03 Julho 2017
"No fundo, a identificação empresarial do país com as reformas propostas pelo (des)governo da União, embora não conte com a unanimidade das/os suas/seus representantes, revela toda a covardia do capital. A desproporção da superioridade do seu poder político e econômico sobre o público e institucional é surpreendente ter tanto medo, pois não hesita em mudar o governo de um país, à mínima suspeita de ser afetada, como aconteceu no Brasil em 1964 e está acontecendo agora", escreve Jacques Távora Alfonsin, procurador aposentado do estado do Rio Grande do Sul e membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos.
As duas greves gerais realizadas no Brasil em pouco mais de um mês estão sendo criticadas como exitosas ou como fracassadas, conforme o ponto de vista da representação das/os trabalhadoras/es, no primeiro caso, ou do (des) governo e das/os empregadoras/es no segundo.
Independentemente de qual dessas “verdades” esteja presente numa ou noutra dessas opiniões, o bloco torcedor do fracasso revela uma forte aliança política do capital com as chamadas “reformas” propostas pelo Poder Executivo da União (!?) motivadoras dos protestos massivos dessas greves. Uma coincidência entre a inspiração do golpe militar de 1964, antirreformista, e o de 2016, reformista, evidencia de modo paradoxal como o mundo do direito, das leis, das instituições públicas, se dobra sempre às conveniências e injunções da economia capitalista, mesmo quando essa imponha o seu domínio sob a mais despudorada corrupção e inconstitucionalidade. Reforma sim, desde que ela guarde sempre uma correspondência gramatical e semântica, incondicionalmente fiel aos interesses desse domínio.
Se, em 1964, as chamadas “reformas de base”, propostas pelo governo Jango, pretendiam pelo menos diminuir o poder predatório dos “direitos” do capital sobre o trabalho, a terra, a vida e a necessidade das pessoas, as reformas de agora poderiam bem se denominar reformas de cúpula, pois pretendem recuperar “por cima”, o pouco ou nada do que a sua classe social representativa perdeu “por baixo” nas últimas décadas.
Há uma coincidência paradoxal, assim, entre as causas do golpe militar de 1964 com as das reformas agora propostas pelo (des) governo vigente. Lá, o golpe serviu-se das reformas propostas por um governo legítimo para acabar com ele; aqui, o golpe serve-se das reformas propostas por um governo ilegítimo e corrupto para defendê-lo e preservá-lo, mesmo quando seja cúmplice da sua própria ilegitimidade e corrupção.
As novas tentativas de introduzir no ordenamento jurídico do país as manifestações públicas de protesto popular, como criminosas e terroristas, têm a finalidade de reforçar essa aliança perversa e antidemocrática, buscando impedir uma das poucas defesas que ainda restam aos direitos humanos fundamentais sociais, procurando matar a coragem das/os inconformadas/os com as injustiças que sofrem.
No fundo, a identificação empresarial do país com as reformas propostas pelo (des)governo da União, embora não conte com a unanimidade das/os suas/seus representantes, revela toda a covardia do capital. A desproporção da superioridade do seu poder político e econômico sobre o público e institucional é surpreendente ter tanto medo, pois não hesita em mudar o governo de um país, à mínima suspeita de ser afetada, como aconteceu no Brasil em 1964 e está acontecendo agora.
Em 2012, a editora Ideias e letras publicou um livro de Rose Marie Muraro, “Reinventando o capital/dinheiro”, no qual ela dedicou um capítulo inteiro sobre a natureza da corrupção. Passados cinco anos, o seu juízo sobre esse vício moral continua profético, a nos advertir de que não se pode cair na ilusão orquestrada pelo atual sistema econômico, político e midiático de que a corrupção seja coisa pertinente apenas a esfera íntima da consciência individual, não podendo ser estendida às instituições públicas nem aos poderes endinheirados que as dominam:
“Tudo, ou quase tudo, faz-se por dinheiro na sociedade capitalista atual. Então, ela se torna esquizofrênica: de um lado aqueles que querem transformar o mundo para que ele sobreviva e, de outro, aqueles que, a qualquer preço, querem ganhar dinheiro, usando para isso de todos os meios, mesmo os ilegais e antiéticos. Na maioria das Assembleias Legislativas das instâncias políticas, e até no Congresso Nacional, graças à corrupção escondida sob uma capa de legalidade, cometem-se todos os crimes, inclusive assassinatos de pessoas que estejam atrapalhando seriamente essa mesma corrupção. {...} Quanto ao dinheiro ilegal das classes ricas, que é o caixa dois das empresas - um dinheiro não declarado para não pagar impostos - esse envolve praticamente todas as empresas do mundo que, a nosso ver fazem, juntando isso tudo, que a economia ilegal seja muito maior do que a economia legal. Por isso, esse dinheiro ilegal está crescendo cada vez mais. Quantos trilhões de dólares estarão depositados nos bancos suíços ou nos paraísos fiscais? É o dinheiro daquele 1% da população mundial que detém a grande maioria do PIB global e que ainda está por ser descoberto. A corrupção não é somente local (gangues) e nacional (política e economia), mas também - e essa é a pior de todas - internacional.” (págs. 197 e 200).
Verdades incômodas ao poder econômico privado são incômodas também ao Poder Público dele assecla. A crescente impopularidade do atual desgoverno, o fato de o próprio presidente já ter sido denunciado por corrupção junto ao Supremo Tribunal Federal, estão demonstrando um crescimento significativo de desmoralização do golpe praticado contra a nação. Como o medo das/os corruptas/os vai aumentar, cabe à coragem cívica oposta não se deixar sacrificar.
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O medo da/o corrupta/o quer matar a coragem da/o necessitada/o - Instituto Humanitas Unisinos - IHU