09 Novembro 2017
As Escrituras nos dizem que se sabe que somos cristãos pelo amor (João 13:35), mas a mídia nos diz que se sabe pelas brigas.
Muitas brigas têm ocorrido na Igreja Católica ultimamente, uma vez que cardeais, teólogos e comentaristas reacionários têm perseguido o Papa Francisco e sua ênfase na compaixão e na misericórdia de Deus. Esses dissidentes acreditam que ele deveria enfatizar as regras e o julgamento divino.
A reportagem é de Thomas Reese, jornalista e jesuíta, publicada por Religion News Service, 08-11-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
O que chama a atenção é que muitos dos que criticam Francisco eram leais ao Papa João Paulo II e ao Papa Bento XVI. Durante esses papados, eles criticaram duramente qualquer um que questionasse o magistério pontifício, considerando-os dissidentes e hereges. O que fica claro agora é que eles não eram leais ao sucessor de São Pedro, mas às suas próprias opiniões teológicas.
Ninguém simboliza melhor essa transformação do que o Padre Capuchinho Thomas Weinandy, que recentemente divulgou sua carta ao Papa, acusando-o de confundir os fiéis. Ele foi diretor executivo da Comissão Episcopal dos Estados Unidos para a doutrina de 2005 a 2013 e usou o cargo como um grande inquisidor na perseguição aos teólogos que questionassem o magistério pontifício. Realmente, ele não torturou as vítimas fisicamente, mas fez tudo o que pôde para destruir sua reputação e sua carreira.
Que eu saiba, nenhum dos teólogos teve o atrevimento de escrever uma carta ao papa e divulgá-la na mídia. Em vez disso, escreviam sobre temas em suas áreas de especialização como acadêmicos. A maioria era muito respeitada em suas áreas.
Agora o inquisidor está questionando o Papa.
A carta começa afirmando que o pontificado "parece estar marcado por uma confusão crônica". Muitas vezes, a luz da fé "é obscurecida pela ambiguidade de vossas palavras e ações", que "causa uma inquietação crescente nos fiéis".
Weinandy e seus parceiros podem estar confusos, mas a maioria dos fiéis ama e apoia Francisco. Uma pesquisa do Pew Research Center lançada em janeiro revelou que 87% dos católicos expressaram uma visão favorável a Francisco. Esses católicos também gostavam de João Paulo II e Bento XVI, mas, ao contrário dos dissidentes conservadores, não abandonaram o papado quando Francisco foi eleito.
O primeiro problema apontado por Weinandy é o oitavo capítulo de "Amoris Laetitia", que aborda o papel da consciência e do discernimento para orientar católicos que se divorciaram ou casaram novamente. Ele une-se aos quatro cardeais e teólogos que criticaram esse capítulo. E acusa o Papa de ser intencionalmente ambíguo, “convidando tanto a uma interpretação tradicional do ensinamento católico sobre o matrimônio e o divórcio como a uma interpretação que parece pressupor uma mudança nesse ensinamento”.
Afirma, ainda, "ensinar com falta de clareza pode inevitavelmente levar ao pecado contra o Espírito Santo, o Espírito da verdade". E acusa o Papa de "calúnia", ao chamar seus críticos de "fariseus apedrejadores, representantes de um rigor sem misericórdia”. Isso vindo de um homem que não se preocupou com calúnia ao acusar alguns dos principais teólogos dos Estados Unidos de não serem ortodoxos!
Weinandy ignora o fato de que "Amoris Laetitia" foi produto de ampla consulta na Igreja, incluindo dois sínodos episcopais.
Uma segunda questão que tem com Francisco é que o Papa "menosprezar a importância da doutrina da Igreja".
Não há dúvida de que Francisco prioriza o modo como vivemos a fé a explicá-la, ou, como diriam alguns teólogos, dá mais importância à ortopraxia do que à ortodoxia. Como explica Mateus 25, seremos julgados pela maneira como vivemos a fé ao dar de comer aos que têm fome, dar de beber aos que têm sede e dar de vestir a quem necessita de roupas. Não seremos julgados em relação à habilidade de responder questões do catecismo.
Weinandy confunde fé e teologia, ou fé e sua explicação. Em resposta à Reforma, muitos na Igreja acreditam que fé equivale a tudo no catecismo. No entanto, a teologia é sempre uma tentativa imperfeita de explicar a fé, que é um mistério. A teologia é simplesmente uma tentativa de explicar a fé por meio das melhores ideias de cada época. Agostinho usava o Neoplatonismo; Tomás de Aquino usava o Aristotelismo.
O que Weinandy e seus colegas inquisidores nunca entenderam é que o trabalho dos teólogos não é apenas citar Agostinho e Tomás de Aquino, mas imitá-los no uso das melhores ideias da época para explicar a fé de sua geração. Não se pode usar a teologia do século XIII para explicar a fé às pessoas no século XXI. A supressão da criatividade teológica nos papados de João Paulo II e Bento XVI prejudicou a Igreja.
A terceira reclamação de Weinandy é que o Papa escandaliza os fiéis ao nomear bispos "que não apenas estão abertos aos que têm pontos de vista contrários à fé cristã, mas que os apoiam e defendem". Novamente, confunde fé e a sua teologia. Está chocado com o fato de um Papa nomear homens que refletem as prioridades papais para a Igreja, mesmo que isso tenha acontecido em todos os papados. No papado de João Paulo II, a lealdade era o critério mais importante das nomeações episcopais, acima das qualificações pastorais e do bom senso.
A reclamação seguinte do padre é que Francisco promove “uma forma de 'sinodalidade' que permite e fomenta várias opções doutrinais e morais dentro da Igreja [e] só pode levar a uma maior confusão teológica e pastoral”. Mais uma vez, Weinandy acredita que qualquer opinião diferente da sua teologia está errada. Ele chega a afirmar que “esta sinodalidade é insensata e, na prática, contrária à unidade colegial dos bispos”.
Na realidade, a colegialidade e a sinodalidade tentam explicar a mesma realidade — a união do Papa com o colégio de bispos em que existe a responsabilidade compartilhada pela Igreja sob a primazia do Papa. Infelizmente, no papado de João Paulo II, a colegialidade ficou definida como a obrigação dos bispos de concordar com ele em tudo. Os sínodos tornaram-se uma piada, em que os bispos citavam o papa a ele próprio e diziam-lhe o quão maravilhoso ele era.
Francisco, por outro lado, incentiva a discussão e o debate livres, pois considera que este é o caminho para o desenvolvimento teológico e pastoral. Ironicamente, Weinandy queixa-se do fato de o Papa permitir muita liberdade de discussão e aproveita essa liberdade para dizer ao Papa que ele está totalmente errado.
Por fim, acusa o Papa de ser vingativo. O que “muitos aprenderam em vosso Pontificado é que vós não estais aberto a críticas, mas que as ressente”. Ele continua, dizendo que "muitos temem que, se falarem francamente, serão marginalizados. Ou algo pior”.
Novamente, parece ter esquecido o medo infligido a bispos e teólogos por João Paulo II, que não permitiria discussão sobre questões em que já havia tomado uma decisão. Weinandy também esqueceu, convenientemente, seu papel nessa inquisição. Até agora, não tem provas de ações semelhantes contra ele e seus colegas por Francisco.
Resumindo, não consegue ver que grande parte de suas críticas a Francisco são exatamente as mesmas que os teólogos progressistas faziam em relação ao Papa João Paulo II. Ao passo que Weinandy acredita que Francisco traiu o legado de João Paulo II e de Bento XVI, teólogos progressistas acusavam João Paulo II de trair os documentos e o espírito do Concílio Vaticano II. Os progressistas também achavam que as nomeações episcopais de João Paulo eram desastrosas. E viram vários colegas passarem por procedimentos inquisitivos, que Weinandy ajudou a desenvolver para os bispos e o Papa.
Se uma carta como esta tivesse sido escrita para João Paulo II por teólogos como a Irmã de São José Elizabeth Johnson, da Universidade de Fordham, o Vaticano e os bispos cairiam em cima com força.
Weinandy, por outro lado, recebeu uma reprimenda leve do Presidente da Conferência Nacional dos bispos católicos e perdeu o cargo de consultor da Comissão Episcopal para a doutrina.
Em sua declaração, o cardeal Daniel DiNardo observou que “ao longo da história da Igreja, ministros, teólogos e leigos têm debatido e expressado suas opiniões pessoais em uma gama de questões teológicas e pastorais". Porém, "todo bom cristão deveria ficar mais ansioso para interpretar uma declaração de um vizinho positivamente do que para condená-la". “E esse pressuposto deve ser ainda mais preservado no ensino de nosso Santo Padre”, disse DiNardo.
Não discordo de nada que DiNardo disse, só gostaria que os dissidentes tivessem sido tratados da mesma forma durante os papados de João Paulo II e Bento XVI.
Os que eram leais ao papa ontem agora são dissidentes. Os dissidentes de ontem são agora defensores do papa. O verdadeiro escândalo na Igreja não é o que diz um teólogo ou o Papa, é que não somos capazes de dialogar uns com os outros. Isso é culpa de João Paulo II e de Bento XVI, não de Francisco. Eles tentaram impor suas teologias (sua maneira de explicar a fé) sobre a Igreja e silenciar qualquer um que discordasse deles.
No papado de Francisco, somos convidados a dialogar de forma verdadeiramente colegial. Por que isso assusta pessoas como Weinandy? Porque já não conseguem impor suas opiniões sobre a Igreja. Já não estão no comando.
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Leais ao papa tornam-se dissidentes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU