24 Julho 2017
Março de 2018 marcará o aniversário de cinco anos do papado de Francisco, e uma pergunta interessante é saber se o caso de amor da imprensa com o papa ainda estará em alta quando este momento chegar. John Allen Jr. Diz que “provavelmente sim”, porque, hoje, a narrativa em torno de Francisco se tornou tão presente a ponto de basicamente ser impermeável a uma reconsideração.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 23-07-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Neste exato momento, um caso fascinante se desdobra na Diocese de Ahiara, na Nigéria, onde o Papa Francisco proferiu um discurso severo que poucas vezes vimos um papa fazer. Ele ameaçou os padres da diocese com uma suspensão caso não escrevam um pedido de desculpas ao bispo nomeado há cinco anos. O prelado não foi aceito por muitos entre o clero em decorrência de sua origem étnica e do grupo linguístico a que pertence.
Toda esta situação me fez pensar sobre o seguinte: se algum outro papa recente tivesse feito algo do tipo, as críticas ao abuso de poder provavelmente estariam estampadas nos jornais, na imprensa em geral, onde os padres rebeldes seriam retratados como heróis. Francisco, no entanto, tem uma espécie de passe-livre.
Sim, algumas reportagens trouxeram críticas nesse sentido, especialmente sobre o tratamento do papa dispensado aos casos de abuso sexual na esteira do indiciamento de um de seus principais assessores, o Cardeal George Pell, da Austrália. Mesmo assim, o tom tende a ser o de que “Francisco é um cara tão legal, então vamos ver o que ele faz”.
Naturalmente, estou me referindo à imprensa convencional. O debate interno na Igreja é algo bem diferente.
Desde o começo, estamos esperando o fim desta lua de mel, afinal é o que geralmente acontece. Todavia, sempre há algumas exceções, personalidades cujas imagens de heróis ou vilões se tornam tão assentadas que acabam impermeáveis a uma reconsideração.
Hoje, Donald Trump ilustra o mesmo princípio em sentido contrário. Por exemplo: o que seria necessário para que a imprensa americana convencional acolhesse, de repente, Trump como um bom presidente? Um apocalipse zumbi? Uma operação de lavagem cerebral conduzida secretamente pela CIA?
O Papa Francisco parece cercado pelo mesmo tipo de narrativa essencialmente irreversível.
Se o Papa Francisco fosse pego em uma espécie de escândalo pessoal – se fosse pego em corrupção financeira, por exemplo, ou se houvesse alguma acusação de abuso sexual ocorrido décadas atrás –, talvez poderíamos ter uma narrativa diferente.
O papa tem uma reputação tão positiva de ser reformador que se uma reportagem verdadeiramente crível sobre corrupção viesse à tona, a desilusão poderia rapidamente desfazer tudo o que se pensa sobre ele.
O estranho aqui, no entanto, parece ser: independentemente do que se pense deste papa, ele parece verdadeiramente uma pessoa íntegra e, se houvesse um tal escândalo, provavelmente já teria sido descoberto a esta altura.
Certamente há polêmicas e acusações envolvendo pessoas próximas a Francisco, por exemplo, envolvendo a sua decisão em remover o cardeal alemão Gerhard Müller da Congregação para a Doutrina da Fé logo depois de mandar embora três padres que trabalhavam neste mesmo departamento.
Para o público geral, tais fatos são rotineiros e fazem parte da burocracia vaticana. Além disso, as pessoas envolvidas não são anônimas nem são tidas como críticas ao papa.
Então, quem ele teria buscado ao fazer tais mudanças?
Talvez se anunciasse uma investigação às irmãs americanas buscando finalizar o trabalho deixado pela metade na última vez, teríamos aqui uma mudança de tom. Ou se anunciasse que os teólogos que não se dispõem a assinar um juramento de lealdade pessoal ao ensino católico sobre X, irão, daqui em diante, ser excomungados, teríamos uma mudança de narrativa também.
O problema é que um tal cenário é improvável.
O Papa Francisco recebe os créditos por uma série de conquistas diplomáticas e políticas. Por exemplo, ele ajudou a evitar ataques ocidentais na Síria em 2013, pavimentou o caminho para pôr fim às tensões entre EUA e Cuba, fez uma transferência pacífica de poder possível na República Centro-Africana e ajudou num acordo de paz na Colômbia.
Suponhamos, no entanto, que quando for para a Colômbia em setembro, algo que diga ou faça, sem querer, acabe gerando uma onda de violência e o acordo se desfaça. Se um conflito sangrento voltar a ocorrer no país, a narrativa em torno de si pode sofrer grandes reveses.
De novo, algo assim parece improvável, mas, se acontecesse, seria visto como uma falha do papa, quando grande parte de sua via ele dedicou a promove a paz.
A questão é: o grande fator que Francisco conta do seu lado é a narrativa em torno de si.
Os bispos católicos ao redor do mundo, independentemente das opiniões pessoais deles sobre este papado, dirão que gostam de andar pelos aeroportos, porque muitos desconhecidos se aproximam para dizer o quanto gostam deste papa. A narrativa popular sobre Francisco – humildade, simplicidade, compreensão, misericórdia – abre portas. Ela transforma os ânimos, as conversas, deixando as pessoas inclinadas a, no mínimo, ouvir ao que o pontífice e a Igreja têm a dizer.
A narrativa não é uma varinha mágica, evidentemente. Ela não enche de fiéis as igrejas nem gera vocações. Não reverte tendências que já duram séculos, nem garante vitória nas batalhas culturais.
Mesmo assim, é um elemento missionário poderoso. Os católicos talvez já estejam acostumados com essa ferramenta. De qualquer forma, é um recurso que a Igreja institucional não tinha à sua disposição há bastante tempo, e que pode não ver tão cedo novamente depois que Francisco se for.
Portanto, a narrativa em torno do papa – aquele conjunto de pressuposições, que forma a base da fé não declarada da imprensa – é parceira do catolicismo. Talvez, ao invés de debater sobre se Francisco a merece, a pergunta que se deve fazer é: que tipo de trabalho o resto da Igreja está fazendo para tirar vantagem disso?
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O que poderia reverter a imagem de Francisco na imprensa? Nada, provavelmente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU