoas ali alojadas debaixo de barracas. Não fez, deveria ter aproveitado o Natal para fazer uma grande celebração lá, mas os pastores evangélicos foram lá. Essa é a contradição que vivemos.
Estamos participando do 14º Intereclesial das Comunidades Eclesiais de Base. A Igreja da base, como poderia ajudar para que essas mudanças que o Papa Francisco tenta propor, tanto na Igreja como na sociedade, se tornem uma realidade, no mínimo nessa Igreja de comunidades, de base?
As comunidades de base, elas têm que crescer e isso têm que ser uma iniciativa dos leigos. Embora haja muitos padres e alguns bispos que apoiam, mas não vamos esperar que eles tomem a iniciativa sozinhos. É preciso que os leigos incrementem essa rede de comunidades, extremamente vital durante a década de 1970 e 80 no Brasil, contribuindo para derrubar a ditadura, contribuindo para a formação do PT, a CUT, o MST. Lula varias vezes repetiu , as CEBs tiveram mais importância na capilaridade nacional do PT do que o movimento sindical, do que o movimento social.
Poderíamos dizer que com o tempo as CEBs se tornaram uma coisa mais intraeclesial?
Não, as CEBs não se tornaram, as CEBs elas perderam o apoio nos dois pontificados conservadores, de João Paulo II e Bento XVI, e com isso os bispos recuaram no apoio. E como a Igreja tem uma estrutura vertical, autocrática, isso teve reflexo nas CEBs. Inclusive já existem estudos que demonstram que o crescimento das igrejas evangélicas tem a ver com o recuo das CEBs, enquanto os leigos encontravam nas CEBs o espaço para vivenciar sua fé e a sua prática missionária, as igrejas evangélicas não cresciam tanto. Muitos foram buscando nas igrejas evangélicas o que não encontraram mais na católica.
Frente a isso, muitos movimentos conservadores dizem que foi as CEBs o que provocou o crescimento das igrejas evangélicas.
Mas não é verdade, existem estudos científicos que demonstram o contrario, que o arrefecimentos das CEBs, o recuo, corresponde ao crescimento das igrejas evangélicas. Isso é fato, o fato é que as CEBs foram uma força extremamente expressiva na história do Brasil nas décadas de setenta e oitenta.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“A Igreja Brasileira é tímida, perdeu o profetismo de tempos passados!”, diz frei Betto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU