03 Julho 2017
Na manhã de hoje, o meu colega Josh McElwee reportou a decisão do Papa Francisco de não reconfirmar o Cardeal Gerhard Müller para um segundo mandato de cinco anos como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé – CDF. Paro ocupar este cargo, o Santo Padre escolheu aquele que, até então, era a segunda mais alta autoridade à frente do dicastério, o arcebispo jesuíta Luis Francisco Ladaria Ferrer.
O comentário é de Michael Sean Winters, jornalista americano especializado em assuntos relacionados com a Igreja Católica, publicado por National Catholic Reporter, 01-06-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa
Esta saída de Müller não deve ser considerada uma surpresa. Os conservadores de dentro da Cúria Romana e tipos mais progressistas em geral vêm se queixando que o prelado, muito embora extremamente talentoso em termos intelectuais, não tinha sucesso em organizar tarefas simples. Ele não poderia estar à frente de um tal departamento. Isso ficou claro nas notas equivocadas da CDF sobre o problema dos abusos sexuais clericais. Os que consideram esta questão uma purga ideológica por causa da posição cada vez mais confusa de Müller sobre o documento Amoris Laetitia não têm prestado atenção.
E é também irônico que os mesmos arquiconsenrvadores, que propõem a narrativa segundo a qual Müller fora tirado do dicastério porque se encontrava na lista de prelados supostamente heterodoxos de Francisco, são as mesmas pessoas que criticaram Müller quando ele fora nomeado por Bento anos atrás. Então, a objeção foi que Müller era demasiado simpático com a Teologia da Libertação. Hoje ele é o paradigma da ortodoxia. Estes fiéis leigos que pensam incorporarem o magistério papal não mostram muita coerência.
A segunda lição é que o Papa Francisco não teme fazer o que é melhor para a Igreja. No começo da semana, as autoridades australianas registraram queixas contra uma outra autoridade do alto escalão, o Cardeal George Pell, que pediu licença temporária para retornar ao seu país de origem e se apresentar a um tribunal. O comunicado oficial emitido pelo Vaticano é profundamente ambivalente.
Algumas lideranças pensariam duas vezes antes de remover uma segunda autoridade do alto escalão, com a preocupação de que poderia dar a entender estar havendo uma situação caótica. Mas não com Francisco. Ele não se preocupa tanto com a aparência das coisas. Na verdade, esta pode ser a parte mais desafiadora da reforma da Cúria: pegar uma organização projetada para promover os que lá trabalham para lembrar que as funções desempenhadas servem para ajudar o papa no governo da Igreja universal.
Uma preocupação com a aparência é característica da mentalidade cortesã de anos passados, não da mentalidade missionária à qual o Concílio Vaticano II e todos os papas subsequentes convidaram a Igreja.
Em terceiro lugar, ao demitir a partir de dentro, Francisco mostra que não está declarando guerra contra a Congregação e a equipe que nela trabalha. Se esse fosse o objetivo, ele traria alguém de fora, como o arcebispo argentino Victor Fernandez. Ou poderia ter escolhido alguém que trabalhasse na CDF, mas há bastante tempo, como o Cardeal Christoph Schönborn, hoje arcebispo de Viena. Pensei que ele convocaria o ex-funcionário da CDF e atual arcebispo de Malta, Charles Scicluna. Ao promover Ladaria, Francisco indica que precisa de uma transformação na gerência, não uma transformação na estrutura ou na constituição como um todo.
Não pude confirmar a informação de Andrea Tornielli de que o Papa Francisco ofereceu a Müller um cargo diferente na Cúria e que este havia declinado, dizendo que um tal cargo estava “abaixo de sua dignidade”. Se isso for verdade, é ultrajante. Funcionários, ou autoridades, curiais servem de modo irrestrito papa. Tudo o que fazem é para auxiliá-lo. Os cardeais fazem um voto especial de obediência ao Santo Padre. Prometem apoiar Jesus e o Seu vigário, inclusive com o derramamento do próprio sangue, com o que se explicam as vestes vermelhas que usam. Será que Müller acha que o seu sangue é menos custoso do que o seu orgulho? De uma coisa eu sei: Se o Papa Francisco tivesse chamado o Cardeal Sean O’Malley e lhe dissesse que queria vê-lo ser o bispo das Ilhas Virgens ou o diretor do Centro Católico, Washington, O’Malley ficaria emocionado. Espero que Müller encontre uma ocupação em que possa aprender a cultivar a virtude da humildade.
A ala direita já está propondo interpretações histriônicas e histéricas sobre o que significa o anúncio desta manhã. A minha favorita [interpretação] até o momento vem de John-Henry Westen, publicada no sítio LifeSiteNews, que mostra o quão elaborado são as teorias conspiratórias.
Existe uma enorme continuidade na vida da Igreja. Apesar de todas as manchetes sensacionalistas em torno das mudanças que Francisco está fazendo, e ele está fazendo mudanças, as pessoas a quem o pontífice confia o trabalho foram, em sua maioria, escolhidas para os cargos de responsabilidade pelo Papa Bento XVI ou pelo Papa João Paulo II. A ideia de que um prefeito da CDF tem o direito de manter-se no cargo a vida toda ruiu esta semana, o que é uma notícia boa. Mas o novo prefeito é uma pessoa escolhida pelo Papa Bento quatro anos antes da nomeação de Müller. Dito isso, espero que o Cardeal Robert Sarah leia com cuidado o “Bollettino” desta manhã. O mesmo para o Cardeal Marc Ouellet. Eles precisam se certificar de que seus dicastérios não sejam locais de obstrução para o Santo Padre, e sim que funcionam como devem ser, como complementares ao ofício papal. Francisco tem se esforçado para trabalhar com a equipe que herdou, mas se forem considerados insuficientes, é melhor deixá-los ir.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Cardeal Müller fora da CDF: Qual o significado desta saída? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU