11 Setembro 2017
Durante a visita ao país que terminou ontem, 10 de setembro, o Papa Francisco dedicou sua mensagem ao desenvolvimento de três palavras: paz, perdão e reconciliação. Para o provincial da Companhia de Jesus na Colômbia, o padre Carlos Eduardo Correa, a mensagem do Papa representou uma manifestação de apoio ao processo de paz assinado pelo presidente Juan Manuel Santos e as FARC, mesmo que não os tenha mencionado explicitamente. O jesuíta considerou, além disso, que o próximo governo deve estar comprometido com a continuação do processo de paz.
O padre Correa, jesuíta assim como o Papa, assumiu como provincial dessa comunidade religiosa há três anos. Ele conheceu a guerra e a pobreza, pois, durante seus primeiros sete anos como padre, trabalhou como pároco em um bairro de ocupação em Barrancabermeja. Foi superior da residência São Pedro Claver, em Cartagena, onde trabalhou com comunidades afrocolombianas e depois, em Bogotá, foi reitor do Colégio San Bartolomé La Merced.
(Foto: viendo.me)
A entrevista é de Yamid Amat, publicada por El Tiempo, 09-09-2017. A tradução é de André Langer.
Por que acredita que o Papa reiterou, com frequência, seu apelo à reconciliação?
Porque o Papa, no meu modo de ver, considera que Deus não está disposto a afundar nem a castigar, mas a estender a mão, a levantar o outro. Trata-se de ver como podemos produzir processos para reatar as relações entre os colombianos e como podemos avançar no processo de nos colocarmos de acordo para desenvolver este país, mas não com as armas. O Papa está convencido de que com reconciliação, este país será maravilhoso em garantir vida digna e igualdade. Penso que esse é o sonho do Papa.
Em seu discurso aos jovens na Praça de Bolívar, o Papa disse que eles “são capazes de uma coisa muito difícil na vida: perdoar. Perdoar aqueles que nos feriram”. Essa é uma mensagem clara sobre a situação atual vivida pelo país?
Sim, mas eu quero esclarecer que o perdão é um convite que se faz, mas não se impõe. O perdão deve brotar de uma experiência muito profunda de que se eu não perdoo, minha maneira de estar no mundo sempre estará movida pelo rancor, pela raiva ou pelo desejo de vingança, de acabar com quem me prejudicou. E o que o Papa disse é o seguinte: “Se você acredita que o outro o prejudicou, mas conhecendo sua história, você se coloca no seu lugar e reconhece o que o levou a fazer isso, mais facilmente você poderá compreender e acabar com esse rancor e esse ódio em seu coração, e isso lhe dará paz e tranquilidade”. Mas isso não se pode impor.
Parece-lhe que é um convite para perdoar a guerrilha e aqueles que foram atores em um ou outro lado da guerra?
Eu penso que sim. É o melhor investimento que podemos fazer para o futuro do país, porque, se não perdoamos, nos radicalizamos, e você conhece melhor do que eu o que acontece com essas polarizações da sociedade, que hoje fazem tanto mal ao país.
Tanto mal que merece a atenção do Papa?
Sim, porque o problema desta polarização não é qual é o bem comum da população, mas quem toma o poder nas próximas eleições.
O que você quer dizer?
O problema das polarizações é que começam a manipular as pessoas na ponta do medo e da raiva: medo do diferente, medo do guerrilheiro que foi anistiado e que agora está trabalhando, medo de um paramilitar que foi reinserido e raiva de qualquer coisa. Eu fiquei muito impressionado com mensagens que dizem sobre o presidente Santos: “Vejam o guerrilheiro com o Papa”, simplesmente porque ele conseguiu acordos de paz com as FARC. Isso é assustador.
O Papa disse que devemos olhar sem o obstáculo do ódio... atualmente, há ódio na Colômbia?
Muito. Veja: eu trabalhei em uma zona de conflito como Barrancabermeja e sinto que aqueles que mais sofreram com a guerra não têm tanto ódio, são capazes de entender, e por isso foi muito bonito ver as vítimas participando do processo... Eles comoveram na negociação. Eu penso que muitas pessoas que não viveram realmente o conflito são mais movidas pela ideologia do ódio, e não as vítimas; isso me chama muito a atenção, porque quem sofreu reconhece que não vale a pena que outra pessoa sofra isso; que foi muito difícil para ela.
Você foi uma testemunha presencial de uma zona destruída pela violência...
Eu vivi massacres em Barrancabermeja; mataram o meu melhor amigo, que era o melhor catequista que tínhamos na paróquia, e quando se vive isso se compreende que isso não pode continuar, que é uma atrocidade frente à humanidade. Por isso, quem mais sofreu tem uma capacidade maior de perdão. Diante do desejo de vingança, a única cura é o perdão, e é a única saída humana, ou seja: não é nem sequer uma experiência religiosa, é humana. Se agora não nos perdoamos, se agora não nos reconciliamos, como vamos projetar um futuro diferente? Como vamos garantir que não vamos continuar nos matando?
E você acredita que as pessoas que hoje não perdoam estão dispostas a fazê-lo?
Eu penso que as palavras do Papa tocaram o coração das pessoas, mas temos que fazer um exercício muito mais prolongado de acompanhamento.
Mas, é possível que a mensagem do Papa seja esquecida amanhã...
Não, eu penso que muitas pessoas ficaram profundamente tocadas pela mensagem; mas daí a que haja uma real transformação, é difícil; mudar uma maneira de ver não é fácil, não se consegue de um dia para o outro.
Então, você teme que a polarização que existe hoje na Colômbia possa persistir?
Eu penso que sim. As palavras do Papa não são a única coisa que vai garantir a mudança. Todos nós temos que trabalhar mais constante e permanentemente.
Você mencionou antes o processo eleitoral que vamos ter. A pessoa que o eleitorado do país escolher, seja quem for, deve estar comprometida com a paz?
Eu espero que seja uma pessoa comprometida com a paz, porque o esforço que se fez nestas negociações, com todas as dificuldades que se conhecem, necessita de mais tempo; não se trata apenas de que os guerrilheiros deixaram as armas. É preciso desenvolver programas de desenvolvimento com enfoque territorial. Os acordos podem ser criticados, e uma das críticas mais profundas é que se sacrificou a justiça pela paz. Eu penso que sim, mas pela vida e pelo futuro.
Na sua opinião, qual foi a mensagem geral do Papa?
A reconciliação, a paz e o perdão. Eu quero ser claro: o Papa deu seu apoio a um processo de paz que ainda é incipiente. Ele sabe muito bem que o processo de paz está em um ponto em que, caso for detido, podemos retornar novamente a uma violência muito forte neste país. Eu penso que a vontade do Papa é dizer: ‘é preciso continuar esse processo’, e por isso disse que esse desejo de vingança não pode ser a nossa opção de vida. Eu penso que ele deu seu apoio ao processo de paz.
Se nas próximas eleições o processo de paz não for vitorioso, estaremos condenados a ter a guerra de volta?
Não posso profetizar, mas haveria um risco: o que fariam 10 mil homens das FARC que entregaram as suas armas, que estão tentando refazer sua vida no campo de muitas maneiras, a quem, de um modo ou de outro, se disse que os acordos aos quais se chegou serão freados?
Timochenko, líder das FARC (Foto: Reprodução / Youtube)
Mas, você não acredita que a paz já é um fato irreversível?
Não, eu acredito que é uma coisa que temos que continuar a cultivar. A visita do Papa representou um empurrão para que isso que se conseguiu não retroceda.
E o risco de que não o façamos?
Seria porque ficamos cegos e buscamos o que não nos convém, e isso seria fatal.
O Papa criticou a riqueza da Igreja e convidou à pobreza, disse que não quer príncipes, mas pastores. A Companhia de Jesus é uma comunidade rica?
Eu penso que rica em instituições. Vou dar um exemplo: a Universidade Javeriana tem uma estrutura extraordinária, e cada vez com mais novos prédios, mas isso não é propriamente dos nossos. A Universidade Javeriana é uma fundação que não pode nos dar um peso de presente. Os jesuítas que trabalham na universidade ganham o seu salário, como qualquer professor, e vivemos disso. Então, temos instituições ricas, mas são instituições a serviço do que nós queremos, que é a educação, a formação. Na Colômbia, nós temos paróquias em zonas muito pobres e subsidiamos esses padres para que possam trabalhar ali; trabalhamos com os deslocados na Colômbia.
O que aprendeu com a sua passagem por Barrancabermeja?
Eu aprendi a ver a vida dos pobres. É incrível: em meio à pobreza, à fome, de não ter nada, eles são capazes de ser alegres, têm uma perspectiva de querer a vida, de lutar pela vida.
Você viveu a violência. Acredita na vocação de paz da guerrilha?
Pelo que aconteceu nestes últimos meses, pelo abandono das armas, pode-se dizer: estão na perspectiva da paz! Eu acredito que sim. Temos evidências muito claras para dizer que estão realmente comprometidos com a paz.
Você sofreu a violência. Perdoou?
Eu perdoei.
De onde se tira força para perdoar?
Não foi minha força, foram as pessoas que me ensinaram a perdoar. Quando mataram o meu melhor amigo catequista, sua mãe me disse: “Eu não tenho desejo de me vingar dos assassinos do meu filho, eu já estou em paz”. É uma questão de sensibilidade, não de ideias; isso não funciona. Por isso, insisto em que o processo de paz mudou muito quando as vítimas realmente apareceram e se tornaram visíveis. Não devemos nos esquecer que o processo de paz foi inspirado e apoiado pelas vítimas.
Símbolo da paz (Foto: Reprodução / Twitter)
Na Colômbia, a Igreja é de príncipes ou de pastores?
Eu penso que é muito difícil emitir um juízo taxativo; creio que em cada um de nós, membros da Igreja, pode haver das duas coisas, mas eu penso que as palavras do Papa procuram nos fazer tomar consciência daquilo que ele chama de “carreirismo”, fazer carreira. Ele disse: “Olhe para Jesus Cristo, que se dedicou a servir, e o serviço produz vida; o carreirismo não produz outra coisa senão poder”. Então, o Papa nos chama a atenção, pede que tomemos consciência de que temos tentações.
Alguns setores da Igreja não deveriam seguir o exemplo de humildade do Papa?
Eu penso que sim. Ele, com o seu exemplo, nos está chamando para seguir esse caminho.
O que a Companhia de Jesus deve fazer de agora em diante na Colômbia depois dessa mensagem do Papa?
Trabalhar com um afinco muito maior neste país: não desde o juízo das pessoas, mas desde a sedução por uma vida diferente. Devemos sensibilizar todas as pessoas para que não se fechem e acabem em coisas que destroem a vida e as relações.
O que é a reconciliação?
Construir um país mais igualitário e mais justo, mas sem armas.
O que é o perdão?
É abandonar o ódio e o desejo de vingança e reconhecer que com o adversário de ontem se pode construir algo de bom e de novo.
O que é a paz?
Poder viver não somente sem violência, mas com as perspectivas de construir um país justo e igualitário.
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“Na Colômbia, ainda existe muito ódio”. Entrevista com o provincial dos jesuítas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU