27 Setembro 2017
Toda a opinião pública europeia está questionando as consequências da votação alemã no domingo passado. Uma votação que viu o colapso do consenso eleitoral dos dois partidos tradicionais: a CDU e SPD. Angela Merkel, chanceler reconfirmada pela votação, vai agora começar uma longa negociação para dar um governo para a Alemanha. Vamos tentar entender, nessa entrevista com o filósofo da política e grande estudioso da cultura germânica, como vai evoluir a situação política alemã.
A entrevista é de Pierluigi Mele, publicada por RaiNews, 26-09-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
Professor, eu gostaria de começar essa nossa entrevista citando uma frase de seu livro, escrito em conjunto com o economista Pierluigi Ciocca, sobre a Alemanha: "O verdadeiro segredo da liderança alemã de hoje, o que poderíamos chamar de fundamento da sua capacidade hegemônica, não é de natureza econômica, (...) mas é em primeiro lugar de natureza espiritual e cultural (...) uma espécie de milagre ético e político, um ‘milagre democrático’". Eu pergunto: depois dessas eleições com toda sua carga de novidades pesadas, a Alemanha ainda terá essa liderança? Ou seja, com que a imagem a Alemanha sai dessa eleição?
A pergunta é muito importante e interessante. Eu acredito que, justamente após essas eleições, iremos ver se esse milagre ético-político aconteceu e, portanto, a Alemanha será capaz de enfrentar esse novo desafio, ou se, como alguns críticos afirmam, uma espécie de "eterna" Alemanha vai reaparecer. Estou convencido de que a Alemanha Ocidental, após a Segunda Guerra Mundial, fez uma verdadeira renovação espiritual, que a levou a ser uma nação absolutamente fundada sobre valores ocidentais e valores da democracia liberal. Como todos os países do ocidente, também na Alemanha, hoje, estamos testemunhando um retorno a posições autárquicas e identitárias, fundamentalmente reacionárias. Desse ponto de vista, a votação de domingo mostra que a Alemanha também se tornou um país "normal" como todos os outros e, inclusive ali, existe uma direita que, em minha opinião, não terá futuro, mas certamente é um grande desafio para a Alemanha democrática.
Vamos falar sobre a eleição. Como todos, agora sabemos que as eleições marcaram sim a vitória de Angela Merkel, mas com uma grande perda de consenso, a devastadora derrota da SPD, o assustador avanço do partido de extrema direita AFD, o bom resultado dos liberais, dos verdes e da Linke. Eu lhe pergunto, qual é a causa "radical" da perda de consenso de Merkel? Todos os analistas eram unânimes em afirmar que ela teria um grande resultado, fruto de um bom governo. Mas algo deu errado. O quê?
Em primeiro lugar, o resultado demonstra que o que normalmente se fala, ou seja, que um bom governo (entendido como economia em funcionamento, desemprego no mínimo, poucos escândalos, etc.) é apreciado pelos eleitores, não é verdadeiro. O que os eleitores provavelmente quiseram expressar (obviamente não os eleitores da extrema-direita, mas os eleitores que protestaram) é que, no fundo, o seu voto não contava nada, que Merkel já havia vencido, que, portanto, não havia alternativa. Isso provocou uma "incomodação" em parte do eleitorado, que, aliás, estava cansado da "grande coalizão" que normalmente tende a fortalecer o impulso para as alas extremas, tanto é assim que a Linke não perdeu e a AFD do leste teve um sucesso além de todas as expectativas.
Chegamos à SPD. Os social-democratas agora irão, salvo surpresas, para a oposição. Isso também para não deixar à AFD o espaço da oposição. Porém, quais são as razões para o colapso? Porque perdeu a força de suas bases?
Em minha opinião, o verdadeiro fato importante dessas eleições é a crise da SPD. Todos estão focados no AFD, que não vai durar, enquanto o declínio da SPD é um declínio histórico, atual e insere-se no declínio de toda a esquerda social-democrática europeia (na França e Espanha, vimos o que aconteceu). Acredito que existam dois motivos. Um primeiro motivo, que vincula todas essas realidades, é que está sendo cumprida a profecia Dahrendorf, que muitos anos atrás havia afirmado que o século social-democrático acabou. Além disso, a SPD afirma que perdeu seu vigor na grande coalizão, no sentido que levou água para o moinho de Merkel sem conseguir se diferenciar, tanto é assim que, logo que Schultz entrou em campo, por um momento houve um aumento dos consensos, segundo as pesquisas de opinião, imenso, e isso significa que os eleitores estavam procurando alguém para dar vida à democracia alemã.
Para renascer, será suficiente à social-democracia ficar na oposição ou também terá que passar por um processo de refundação cultural?
Terá que passar para a oposição, "lamber as feridas", reconstruir seu quadro político, porque Schultz não tem nenhum carisma como líder e precisará de uma reviravolta semelhante à que foi feita lá em 1959, em Bad Godesberg, ou seja, terá que reinventar uma estratégia social-democrática, caso contrário, sua queda será inevitável.
Vamos falar da AFD. Partido de extrema direita racista, neonazista, que angariou o desconforto da parte oriental da Alemanha. Pensa que poderá representar um perigo para a democracia alemã?
Um perigo não, um mau sinal, sim. É um "insulto" à imagem da Alemanha. Não é bom por razões históricas e políticas. Por outro lado, a situação é esta, e até mesmo a Alemanha sofre os contragolpes culturais, econômicos e político da globalização.
Falávamos, há pouco, do desconforto socioeconômico na Alemanha; desconforto que se mostrou pesado. No entanto, do lado de fora, na opinião pública europeia, é pouco percebido. Quais são os fatores de crise de um sistema que tem garantido, mesmo assim, um razoável bem-estar?
Penso que seja menos vinculado a fatores econômicos - que certamente existem - mas há uma preponderância de fatores culturais. Não é por acaso que nas regiões do leste que são seguramente, do ponto de vista econômico, subdesenvolvidas, mas do ponto de vista cultural e político atrasadas (vêm de uma falta de experiência democrática de cinquenta anos), vemos que vão bem a Linke e a AFD.
Entre os fatores da perda de consenso certamente há também o fator imigração. Você acha que o sistema alemão teve limitações?
Integrar um milhão de pessoas de religião muçulmana é muito complicado. Em minha opinião, foi subestimado o impacto psicológico desse fator sobre o qual influíram também elementos excepcionais (ataques terroristas), e, certamente, isso influiu. Por outro lado, o declínio demográfico da Alemanha não deixa alternativas: precisa de imigrantes. E aqueles que vêm para a Europa são, em sua maioria, muçulmanos, e isso é um problema.
Alemanha e Europa. Como acha que vai se desenvolver a relação?
Certamente teremos agora um semestre branco, porque é preciso aguardar as eleições da Baixa Saxônia na Alemanha, depois a formação do governo, e então há eleições na Itália. Teremos um momento de reflexão. Certamente aqui a velha metáfora da bicicleta cabe perfeitamente: a Europa não pode parar, porque ou vai para frente ou cai. Portanto, a Alemanha não pode ser que uma Alemanha mais pró-Europa.
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Para onde vai a nova Alemanha? Entrevista com Angelo Bolaffi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU